TCHELLO D’BARROS
– Em entrevista concedida à jornalista e editora Lucília Dowslley e
exclusiva pro Tataritaritatá, o escritor e artista visual Tchello d’Barros
fala da sua trajetória, do Rio de Janeiro, da criatividade artística no
trânsito entre a escrita e o visual, influências, viagens & muito mais.
Confira.
LD - Qual a sua escola e de onde vem a sua veia artística
altamente criativa?
Desde
que as chamadas escolas, principalmente as vanguardas europeias, entraram em
declínio ainda no século passado, que muitos artistas buscaram uma via mais
independente, sem aderir a esta ou aquela escola, sem o rótulo de algum “ismo”,
sem um carimbo de filiação estética a qualquer movimento que seja. Há quem
atribua isso a postura transgressora dos Dadaístas, não falta quem aponte que
tudo começou a mudar com o urinol do Duchamp e ainda há quem considere que o
que se tem chamado de arte contemporânea, caminha um pouco por esse trilho,
onde cada um pode conceituar seu próprio universo teórico, estético e poético.
Então, não sei se há mesmo uma veia muito criativa no que venho produzindo, o
que desconfio é que em meu trabalho talvez haja uma busca por desenvolver uma
marca pessoal, uma identidade, nas linguagens às quais tenho me dedicado. Desde
criança que leio muito, estudo quanto posso, experimento alternativas, é
possível que isso ajude um pouco, no entanto, me parece que o que conjunto de
trabalhos produzidos resulta de uma necessidade interna de interferir na
realidade, de lutar no mundo que me
cerca com as armas que tenho, que são as criações no campo da arte.
Imagem: Tchello
d’Barros na performance “Vertigo Confessional”, no CCJF, no Rio de Janeiro.
(clic by Carlos Cesari)
LD: Como artista
multimídia, trabalhando com poesia e com artes visuais, teve alguma influência?
O
quesito das influências eu prefiro sempre ver como confluências, já que somos
personagens de uma estória que vai sendo escrita coletivamente e que ajudamos
também a escrever, ainda que muitas vezes involuntariamente. Mas em vez decepcionar
os leitores citando nomes de artistas, prefiro citar um período histórico, o Renascimento,
pois acredito que isto seja o que mais possa se aproximar de uma influência, no
meu caso. Busco aqueles valores na arte, sem esquecer de viver meu tempo como
ele é. Gosto de pensar que sou um homem do Renascimento agindo em minha
contemporaneidade para impactar o futuro, ainda que se corra o risco de isto
soar pretensioso. Naquele período não era raro que artistas se aprofundassem em
mais de uma linguagem artística e ainda se dedicassem a outros interesses
científicos e metafísicos. Mas o sistema capitalista e a sociedade consumista
em que estamos atolados exigem que sejamos rotulados, categorizados e medidos,
para que possamos ser valorados e até controlados. E surgem essas
identificações como ‘multilinguagens’, ‘transmídia’, ‘híbrido’ e por aí vai. A
outra possível contribuição em meu processo criativo, creio que seja o estudo
dos clássicos, de uma maneira geral. Conhecer a história da arte faz qualquer
pessoa ser um artista visual mais preparado. Dominar as chamadas formas-fixas
em poesia deixa a pessoa mais aparelhada na hora de criar um poema.
Imagem: Ideograma
“Mais Luz” integrante do livro “Olho Nu”
LD: Teria como colocar
na balança a importância ou preferência entre a arte de escrever e as artes
visuais?
Parece
muito mais gratificante que uma questão como essa seja refletida pelas pessoas
que tem contato com minhas criações, sejam textuais ou visuais. Isso porque
algo que é significativo para quem cria, muitas vezes é percebido de outra
forma pelo público que se identifica com a obra. Desde criança gostava de
brincar com a sonoridade das palavras, antes de aprender a ler gostava de
repetir o trava-línguas “sabia que o
sabiá sabia assobiar (assoviar)?”, ou seja, a palavra como brinquedo,
lúdica e pueril. Ao mesmo tempo, fazia muitos desenhos com caneta pelo assoalho
da casa, então nem sei o que veio primeiro como possibilidade estética, a
palavra ou a imagem. Assim, por mais que aparentemente a produção seja
multifacetada em várias modalidades, seja na Literatura (poesia, conto, crônica
e ensaio), seja nas Artes Visuais (desenho, gravura, pintura, fotografia,
instalação, performance, intervenção) ou mesmo no Audiovisual, o que faço de
fato se resume a duas coisas muito básicas: produzo textos e imagens, simples
assim. E, para mim, no fundo mesmo, tudo é uma coisa só.
