sábado, novembro 20, 2021

DIGITAIS ABSOLUTAS-POEMAS ESCOLHIDOS DE TONY ANTUNES

 

 

LER O MUNDO

 

Nas páginas da vida

Lascivamente, lemos

Dias, noites e relâmpagos.

Vislumbramos abismos

De luz e absintos cintilantes.

Mágicos suores em sangue

Seguem em passos ermos

Cambaleantes e decadentes.

O mundo jaz em mortíferas

Línguas de mortalhas negras.

E nessa leitura

Passa o vento

Passa o tempo

Passam as horas

Passam os passos

Por onde passa tudo

Porque tudo

Tudo já passou.

 

LADAINHA DE MÃE

 

Lá da “inha” da minha mãe

Lembro-me dos seus anelos

E das benzeduras.

Do maternal amor divino,

Do céu iluminado em brechaduras

Da cama encapinzada

Com lindos percevejos verdes.

A paz e a luz no lar se acendiam

Na fome, no mingau de farinha

Na farinha com sal, na água

E no: - Bença mainha!

 

A POESIA ABSOLUTA

 

No cálice sagrado do Graal

Bebo o néctar absoluto dos

Seios gregos da “poesialosofia”.

Entorpeço-me em líricos delírios

Viajo nas estrelas escaldantes.

Banho-me nos braços de

Afrodite e digo a mim mesmo?

-O Cosmo é “Poesia Absoluta”.

 

ACORDAR OU DAR A COR?

 

Dar a cor ou acordar

É uma questão

De ponto

E de vista.

Quando a vista não

Vê o ponto

O ponto não vê a vista

Que se apresenta

No ilusório horizonte.

 

OS TÚNEIS NOSOS DE CADA DIA

 

Nos túneis da vida passamos

Com a garganta apertada

Engolimos lamas.

Num entra e sai eternizados

Lamuriamos nossas perdas

Esquecemos nossos aprendizados

Damos etéreos aleluias

Alienadamente gritamos amém

Contrária, a razão diz: amem.

 

O BEIJO DO FRACASSO

 

O fracasso é o avesso às avessas.

Quando o caldo entorna, grosa.

Às moscas, nossas aleluias.

Às dores, um beijo em cada pétala.

 

COPO D’ÁGUA

 

Neste copo d’água

Bebo angustias

Dos bêbados

Das prostitutas.

Lambo as feridas

Dos leprosos cães.

Canto uma ode

Às surpresas

Da vida.

Dou aleluias e améns

Aos santos de barro.

Em sonhos borrados

Caio na cama

Quebradamente

Flutuando-me.

 

VERBO MORTO

 

No futuro do subjuntivo

Quando eu (des)carregar

Minha alma

Molhada de manhas

Manias e manhãs

Estarei avidamente vivo

Morrendo a cada dia

Na gravidade avermelhada

De sonhos

Em pesadelos

Alegres

Somente

Sem eu

Sem mim

E sem ti.

 


DIGITAIS ABSOLUTAS – O livro Digitais absolutas – poemas escolhidos (Criaart, 2020), do poeta, professor e radialista Tony Antunes, reúne poemas do autor, contando com o prefácio A inquieta poesia de Tony Antunes, escrita pelo também poeta e professor Admmauro Gommes. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.