sexta-feira, março 15, 2019

LUAS & HORMÔNIOS DE JOEMA CARVALHO



A AVALISTA LOUCA

Como fosse
Seu braço
Uma prisão

Meus cabelos....

Em meio ao feixe de luz
Cairiam
Sem sentido

Sumiriam feito pó
Em meio à decência
Ao som clássico
Do correto estipulado

Fatigada de desejos
Morreria com sede

Da vontade absoluta
Do saber eterno
Cravado na bíblia
Dentro dos túmulos
Erguidos por ambições
E feitios esnobes

Aprenderia tudo
E seria insuficiente

As manhãs pacientes
O café
O pôr do sol
O meio gelado
Varrido por vento e dor
O pavilhão interno
De um coração trincado e vivo

O choro escorrido seco
A vergonha engasgada
A distância
Que nada conta

O quanto vale
Um corpo que reza
Que dança ao próprio som
Vendo o tempo
E os milagres
De um deus que está no céu

GRACIOSA

Se queres saber de mim
Bate fundo no eco do trem

Escala como animal
O córrego
Gotejando em flor
Na língua do adeus

Vele pelo som
Surfando em compassos
No abismo de outra estação

Se apenas fores sofrer
Amarra firme o sentido
Esquece as metáforas
E escapa discreto

ATLÂNTIDA

Afrodite no meio da lua
Guerreira
Cavalgando como amazona no meio da floresta

Cigana lendo a sorte em algum deserto qualquer
Ninfa de Shakespeare sem as mãos e sem a língua
Colhendo os frutos da própria liberdade

De carne e osso

Negra incorporando o fogo de um espírito perdido
Uma bruxa no lodo
Tentando tirar proveito de um momento ruim

Magia de um pôr-do-sol

Sedução temperada
Todos os sons
Todas as cores
Acordes e oitavas
Flutuando no espaço
Em uma insônia constante
O feminino incandescente

Um curso infinito
Um rio
Vários meandros
Vários momentos
Uma necessidade à toa de voltar
Cantar um coro crescente com o céu

Os sons da noite
Que acalantam os sonhos
Os desejos ardentes de ser feliz
E voar

Mudar o rumo
O eixo determinado
A dose certa de uma maçã
O obstáculo de um pégaso

Em velocidade e luz
Quebrando a lei física
De uma cadeia invisível
Entre o Céu e a Terra

A delícia de ser o que quer
E apodrecer em paz


EM BUSCA DO ORIENTE

Corre o vento
No horizonte pacífico

Chama para o encontro
No misto azul

Deriva em ondas
Que confeitam o sul
E findam com dor

KAIRÓS

Rio de meandros
Rio do equilíbrio
Da sabedoria
Daquilo que envolve o cosmo
Que respeita a dança
Que envolve e resolve o corpo
Biológico
Mental
O masculino e o feminino
A essência individual

Rio de meandros
Processo que deságua
A consciência de ser de cada extremidade

A base pedra
Formando o lodo
Para atingir um terreno palpável
Biodiverso

Rio do processo que deságua na produção da alma
E em si

MEDITANDO COM OS ANJOS

Vamos pular por cima das frases
Dos versos livres empolgados
Sobre o mar envolto de espumas
E descansar, desfazendo as fases

Um arranha-céu escondido
Das luzes rodoviárias
Os viveiros concretos
Recheados de sensações confusas

Prédios desabados
No cárcere dos corações

Em relevo gasto
Um gesto obsceno
Estimula as lágrimas
De quem sente o abalo

No vai-e-vem da buzina
O automático despertador
Cortando o dia no enlatado
Cerrado e mal aberto
Confundindo o sono com a sina

Imagine se o salto
Soltasse o fogo
À queima-roupa
Todas as máscaras
E armaduras indiferentes

E se não passasse mais despercebido
O brilho dos esconderijos próprios
Um poema soando ao léu
Uma gota d’água subindo com o vento
O arco-íris abrindo o céu

Se não fossem os foras
Seria a hora
Um pé na bunda
Do dito popular

Se não bastasse a madrugada exagerada
O batuque desesperado dos corações
Os dias frios e mesquinhos
Recheando os lírios do campo
Os carrosséis de girassóis ao pôr-do-sol

As opções desencadeadas
Dirigindo a vida para lá e para cá
O balanço da madeira
Temperando o retorno
Com uma corda esgarçada


LA FONTAINE À DORÉ

Olhar do lobo
Propaga a cena
Gerada na curva
Redemoinho

Cobrindo com frevo
Pequeno ninho
Poluindo pintura
Breu do asfalto

Chamuscado de ira
Temor da demora
Olor de amora
No caminho de outrora

Que incita leveza
Clarão do momento
Apagado pelo descontento
Fala tardia

Interrompida por nó de pinho

Madeira de lei
Que serve de berço
Lobo rei

MUTE

Enquanto o sono principia
Os sonhos sambam no acalanto
Vigoram as delícias
E acalmam o espírito
Balbucia a noite
No relento escuro
O sol se esconde
Enquanto o sono principia

Por detrás de uma cortina
Voando ao léu
Entre uma revoada de pássaros
Os sonhos sambam no acalanto

E mais que discreto
No escuro perpétuo
Rodam os anjos
E vigoram as delícias

A maravilhosa conquista
Do eterno prazer
Que vai de leve
Passeando nas nuvens
Que margeiam os limites
E acalmam o espírito

VIDE O VERSO

Não se assuste com a fotografia
Revela o mais
Que não avança para fora

E só

O belo do externo
Revestido de sentimento momentâneo

Até persistente
Periódico no mínimo
Sanado com parcelas temporárias de humor
Permanentes nas polaridades

O custo: é a produtividade
Em função da variabilidade
Constituindo a curva biológica
Não diferente da vegetativa

Por isso
Não pense um pouco
Antes de não fazer nada

O contrário revela a semelhança
Do antagônico estado em que estamos

Na correria de ano p’ra ano
Para um fértil final húmico.

CALDO INTEGRAL

Se faz questão de minha submissão
Assuma tua condição
Mas me deixe leve
No deleite de seu supra-sumo
Sugar o ventre de tua boca

Não me incomodo
Basta o incômodo
Para estar alheia
Garantia de venda
E falsa estima

Da regressão pouca
Imposta ao meu fraco sentido
Linearizada com a tua condição

Agora feche a porta
E descanse ao som de teu ego


JOEMA CARVALHO – Poemas selecionados da obra Luas & Hormônios (SEC-PR, 2010), da poeta, engenheira florestal, pesquisadora e consultora ambiental Joema Carvalho. A autora possui doutoramento em conservação da natureza, graduada em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde também obteve o título de mestre. Tem poemas publicados na antologia Nogueira – Conexão IV – Feira do Poeta (Nogue, 2018), na Agenda Arte 2000, 2012, 2013 e no Jornal Folha de São Paulo 1983 e 1985. Participou de diversos eventos culturais e artísticos, entre eles Um Poema em Cada Árvore no Passeio Público em 2017, Chuva Poética em 2017 e 2018 (Aliança Francesa, Gelateria, A Fábrika e Shopping Jardim das Américas), Semana Internacional da Mulher, 2011 em Cambé - PR, Feira de Livro, 2010 em Araucária – PR e concedeu entrevista para o Jornal Retrato nº 79 Ano 7 e no Face a Face. Veja mais aqui