segunda-feira, fevereiro 24, 2020

A POESIA DE MARCOS PALMARES



ZONA DA MATA SUL

Existe um belo esplendor
na zona da mata sul;
Seu verde não muda a cor,
e o céu é límpido e azul.
Seguindo por uma trilha,

os rios correm pro mar;
E no dever da cartilha
toda manhã chove lá.
Têm córregos entre matas,
sapoti, manga e ingá;
têm cachoeiras e cascatas,
fauna e flora pra mirar.
Tem cheiro da cana de açúcar
que aguça o desejo que tenho,
e não deixa a vontade caduca
pra chupar cana do engenho.
E entre as riquezas naturais
têm um povo hospitaleiro;
e tem crendices nos anais,
a "terra dos altos coqueiros."

TAPERA DO PAJEÚ

Minha tapera no Pajeú
tem cuminheira e sacada,
tem porteira na entrada
e a cerca de mandacaru.
O rio que passa por lá

nasce na serra da balança
e ali deságua esperança
pra minha vida melhorar.
E às margens do Pajeú
posso colher alegria;
com o milho, feijão, melancia,
e mandioca para o beiju.
Também tenho no Pajeú
uma boa cabra leiteira,
jegue pra carregar feira,
galinha, pato e peru.
E os meus finais de semana
tem muita festa ao terreiro
porque o vizinho, Zé Romeiro,
puxa o fole em sua sanfona.
No meu sertão do Pajeú,
eu tenho o melhor retrato
com o sol se pondo à recato
ao doce canto do lambu.

VOLVER AL PASADO

Ojos cerrados por la vida.
Miré al pasado
y él estaba allí, cuando me fui,
y sin pelear me encontré en pantalones cortos,
sin arrugas y sin madurez.
También vi en la penumbra fría

como en una cinta de video de la vida,
algunas personas que me dejaron
sin imaginar que sufriría
de tal anhelo y nostalgia.
Las oportunidades perdidas estaban ahí
y formó una gran fila,
la hilera de leche derramada.
y en el sueño de la terca inocencia,
Estaba feliz de visitar mi pasado.
Vi pasar las horas
y me miraba a mí mismo
tan sin aliento como feliz;
muy humano, traicionado por errores,
queriendo mi flor de lirio.
Y cuando abro los ojos húmedos,
Contemplé mi cara en el espejo
en un viaje de regreso al presente
donde siempre he ido
con pensamiento y pie en el pasado.

EU USO...

Às vezes meio intruso
vou chegando de vagar
e no meu trejeito de falar,
eu uso____
E se eu olho, difuso,

mesmo sem assiduidade,
mas se bate uma vontade,
eu uso____
E esquecendo o abuso
entre as quatro paredes
mas havendo o poço e a sede,
eu uso____
Considerando o desuso
com a minha cumplicidade
e cambaleando na idade,
eu uso____
E me fervendo o sangue luso,
dentro ou fora de hora,
mas se o meu desejo aflora,
eu uso____

O DIABO CHEGA NA QUINTA

Seu diabo tem a voz melosa,
e têm na aparência, boa-pinta;
sua palavra é demais mentirosa
e geralmente chega na quinta.
Na quarta, eu coloco uma farda,

já sabendo seu jogo e finta;
mas, sutil ele dribla a vanguarda,
e geralmente chega na quinta.
Ele é o senhor da cilada,
disso, não há quem desminta;
vestindo "Prada" é piada,
e geralmente chega na quinta.
Vem pra roubar, matar e destruir,
separar as pessoas na trinca;
usa a aparência para confundir,
e geralmente chega na quinta.
Mete medo como o trovão,
e merece uma surra de cinta;
onde ele for terá confusão
e geralmente chega na quinta.