Imagem: Infogravura
“Arquitetura Fractal VII” na exposição em 3D do site Immagin/Area, na Itália.
LD: Como você descreve o
cenário poético atual no Rio de Janeiro? Ampliando a sua visão, como
descreveria este cenário a nível nacional?
O
Rio de Janeiro não é mais aquele. Não temos mais os grandes poetas cuja obra
confere identidade ao nosso povo brasileiro. Outro dia mesmo, encontrei o
Gullar num evento de esculturas na Praça Paris e hoje sequer ele está entre
nós. Mas a melhor coisa que percebi na poesia carioca e fluminense foi a
proliferação dos saraus, esse retorno atávico da tribo (literária) em reunir-se
em torno do poema falado, recitado, performado. Fora isso, o excesso de publicações
de qualidade duvidosa denota um declínio na antiga e nobre arte do verso. E
isso ocorre de norte a sul no país, pois vejo isso também nas feiras do livro
em que participo e nos projetos envolvendo bibliotecas. Nunca foi tão fácil
publicar e como a crítica nos jornais acabou e se tornou rarefeita na internet,
cada um publica o que quiser e a plebe ignara rende aos poetastros de ocasião o
aplauso que seria reservado aos verdadeiros poetas. Para muitos, o recurso de
publicar o que acham que é um poema tem sido só um meio de receber atenção, estratégia
para suprir carências, os pseudo-poemas não passam de um exercício da egolatria
tão característica de nossa pós-modernidade hedonista. O que chamam de poema
substitui o psicanalista, o padre e o ombro amigo, o confidente, numa tentativa
(vã) de amealharem admiradores. Grande parte dessa verborragia confessional não
é outra coisa que a insofismável confissão da avassaladora solidão em que se
encontram tais escrevinhadores. É claro que nem todo mundo precisa saber a
diferença entre poema e poesia, ou saber o que é uma redondilha, um alexandrino
ou um verso esdrúxulo. Para muitos o poema não passa de discurso político, de
veiculação de idiossincrasias ou de filosofices de butiquim. Ainda bem que
somos salvos pelas honrosas exceções. Não é proibido ficarem publicando por aí
uma literatura rasa, com a pressa típica de nossos dias, mas cadê surgir um
novo Cruz e Souza, um novo Patativa do Assaré, um Manoel de Barros? Onde outro
Paulo Leminski, Mário Quintana ou Haroldo de Campos? Aviso de amigo: cuidado,
muito cuidado com essas pessoas que se autointitulam poetas...
Imagem: Livros
solos publicados, além de textos em mais de 50 coletâneas, antologias e livros
didáticos.
LD: Poderia contar sobre
algum projeto de Poesia Visual que esteja desenvolvendo para um futuro próximo?
A
Poesia Visual, essa modalidade híbrida entre a Literatura e as Artes Visuais e
que fica abrigada sob o guarda-chuva da Poesia Experimental, ocupa um espaço
bastante especial entre minhas atividades. Já são mais de 100 poemas visuais
produzidos em duas décadas. Essa série de imagens resulta hoje num sistema
intermídias, multifacetado em exposição, livro, blog, redes sociais, projeção
em eventos, palestra, mesa-redonda, oficina, curadoria e produção teórica. No
momento algumas dessas imagens estão na representação brasileira na 3ª Bienal Internacional de Poesia Visual,
na França, além de integrar o anuário “Maintenant”,
nos EUA. Assim, além de organizar a itinerância de “Convergências” para ser apresentada em mais dois Estados que já
manifestaram interesse, está previsto o lançamento de um livro que organizei a
partir da mostra internacional “Imagética”, cuja curadoria apresentei no CCBB
do Rio. Algumas criações estou adaptando para serem veiculadas em mostras de
Arte Postal em três continentes e ainda para este ano pretendo apresentar aqui
no Brasil mesmo uma exposição internacional em uma vertente bastante específica
que é a Asemic Writing.
Imagem: Poema
visual “Labirintítese” na 3ª Bienal Internacional de Poesia Visual, na França.
LD: Você que gosta de
viajar e na maioria das vezes, envolve projetos artísticos. O que leva e traz
na bagagem, levando em consideração, que a bagagem não é só a física?
