quarta-feira, outubro 26, 2016

POEMAS & ENTREVISTA DE VALQUÍRIA LINS


VALQUÍRIA LINS – A poeta paraibana Valquiria Lins é licenciada em Letras pela UFPB e autora dos livros Outono (1997), Húmus (1998) e Velas de Abril (2006). Ela foi destacada entre os Poetas da Paraíba no meu blog Varejo Sortido. Agora, nessa primeira parte conheça mais da poesia da autora.

A POESIA DE VALQUÍRIA LINS

NÃO ME CASTREM O POEMA

Não me castrem o poema
Assexuado, herrmafrodita
Sem nexo, desconvexo
No novelo, numa linha.
Não me castrem o poema
Iconoclastas da poesia
O sangue das estrofes
É vermelho a cada dia.
Não me castrem o poema
Atonal, disritmado
O ritmo dá na água, dá na pedra
Dá no aço.
Não me castrem o poema
Simbolista, dadaísta
Se os cacos dos meus versos
Juntam imagens modernistas.
Não me castrem o poema
Versos coxos ou sem pernas
O rio quebrou seus braços
Fez cascatas e fez quedas.
Não me castrem o poema
Acadêmicos da poesia
O verso quer ser livre
Pra dizer o que eu queria.
Não me castrem o poema
Não o deixem adormecido
Os sonhos também fogem
Pela janela oprimidos.
Não me castrem o poema
Tão insípido ou inodoro
A flor brotou na pedra
Perfumou todo este solo.

PERDIDAS EMBARCAÇÕES

Antes do mar havia um rio
Antes do rio, um riacho
No meu quintal tinha um poço
Junto do poço, o esgoto.
Embarcações se perderam
Nas chuvas que apanhei
Bueiros, canos lodosos
Nos mares que naveguei.
A chuva remou tudo em mim
Tantos papéis amassados
O que restou dos meus barcos.

E nos borrões esquecidos
Busquei o poema não lido
Que escapou do naufrágio.

RODAGEM DA INFÂNCIA

Falar de minha infância
É ver saudades arrastadas
Numa rodagem de pedras

É abrir a cancela
E deixar o burrinho passar
Comigo no caçuá.

O QUARTO

O abajur no quarto
Era bola de cristal
Lua cheia e futuro

A escrivaninha no quarto
Era um imenso tribunal
Os jurados eram anjos
Togados do bem e do mal

A cama deitada no quarto
Suntuoso purgatório
O juiz, o crucifixo
Pendurado no oratório.

EFEMERIDADE DA ROSA

Pesam silêncios
Sobre o meu jardim
Colho a rosa
Que amadureceu
Beijo a corola
E o androceu
Mas o efêmero
É mais veloz
Que eu

Pesam silêncios
Sobre o meu jardim
Despe-se a flor
Sobre o corpo meu
E entre os silêncios
Que jamais acordam
Nasce a rosa
Que era apenas eu.


FALA DE ALGUMA MARIA

Não sei das Dores
Dos Prazeres
Nem sei Maria de mim
Sei deles
Apenas a sede

De todas e tantas Marias
Fui Caminho para as Índias
Na grama de tantos Vascos

Bola jogada e perdida
Na vitória de uma ilha
No fincar de alguma cruz

Fui descoberta e achada
Fui história mal contada
Floresta encantada
Que no escuro era luz

E quando os Cabrais aportavam
Com a farda dos seus poderes
No cais, Maria das Dores
No mais, Maria dos Prazeres.

RETRATOS

Todos os longes estão perto de mim
E as minhas tardes hoje são bastante tardes
Quando elas chegam trazem o álbum da saudade
Que eu folheio do princípio até o fim

Assim vagueio pousando nos outroras
Folheando páginas nas miragens que eu via
E de repente uma tal fotografia
E eu mergulhando em um lago de saudades

Todos os nuncas que estão no meu agora
Distanciam-me do infinito de você
Hoje o que é perto é um álbum de retratos
A solidão que dorme cedo em meu quarto
E a ânsia doida, a febre louca de te ver.

A BALAUSTRADA DE JAGUARIBE

A boca da Balaustrada
Engoliu-me sonhos
E papéis amassados
De tantos Sonhos de Valsa

Os olhos da Balaustrada
Enrugou castelos imperiais
Edificações coloniais
E rugas de pálpebras

O coração da Balaustrada
Guardou beijos de namorados
E quermesses do Rosário
Guardou cadeiras na calçada
E um chão que ainda vive
Em cada filho de Jaguaribe.

MANJEDOURA
(Para Lúcio, in memorian)

Trouxeram-me
Velas
Flores
Incensos...
E a manjedoura
Onde morri
Ali morri
Todos os dias
Que vivi

Levaram
Choros
Imagens
Orações...
E um retrato
Do poeta
Nas mãos.