TRÊS AVE MARIAS

Salve as Marias, cheias de raça,
na luta diária, senhoras do lar,
e sendo mui fortes
nos solos do norte,
qual virgem Maria,
exemplo nos dá.
Salve mamãe, cheia de massa,

naquela cozinha para preparar
um cuscuz de mandioca
e a melhor tapioca,
e qual virgem Maria,
o exemplo me dá.
Salve vovó, cheia de pirraça,
com língua afiada,
mulher faladeira,
e sua cuspideira
viiixe Maria,
inapropriada.

RENASCE ZUMBI

Renasce Zumbi,
em qualquer coração valente
quando a causa é justa
e a garra se pinta de luta
ignorando senzala e corrente.
Renasce Zumbi,

onde há coração guerreiro,
e o quilombo for uma razão
que renove toda a afirmação
que esteve no sangue negreiro.
Renasce Zumbi,
em qualquer tempo da história
onde houver causa inerente
e açoites de corpo e de mente
conclamarem por uma vitória.
Renasce Zumbi,
no apátrida que ufana o direito
de cantar a canção da felicidade
ao pisar em um chão, liberdade,
com Palmares pulsando ao peito.

NO PALCO DO AMOR

No palco do amor,
eu deixei um coração de pedra,
e vi rasgadas minhas vestes,
quando lá deitei minhas preces
pra não mais ser um sofredor.
No palco do amor,
do meu rosto uma máscara caiu,
e mais alvo que a neve fiquei
porque ali o passado eu deixei
onde o amor sempre cura a dor.
No palco do amor,
vi nascer a minha liberdade,
e por alto preço, comprado,
eu me senti um filho amado
onde o amor se entregou por amor.

MINHA HISTÓRIA DE AMOR

Na minha história de amor
fui violão afinado,
às vezes, desentonado,
com o braço em tantos braços
pra no amor ser tocado.
Na minha história de amor
tem cheiro de flor e capim,
onde a paixão foi estopim,
que sob o céu do interior,
ateou fogo em mim.
Na minha história de amor
há versos de belos sonhos
onde num céu de esperança
o renovar da aliança
ficou nos rostos risonhos.
Na minha história de amor
as páginas que estão em branco,
foi quando o amor andou manco
nos labirintos da solidão
em risco, tranco e barranco.
Na minha história de amor
o caminho é a mesma estrada
se mui doce é a caminhada
com a leveza da abelha na flor
onde o amor seja a flor desejada.

MUNDO BIBLIOTECA

Eu tinha tempo pra tudo
brincava de ximbra e peteca,
mas levava a sério o escudo,
e meu mundo era a biblioteca.
E no caminho a prosseguir,
eu sonhava me vendo na beca
e corria até a praça Maurity,
onde o mundo era a biblioteca.
E debruçado à uma das mesas
eu bebia de Ascenso a Lá Greca,
e viajava por tantas riquezas
no meu mundo da biblioteca.
Hoje meu cabedal de cultura
vem desse mundo sem carboreto
onde a esperança foi boa leitura
na biblioteca Fenelon Barreto.
E agora me bate a saudade
e em gratidão eu devolvo ternura
a esse mundo que ainda invade
todo sonho que o horizonte fulgura.

RECIFE E O GALO

Quero voltar, Recife,
e numa emoção aloprada,
pular o teu frevo de rua
e na paixão que em mim continua,
ver o gigante galo da madrugada.
Quero voltar, Recife,
e a saudade já está atravessada
a me levar, inda que seja, pelo braço,
e na folia me perder no embaraço
pulando atrás do galo da madrugada.
Quero voltar, Recife,
e o coração já está em disparada
para seguir seu rumo e conselho
atravessando a ponte Duarte Coelho
pra ficar perto do galo da madrugada.
Quero voltar, Recife,
terra minha, pátria amada,
e num possível bloco do ainda
quero rever os bonecos de Olinda
sem esquecer o galo da madrugada.

