MIOPIA
a vida não me
quis sóbria
e deu, por
conta própria, esse embaço no horizonte
tenho trinta
tenho tédio
e a vida,
gaiata, quis me divertir
derrama
falsa prata
nas luzes
nas letras, no
destino dos ônibus
acordei e vi os
carros no sinal
com tutus de
bailarina
parece abafado,
parece neblina
tudo que vejo
agora percebo
aquilo que
narro está infectado
não posso dizer
sobriamente
está comigo
tudo que flagro
brilho ou embaço
a vida
quer ser vista
de perto
o que está
longe não se mostra
no horizonte,
tudo brinca
(de uma forma
ou de outra).
CÂMERA ESCONDIDA
falo amanhã eu
te ligo
a parede do
boteco diz
fiado
entro no carro
risos
como se não
houvesse amanhã.
LIÇÃO DE AMBIGUIDADE
me achava única
até que
mergulhou em
meus cabelos
viu um mar de
pontas duplas
descobriu
inauguro
rodovias
me abro em duas
vias
me descarto por
aí
que faço
bem e mal
me quer
nos cachos
assim me roubo,
assim me espraio
que estou na
cama
também em fuga
no ralo.
RITMO DE FESTA
como ondas que
ainda
balançam o
corpo
em casa depois
da praia
sinto as suas
mãos
agora
você é o hit do
verão
pulo quando me
liga
dança a voz
pelo áudio
replay
sua voz no
bluetooth
onipresente
como um amigo imaginário
todos os dias
são sábado
férias,
excursão ao teatro
bagunça no
banco de trás
quartos brancos
são
parques de
diversão
uma piscina
esfria o trânsito
no coração da
cidade.
TU
pra falar de
você não preciso muito
digo tu, digo
tanto
nem digo
ergo a cabeça
em teu sentido
algo estala, tu
preso
presa, em minha
mordida cruzada
tu
na ponta da
língua
qual memória do
piercing
que não botei
ainda
quando falo de
você, digo nada
digo tu
e aproveito
cada letra dada
salto da
primeira
escorrego para
dentro
de tu
neste seio
cavo, deito
nave que piloto
na direção do teu peito.
RENATA SANTANA – Mulher, negra, nascida no Recife-PE e de origem
periférica, Renata Santana é escritora, jornalista, bibliotecária, pesquisadora
e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Escreve e recita desde criança - aos 12, ganhou a medalha de ouro no
Concurso de Poesia Infantil Orlando Parahym, em 2000. Aos 13, estreou no teatro
recitando Luís Camões, Carlos Drummond e Fernando Pessoa. Depois de uma década
entrevistando e recitando em eventos literários no Estado, publicou seu
primeiro livro em 2019, o elogiado livro de contos “Na terceira margem do
agora” (Ed. Castanha Mecânica). Publicou textos em antologias como “O poema se
chama política” (2021), “Abrigo” (2020) e “Quem dera o sangue fosse só o da
menstruação” (2019). Ainda em 2021, se tornou a primeira mulher negra recifense
a ganhar o 7º Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura (antigo Prêmio
Pernambuco de Literatura), na categoria poesia. A obra premiada, “A Mulher do
Tempo”, será publicada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) ainda neste
primeiro semestre de 2022. O seu novo trabalho literário. “O amor na 5ª série aos 30”, seu segundo livro, chegou ao público
neste fevereiro de 2022, pelas Edições Macondo. A obra compila poemas que
narram experiências da vida adulta amplificadas pelo frisson emocional da
adolescência, fazendo refletir sobre a jovialidade que mobiliza afetos e
paixões mesmo noutras idades. Em versos curtos e poéticos, a obra apresenta
pequenas histórias amorosas na vida adulta, mas com o olhar da novidade próprio
da juventude. Paixões, vida urbana, tecnologia, solidão, álcool, sexo e outras
vivências no contexto da adultidade - especificamente na fase dos 30 anos - se
apresentam deslocadas do local de maturidade e embebidas no pensar e no sentir
efusivo da adolescência - a “quinta série das coisas”, como define a autora. "São poemas que falam sobre como a gente
também tem 18 anos aos 40, ou mesmo 12 aos 30. Somos adultos, mas quando somos
atravessados por fortes emoções, entramos distraídos no parquinho de Eros, que
não à toa é uma criança de asas", conceitua Renata, que tem 35 anos.
Em 35 poemas, a obra traz um eu-lírico que vive situações e relações com
intensidade, como se fosse a primeira vez, ora com uma visão ácida, debochada e
pessimista sobre a vida; ora com bom-humor, aventurança e leveza. Com poucas
palavras e forte subjetividade, a escrita de Renata Santana conduz o leitor por
narrativas que fazem repensar a consciência adulta e o status de certeza e
solidez que a maturidade impõe. “O amor na 5ª série aos 30” traz poemas
necessários para se reconhecer a atemporalidade dos sentimentos e perceber como
afetos transpassam vivências de maneira intempestiva e visceral em todas as
idades. “Os poemas nos lembram que
podemos ser nós mesmas em todas as fases da vida. A gente se apaixona, e isso
não tem idade”, endossa a escritora. SERVIÇO: Livro “O amor na 5ª
série aos 30”, de Renata Santana Edições Macondo - Selo Cachalote 64 Páginas R$
36. Release do jornalista e ator Milton
Raulino. O livro pode ser adquirido online, informações aqui e mais aqui.