quarta-feira, julho 03, 2013

NUNCA CHORE POR MIM


NUNCA CHORE POR MIM



Nunca chore por mim
Não chore não
Que um dia eu volto
Pra te buscar
A partida e o caminho
Nas minhas mãos
E olhos da vida
A me vigiar

Eu percebo o destino sob os meus pés
E a saudade no peito agourando a solidão
O exílio e o aceno na estação
Incidem na voz um lamento de adeus
De quem vai se entregar
Seja em qualquer lugar
Onde a sorte vier

É seguir cada qual a sina de agora
Desatino vadio da ilusão
O apito do trem apressa a hora
Marcando o compasso do meu coração

Cada rosto se expõe na dor que chora
Quando o sonho é varrido pela paixão
Já é tarde estou indo, eu vou embora
É que o choro arrocha o nó da canção
De quem vai se entregar
Seja em qualquer lugar
Onde a sorte vier

Perdão dos amores desfeitos na tora
Arrancados no véu da contramão
Fizeram outono na minha história
Atraindo abono e a distração

Pelas ruas ganhei a pose e o disfarce
O abraço e o perigo da delação
Para a vida ofereço a outra face
E pra morte celebro a confissão
De quem vai se entregar
Seja em qualquer lugar
Onde a sorte vier.


NUNCA CHORE POR MIM – Era noite estrelada na praça da prefeitura, uma noite com data perdida no céu de Palmares, Pernambuco.
Ali, aboletado num banco da praça, Santanna, o Cantador  solfejou uma canção. Ele parecia iluminado e me fez testemunhar um verdadeiro ato mágico: um canto clarividente no qual toda a minha vida se passava num caleidoscópio, uma melodia feita Aleph na minha existência.
Saquei o violão com o fito de acompanhar seu canto: um prelúdio que me dava a sensação dum solilóquio comovedor. Ele soltava a voz e eu agraciado cada vez mais me empenhando em acompanhá-lo.
À certa hora silenciou parece que emocionado e tomado pela iniciação: vi-lhe os olhos na imensidão. Que música linda é essa? – perguntei-lhe. Não sei, estou fazendo agora -, respondeu. Como é?
Com sua resposta, às pressas corri até o carro estacionado no meio fio da outra calçada, peguei papel e gravador, e voltei imediatamente no intento de registrar tudo.
Ao me acomodar refeito, dedilhei no pinho com um lalarilará desajeitado, enquadrando os acordes na sua melodia.
Repete -, insisti. E ele voltou a cantarolar enquanto eu seguia na tentativa de gravar, anotar e interagir na sua criação, acompanhando ao violão pelos possíveis refrões e estribilhos. 
Foi aí que ele bradou melodiosamente: Nunca chore por mim, não chore não, que um dia eu volto pra te buscar...
Então, virou-se feito um oráculo com a dádiva do prêmio: - Toma -, disse-me ele – faz a letra.
Nem conversamos mais. Arrumei tudo no alforje, dei-lhe um abração de boa noite e zarpei pra casa carregando a música na cabeça e no gravador, anotada em todos os seus detalhes no caderno.
Daí, dias e dias insones, ela parida e ubíqua transpirou nas minhas entranhas e ideias, até virar refrigério de missão cumprida.
Avisei-lhe e nos encontramos noutra noite: sacudi na caixa dos seus peitos o que inicialmente se chamou de Balada de Quem Vai Embora.
Em mim havia a expectativa de sua anuência. Ele ouviu atentamente e mandou que eu novamente executasse o violão e começou a cantar a letra impressa no papel.
A satisfação estampava na sua face e uma vírgula sequer de rejeição havia emergido das suas repetidas releituras.
Novamente virou-se com o ar da graça de quem comunga e me abraçou efusivamente: - Poeta!
Pronto, estava instituída a minha trilha sonora pro resto da vida, nascendo uma parceria que renderia depois mais algumas músicas.
Veio, então, João Silva, anos depois, para o projeto de gravação do primeiro disco só com músicas da parceria dele com Luiz Gonzaga, vez que Santanna já era famoso por esse repertório em suas apresentações contratadas. Depois das gravações das músicas da dupla João Silva/Luiz Gonzaga, ele me liga para eu ir até o estúdio em Recife, passar os acordes da nossa parceria pros músicos. A festa foi grande por reencontrar naquela ocasião o guitarrista Vavá de Aprígio, amigo meu de infância e que não via há anos, bem como a de conhecer pessoalmente o legendário sanfoneiro Camarão. Isso feito, já à noite, estávamos todos num restaurante onde eu autografava o meu livro Paixão Legendária e, logo após, Santanna faria um show. Foi uma verdadeira confraternização. E o que era uma balada de quem ia embora virou uma toada Nunca chore por mim no disco Gonzagão, meu professor, de 1992.
Em 2001, nove anos depois da primeira gravação, ele repete a dose regravando a nossa Nunca chore por mim no seu cd Xote pé de serra, agora com nova roupagem. Foi exatamente quando ele me concedeu a entrevista publicada aqui.
Em 2008, a nossa música ganhou um clipe feito pela saudosa Derinha Rocha, reunindo um vídeo com apresentação do Santanna e o áudio dele na música. Esse presente deveu-se ao fato dela sempre me ver cantando essa música nas minhas apresentações alternativas.
Até que em 2011, quando da realização do meu show Crônica de amor por ela, no projeto Palavra Mínima, da Cooperativa da Música de Alagoas (Comusa), em Maceió, fui flagrado pela filmagem do Sidclei Gomes, interpretando a música na forma e jeito que ela foi criada. Resultado: um presente chegou agora num clipe produzido pela querida Meimei Correa.
Sou feliz e grato por essa parceria. Mais ainda por ter privado da amizade do cantador, possibilitando que cometêssemos novas parcerias que ainda se encontram inéditas e que fazem parte do rol das canções que comporão meus projetos musicais mais adiante. E viva Santanna, o Cantador, salve, salve.