Viajar
é preciso. Voltar é impreciso. Há algum mistério que ainda não entendi muito
bem, que faz com que eu não consiga ficar parado muito tempo no mesmo lugar.
Sou mais asas do que raízes. Há pessoas que sentem esse comichão na sola do pé,
um leve rumor que faz com que estejamos sempre olhando mapas para escolher a
próxima aventura. Sou desses. O fato de ter morado em quinze cidades no Brasil,
ter realizado atividades artísticas em todos os Estados e ter deambulado por
vinte países, renova o peregrino que há em mim, sempre em busca de outras
fronteiras, para desatar novas linhas do horizonte. Num momento estou nos
Gêisers de El Tatio no deserto de Atacama, noutra sou um flâneur pelos nos meandros do Red Light District, em Amsterdã, ou
ainda, um caminhante en passant sobre
a Linha do Equador em Macapá, por exemplo. É Sêneca, quem me ajuda a compreender
melhor isso tudo, quando cunhou o axioma “Não
nasci para estar fixo em apenas um lugar, minha pátria é o mundo inteiro”. Na
bagagem levo meus livros, que vou distribuindo pelas bibliotecas das cidades
que visito. O que trago na volta é pouco, apenas um semblante transfigurado de
alumbramentos.
Imagem: Painel
com 100 fotografias de nomes de jangadas do Nordeste.
LD: Como o Tchello
d’Barros se define no papel de artista? Seria possível fazer um parâmetro com o
Tchello d’Barros “off work”, ou seja, com o Tchello na vida pessoal?
A
vida pessoal deste indivíduo é tão discreta e básica que simplesmente passo
despercebido por aí. Agora, definir-se talvez seja um exercício de vaidade, é
possível que seja uma indução à percepção alheia e ainda um equívoco, pois
definições podem ser limitações. Prefiro olhar um espelho transparente, onde
vejo o outro, os outros. O Paraíso são os outros. Talvez seja mais veraz a
visão que os outros têm de nós, num exercício de alteridade. Tomo como exemplo,
as mais de quarenta entrevistas que já concedi ou os mais de cinquenta textos publicados
sobre minhas peripécias artísticas, de onde – apenas pra não fugir da pergunta –
podemos pinçar alguns excertos desse acervo crítico: o poeta Sady Bianchin
escreveu certa vez que “Tchello d’Barros
é um visionário visualista (...) segue voraz
produzindo sentidos no processo humano, como um Prometeus que vai roubar a luz
vestida de branco dos deuses da poesia”. Mas o artista Fernando
Aguiar, escreveu de Portugal, mencionando que “A poética de Tchello d’Barros (...) enlaça sem preconceitos o campo
das artes plásticas, apropriando-se das representações da contemporaneidade”. E
o mineiro maneiro Ronaldo Werneck dispara essa controvérsia: “Tchello d’Barros é um
mundo, um mundo (em si) mesmo – um mundo de muito trabalho, engenho e invenção.
Um mundo efêmero, é certo, mas que traz em si qualquer coisa de perene, quem
sabe de eternidade.” Não que o interlocutor dessa entrevista considere
que mereça tais elogios generosos, no entanto não deixam de formar um mosaico
de percepções, que estimulam a seguir em frente, sem perder a simplicidade e dedicando-se
para que vida e obra sejam a mesma coisa.
Imagem: Cartaz do filme experimental “Devorável”, escrito e dirigido por Tchello
d’Barros
Tchello d'Barros é
escritor e artista visual. Desde 1.993 que suas criações em desenho, gravura,
pintura e arte digital tem participado de mais de 130 exposições, individuais e
coletivas. Na Literatura, são 6 livros publicados e uma série de contos,
crônicas, ensaios e poemas que tem sido publicados em mais de 50 coletâneas,
antologias e livros didáticos. Parte dessa produção vem sendo aos poucos
adaptada ao meio Audiovisual. Seus temas principais são as relações humanas,
vida em sociedade, fé, sexo, política e cotidiano. No paralelo, realiza também
curadorias, editoriais e atividades acadêmicas diversas. Cosmopolita,
vive circulando pelo Brasil e pelo mundo, mas pode também ser encontrado em sua
atual cidade-sede: Rio de Janeiro, Brasil. Veja a entrevista que ele
concedeu ao Guia de Poesia aqui e
mais dele aqui.