ACAIS & ENTREVISTA – A autora agora faz sua incursa na ficção, lançando o livro Acais. Por conta disso, ela concedeu uma entrevista exclusiva pra gente, contando sobre a sua trajetória, o lançamento de seu mais recente livro e de duas perspectivas e projetos artísticos.


LAM - Primeiro, vamos pra pergunta de praxe: como foi e quando se deu a sua descoberta pela arte?
Considerando como sendo subjetivo o tempo da Arte, acredito que desde criança, quando dos primeiros versos que tentava rimar ou dar um certo ritmo, deu-se esta minha busca. Lembro que gostava de escrever para jornaizinhos de classe e de fazer versos humorísticos para colegas. Gostava também de fazer versos para o meu pai que gostava de pescar: Era um pobre pescador que de rico tinha o mar e seis filhos para amar/ Uma humilde cabana, ali era o seu lar/ Ali ele vivia, ele, os seus e o mar. As metáforas eram pobres ou até mesmo não existiam. E quando adulta, até mesmo quando meu pai já partira para outra esfera, continuei a fazer versos para ele: ... e as plantas exóticas que viram tanto o meu pai pescar/ hoje cactos secos e o meu pai pescando flores lá “de Lá”. Visto que, a única exigência da nossa Língua seja a comunicação, a Arte talvez se manifeste em níveis diferentes de literatura.

LAM - Quais as influências da infância e adolescência que definiram sua escolha pela arte?
Todo o cenário rural que conheci na infância, povoou o meu interior, e ressurge a cada dia nos meus escritos, seja na poesia, seja na prosa, com todos os rios e matas, com todos os frutos e flores, com todos os entes misteriosose todos os cheiros e sabores. Sou a terceira dos filhos de José Correia Lins e Beatriz Ferreira Lins. Na hierarquia longeva: Marcus Vinicius, Lúcio Lins(in memorian), Valquíria Lins, Valéria, Ângela e Vânia.

LAM - Você possui formação em Letras, conta pra gente como se deu essa escolha profissional?
Quanto a minha vida acadêmico-profissional, confesso da minha inquietude, tanto é que o único curso que consegui terminar, foi o de Letras, na Universidade Federal da Paraíba, em 2002, um pouco tarde. Muito cedo ingressei na Universidade, no curso de Farmácia e Bioquímica, mas larguei tudo pela metade, quando fui aprovada no Concurso do Banco do Brasil. Também abandonei o emprego no primeiro PDV.Resolvi fazer um novo Vestibular, para Filosofia, curso que só assisti às primeiras aulas, haja vista problemas de visão. O curso era em período noturno e eu tinha dificuldade para enxergar. Participei de alguns concursos literários na minha cidade e talvez tenha me empolgado por ter ganho alguns prêmios e menções honrosas. Comecei a escrever o meu primeiro livro (de poesias) e iniciei o Curso de Letras na UFPB.

LAM -  Você começa com poesias, publicando o seu livro Outono, em 1997. Como foi essa experiência?
O meu primeiro livro, “Outono”, 1997, editado pela Ideia, posso dizer-lhes que fiquei realizada com o seu feitio. Creio que no seu todo, haja bons poemas, e não tão bons poemas, e mesmo maus poemas. Poemas que talvez necessitassem ser lapidados. Mas foi o recado do momento. “Se todos os seus versos são geniais, eis um verdadeiro gênio”. Ganhei vários prêmios e troféus com muitos poemas desse livro.

LAM - Em 1998 você publica Húmus, também de poesia. Conta pra gente como se desenvolveu esse projeto.
Quanto a ter publicado Húmus, em 1998, pela Sal da Terra, talvez tenha sido uma precipitação e empolgação em fazer um novo livro. Hoje, filtraria palavras e acolheria melhor as metáforas.


LAM - Em 2006 você retorna à poesia com Velas de abril. Fala da receptividade do público com essa publicação.
Velas de Abril, pela editora da UFPB, foi uma homenagem póstuma ao meu irmão Lúcio Lins. Sua receptividade com o público, meus amigos, acredito que tenha sido positiva. Quanto à crítica, não tenho tanta certeza

LAM - Você recebeu vários prêmios com suas poesias. Fala pra gente a respeito desses prêmios e de como eles contribuíram para sua formação e projeção poética.
Quanto aos prêmios literários, o que há muito não participo, lembro dos últimos: não cheguei a viajar para buscar tais prêmios, havia problemas de saúde na família: vencedora do IV Prêmio Literário Canon de Poesia – Grupo Editorial Scortecci- SP, com o poema “Não me castrem o poema”; com o mesmo poema,1ª colocação no Prêmio Tataguassu de Poesia, em 2010 e obteve Menção Honrosa no VI Concurso Newton Braga de Poemas, pela Academia Cachoeirense de Letras – ES. Ainda em 2010, com um livro de 50 poemas, “Nas Quebradas de um Rio”,conquistei o terceiro lugar no 1º Prêmio Literário Narciso de Andrade, promovido pelo Cabeça Ativa-Produções Culturais, Santos(SP). Não participei mais de concursos literários.

