PARA CATIVAR A FEBRE (BÔNUS)
É tempo de anjos arruinados
As florias se acabaram.
O estoque de verdade baixou muito.
A realidade já não basta.
Viver não é mais conferir
Profundidade às atitudes e defeitos.
É tempo de cones tristes e ícones castos.
É chegada a hora da febre interior.
Os vertiginosos limites inultrapassáveis.
Leve unidade à concorrência do tempo.
Pela erosão da sina definitiva.
Toda pureza será proibida.
Não apague as máculas.
Todo desprendimento é ridículo.
Qualquer piedade é mal vista.
VISÕES NÃO FÍSICAS
Os retornos são eternos. Tudo é perpetuo recomeço.
A exceção da infância, menos a vida.
Escrever é afirmar a solidão, é encontrá-la à mão.
Bebê-la na página percorrê-la.
Escrever é solidário à solidão. Chamá-la à colação.
A escrita é uma forma de conversa com a solidão
Modo de escrevê-la retendo-a na lauda.
A solidão é o êxtase do absoluto
O fascínio do vazio vivo, pleno, árduo, intenso.
ALGUÉM
Alguém tem meus cílios leprosos
Alguém fechou-me as pálpebras velozes
As portas, as caixas, o futuro
Com ouriversarias falidas
Com pérolas crápulas
Ouros tolos
Esmeraldas perversas
Falsos marfins
Rubis devassos, ardis
Com safiras impuras
Alguém decorou meu ocaso
Com cor de tânato
Alguém demoliu meu nome
E ao pó entregou meu rosto, quem?
E alguém roubou os cálices
Dos lábios da náusea
Fez fulgir o abandono
Fez o vômito luzir. Quem?
DAMOR
Te amo como se aves fossem nuvens
Ou céu intenso pássaro
E o horizonte poleiro de luas emplumadas
Te amo como Deus ama o que criou
Como se as cinzas voassem ao léu de mim
O pó se arrependesse
E os sais da ressurreição crescessem
Te amo como cavalga a égua o cavalo
A cópula não é poluta.
NIHIL
Então não repito:
Esse romance (?) fala de nada e
Da vida totalmente sempre, amém.
Para nós (eu e o romance) o homem
É impossível, mas não impassível.
Também. Sulcos abre ele no chão
Pobre da modernidade tardia.
Tadinha.
Sob céu vagoroso
A safra de Hermes caolho colho.
Repudio o vômito
E a voz da náusea.
Úmida ou não.
LEMBRANÇAS LASCIVAS
Seios esferas de doce saliva
Ancas redondas como o paraíso
Lua os olhos com que sonhava de dia e de noite
A cabeleira era semelhante à noite
Que enchia o quarto quando ela os soltava
É o que me lembro dela
E algo de outras da rua do Rangel
Ela tinha 49 anos... eu... 19
Esqueci o nome dela... não importa... era ela
Como quem ouvi 30 pores de sol... em frente da boite
Mauá.
DITAME NOTURNO
A noite mãe é quem dita o poema.
Maternalmente, acolhe a palavra
O útero verbal é ameno.
Noite real e elementar.
Não só devora luz, abole luar
Única que aclara recônditos, revive-os, a fundo.
Inacessíveis recantos do ser lambe.
Só coração da esfinge é fiel a ela.
Que a almas perdidas se devota.
ADENDA
Eis eu, eis tu, és eu, és tu.
Ao esplendor dos símiles de Homero
Nada se igualha desde sempre.
A cada hexâmetro do homérico delírio
Da febre do grego fogo que criou a poesia
Uma taça duradoura e ébria
De vinho longo servi ao lábio.
DE NÓS
De ti conheço o rumo ausente
O silêncio
A vertigem imóvel
Um parnaso triste
Um árabe rio prata
Uma corrente de combalida
E o reversem do jogo findo
De ti conheço além da ausência
O remorso e a certeza de uma pausa
De mim sei que as ogivas do olvido pesam
E que a cobiça de ti é branca
Como cansaço.
RÁPIDA ETERNIDADE
Por alguns íntimos
(e pífios) segundos
Somos (ou fomos) eternos
Tu (leitor) e eu.
As leituras são eternas
Para sempre
Porque leem o por vir
E o para que
Por necessidade íntima
Ou acaso múltiplo.
ESSA VIDA
A vida, essa onde de espuma quântica
Tocata e fuga, sinfonia escura e úmida
Catre de albumina (esquizofrênica)
A vida, essa poeira cônica, onímoda
Grandiosa, infinitésima, plural e estúpida
Sopa espúria, acaso de gametas sem tino
Esse abre-te e fecha-te Sésamo
Átomo anímico, antro do espírito
A vida, esse falso alento químico, sapo ético e lábio
Proteica trama, hausto carnívoro
Essa renda de DNA e lenda
A vida, essa hábil teia que o esmo torce
Ocaso cria com seivas cavas, tece o tempo
E a cruenta morte desata de súbito
Num trânsito pontual e initerrupto
A vida, essa promíscua sopa
De fermentos dúbios essenciais nuas impuras
A vida, essa conjunção de alma e víbora
Essa tropa de manás lascivos
E verdades duras
A vida, essa cria de moneras
A dependência de moedas.
MANDÍBULA
ELEATA – Poemas extraídos
da obra Madíbula eleata – Poesia absoluta (Criarte, 2021), do
escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital
Corrêa de Araújo, que é dividido em
duas partes, Mandíbula e Eleata, e que traz o prefácio do próprio autor, Indo
além da poesia, do poeta e professor Admmauro Gommes; Um novo olhar sobre
Vital, do professor Wilson Santos; Perplexo poema Vital, de Zé Ripe; entre
outros textos. Veja mais aqui e aqui.