CLIENTE MATUTO

Né qui chegou um cliente,
mei amuado e suado,
desses cumpade que eu tenho
falano alto e sem dente,
e vindo lá dos engenhos
dispusitar um dinheirinho na caxa
prá dispôs querê o rendo?
E o home falou cuspindo:
"bote no nome da muié
pro quê eu não me assino
mai meu nome é Mané,
filho de Zé Sivirino,
e moro em Santa Fé
com dez filho e a mulé."
Eu pedi seus documentos
e comecei logo fazendo...
mas ao dar explicamento
que o nosso rendimento
só dava pouco por cento,
Me desculpe seu gerente
mas o home foice corredo.

A FÁBULA DO MORIÁ

Um dia, logo bem cedo,
um ofertante com fé, e segredo,
enfrenta, à contra-gosto,
um desafio estampado no rosto
indo ao monte com três ferramentas;
a lenha, o fogo e o cutelo
no lombo de uma pobre jumenta.
E as três ferramentas de trabalho
não podendo expressar o desgosto
foram levadas ao monte Moriá
na forçada intenção de ajudar
o abençoado a quebrar o seu galho.
A encarregado das ferramentas
era a pobre e inocente jumenta,
que procurou num jeito bem ogro
fazer tudo e não entrar no jogo;
Assim manqueja pisando na penha
levando o fogo, o cutelo e a lenha;
Mas a primeira ferramenta, o fogo,
sentiu bem perto de si o malogro
quando viu afiado o cutelo,
e de vermelho, ficou amarelo,
bem distante do feixe de lenha.
De repente, uma mudança de plano,
no holocausto esclarece o engano,
e no lugar do rapaz, um cordeiro
tipificando o amor primeiro,
e sendo ali o melhor aditício,
foi providência para o sacrifício
que chegou bem na hora e ligeiro
e pro ofertante, salvar o herdeiro.
Então aquelas três ferramentas
agradeceram a amiga jumenta
pela façanha do seu artifício.
E por fim, a jumenta falou:
-em mim não cabe a honra e louvor,
se eu apenas fui uma ferramenta
que nessa vida nasci pra jumenta;
mas lá do céu desceu o amor
que fez prostrar meu dono, senhor
que neste monte provou seu agir
para meu fardo não mais existir!
E no despontar de um sol amarelo,
burro, adorador, rapaz e o cutelo
voltaram felizes para casa,
deixando a lenha no fogo em brasa.

O FREVO

Quando eu olho as passistas,
me dá aquela vontade
na minha flor da idade;
e, por fim, não me atrevo
correr risco no compasso
de dar uns passos no frevo.
O colorido das sombrinhas
faz-se encanto ao meu bloco
do estandarte em foco,
e no amor em relevo
o meu coração salteia
só de ouvir tocar o frevo.
E eu me pego pulando
enquanto estou assistindo
um Pernambuco mui lindo,
e tão logo eu escrevo,
que o melhor carnaval
é no compasso do frevo.
Os bois do maracatu
trazendo de Olinda o segredo
ao batuque é belo enredo,
levando-me ao enlevo
dessa cultura porreta
que me faz mamulengo no frevo.

AVENTURAS DO NITO

Eu conheci um rapaz,
cabeludo, esbelto e bonito;
ele ajudava no cartório do pai
e tinha o apelido de Nito.
Sempre elétrico e apressado,
pois no sangue, arte corria;
e ao lembrar, vou ao passado,
sorrindo e tendo alegria.
É que em meio a caminhada
quando Ele fazia mandado
aprontou uma patuscada
com a tia do cartório ao lado.
Ela o pedia para comprar
água de coco, bolacha e pão,
coca cola e guaraná,
todo dia essa missão.
Mas o Nito era palhaço,
e não gostando desse favor
trouxe o pão debaixo do braço
pro pão ficar com odor.
E a tia vendo o desfeito
passou logo a murmurar
e assim mudando o conceito
não pediu mais pra comprar.
Era o que o Nito queria,
contou Vinícius e Mercês;
depois disso eu sofreria
por ser a bola da vez.

MARCOS PALMARES – Reunião dos poemas do escritor Marcos Palmares.