quarta-feira, março 14, 2018

A POESIA DE ROGÉRIO GENEROSO


OFERTÓRIO
Eu vos dói o poema
Como um sonho desperto
De outras eras
E vos dou meu corpo
Devoto à morte lenta
E acumulado de esperas
Para alcançares
As palavras possíveis
Imprecisas. Lamaçais.

FLORADA DE MÃES

Maio estende seus dedos
De nuvem por varal de sóis
Amargos e tenro zarcão.
Nos campos ondulados
Florada de mães azuis
Amenizam o outono da tarde.

PÓS-MODERNA INFLEXÃO

Pus o amor
Por detrás do criado
Mudo e fui aos confins
Do fim-do-mundo
Beber o gelo do silêncio
E vi crescer o exílio do êxtase.
O amor é secreto.
Eu, invisível
Ou abandono de azuis.

PEQUENO GOZO SEM NOME OU AMOR

Detive um pouco a alma entre o ar
E o nada. consumi grãos de pavir
E silêncio no dejejum. Amei as pálpebras
Da amante reviradas quando eu entrava
E saía do abismo de sua minúscula floresta
Da relva negra. Assaltei com mãos ágeis
Sugar-lhe os bicos após festa profana de saliva
E sêmen. E me dado foi vencer o monte curvo
De carne onde do cimo vi a flor vermelha
Entreaberta – vulcão ativo a esperar-me.
E tomei impulso pelos para guardar
Minha memória no púbis daquele amor
Sem nome.

SOBRE O SILÊNCIO

Façamos silêncio. Multidão de silêncios.
Assim, silenciosamente, ouçamos o poeta
E não nos calemos ao barulho das coisas
Ao movimento das ruías, ao cinema americano
Ao estadista tirano, aos cadáveres surgidos
Sem crime, ao sol golpeando geleiras
Madeiras e ossos, mesmo quando é noite
Por um buraco de agulha aberto no céu.
Façamos silêncio em memória de apodrecidos
Indigentes rastejando ainda.
Façamos silêncio. Não nos calemos.
Ouçamos o poeta.

EXERCÍCIO DE EXISTIR

Existo
No nome
No abdome
No pináculo
No vácio
No abismo
No silêncio altíssimo
Na respiração
Na circulação sanguinea
Na imagem em dissipação
No coito com a memória
Na ideia de mundo
No hábito de solidão
Na consciência cruel
No árduo entardecer-me
No ar que antecede
Outra palavra de mim.

MEMÓRIAS DE PELE

A memória de febres laranja.
A angustia de seu corpo longe.
A solidão em conluio com o eterno.
A morte azul que invento.
Era um domingo longo
Onde as palavras dos homens
Extenuadas e secas dormiam
Em bosques senis qual folhas
Mirradas sem fotossíntese.
Domingo rinoceronte de rótula
Rebentada e óbice insuperável.

JAZZ

Em torno da selva escura
Relva de simento, flores de baunilha.
O céu est´acima onde se chega
Descendo ao futuro, mas esse pátio
De incerta química aquática
E fumaça, herético e longo ângulo
Acumula gritos e silêncios:
Pequenos incêndios em represas
Vazias, agrestes – imagem
Vista de meus olhos antes de morrerem.
O mundo é uma habitação perecível
E tudo é explicação desnecessária
Para triunfo da noite e espermas.

ROGÈRIO GENEROSO – O poeta e produtor cultural Rogério Generoso é autor do livro Noumenon (2010), presidente do Centro Cultural Vital Correa de Araujo e produtor executivo da FLIPO. É membro da UBE, curador da plataforma de lançamentos da Bienal Internacional do Livro em Pernambuco. Os poemas foram extraídos da coletânea Pegadas da escrita, coordenação e organização de Maria José Arimateia & Rogerio Generoso.