LAM - Você acaba de lançar livro Acais, a sua incursão na prosa com essa romance. Fala pra gente dessa nova experiência.
Tentarei responder às três últimas perguntas com o que acho que falei quando do lançamento de Acais.


LAM - O livro Acais é muito bem escrito, tem uma história muito interessante e é muito bem acabado. Fala pra gente como foi o processo de criação da obra.
1º motivo: Por ter sido o lugar onde nasci e ter passado grande parte da minha infância, e por ver na figura do meu avô, que no texto pintei de herói e anti-herói, de príncipe e de plebeu, de Hércules e de Quasímodo, assumindo-lhe uma imagem cheia de humor e traquejos, uma imagem muitas vezes quixotesca ou caricata... Por ter sido o lugar em que vivi a minha infância, seria mais fácil criar uma nova história para o meu avô. Conhecia bem a região. Sabia das cachoeiras, dos riachos e dos rios dos meus primeiros mergulhos,... Sabia das plantações e roçados do meu avô. Sabia do curral e das porteiras, das lavadeiras na beira do rio quarando as roupas na pedra... Sabia das flores e dos frutos, dos araçazeiros e dos ingazeiros com os ingás compridos e cabeludos como veludo; sabia das noites escuras e das almas penadas; sabia das assombrações que vinham de “Acais de Baixo”, da sua “jurema Encantada”, para nós um tabu, que nosso avô não permitia que lhe transpuséssemos a cancela. Sabia das rodas de coco e ciranda, das lapinhas de “Acais de Baixo”; sabia dos animais e das cobras enrodilhadas, da igrejinha e do congado.Sabia dos meninos nus de barrigas amarelas, sabia dos ciganos, da casa de farinha e da farinhada, e das mulheres descascando a mandioca com suas saias arregaçadas às ancas...Sabia dos filhos do meu avô, os que eram meus tios e também os que não eram meus tios... Sabia do traquejo do meu avô com as mulheres... E com o tempo, fui sabendo muito mais. Juntei tudo que sabia e tudo que não sabia; fiz uma das minhas personagens, a de Cabelos de Fogo, para ajudar-me na narrativa.
2º motivo:Amadureci a ideia do meu irmão Marcus, (o primogênito), de escrever sobre Acais, sobre o nosso avô, sobre a nossa infância.
3º motivo: O incentivo que tive do professor Alessio Toni, de querm tive a honra de ser aluna de Língua Portuguesa, no Colégio das Lourdinas, e do professor Chico Viana, de quem também fui aluna, no Curso de Letras da UFPB.
AINDA SOBRE ACAIS: O livro Acais, de Valquíria Lins, conhecida por Kira, foi confeccionado pela Editora Ideia, em João Pessoa, tiragem de 500 exemplares, 250 páginas e 50 capítulos. Editoração Eletrônica de Magno Nicolau e ilustração da capa, “Retrato de Família”, obra de arte do meu irmão, Marcus Vinicius, que assina como Ferreira Lins. O livro foi prefaciado por Chico Viana, que assim inicia o seu texto: “Acais é o que poderia se chamar um romance de memórias... ” Conta com um texto de apresentação de Alessio Toni, que nestes termos finaliza: “Um relato documental que, se cair nas mãos milagrosas dos irmãos Carvalho, Vladimir/Walter, preencherá nossos olhos de cinematografia”.
O poeta Marco Di Aurélio e o professor Nivaldo Rodrigues deixam seus registros na contracapa. E o jornalista Osvaldo da Cruz, acredito que pôs brincos nas orelhas do livro com o seu belo texto.
Acais, enfim, cujo legado mítico foi tombado recentemente pelo IPHAEP, trata-se de uma obra de ficção com pingos de realidade e o meu avô, Antonio Ferreira, principal protagonista da história, foi realmente proprietário das terras do “Acais de Cima”.

LAM - Fala pra gente quais projeto você tem por perspectiva de realizar?
Estou com um livro infanto-juvenil, todo em versos, cujo título é “O AGOURO DA CORUJA”, já conta com o prefácio da professora Neide Medeiros e está sendo ilustrado por Ricardo Peixoto... esperando para ser editado. Também estou organizando um livro de poesias. Tentarei selecionar entre os 100 poemas, na maioria, inéditos... e, dependendo da receptividade de Acais, iniciarei o ano com uma nova narrativa.

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