segunda-feira, julho 03, 2017

TCHELLO D’BARROS OUTRA ENTREVISTA


TCHELLO D’BARROS – Em entrevista concedida à jornalista e editora Lucília Dowslley e exclusiva pro Tataritaritatá, o escritor e artista visual Tchello d’Barros fala da sua trajetória, do Rio de Janeiro, da criatividade artística no trânsito entre a escrita e o visual, influências, viagens & muito mais. Confira.
  
LD - Qual a sua escola e de onde vem a sua veia artística altamente criativa?

Desde que as chamadas escolas, principalmente as vanguardas europeias, entraram em declínio ainda no século passado, que muitos artistas buscaram uma via mais independente, sem aderir a esta ou aquela escola, sem o rótulo de algum “ismo”, sem um carimbo de filiação estética a qualquer movimento que seja. Há quem atribua isso a postura transgressora dos Dadaístas, não falta quem aponte que tudo começou a mudar com o urinol do Duchamp e ainda há quem considere que o que se tem chamado de arte contemporânea, caminha um pouco por esse trilho, onde cada um pode conceituar seu próprio universo teórico, estético e poético. Então, não sei se há mesmo uma veia muito criativa no que venho produzindo, o que desconfio é que em meu trabalho talvez haja uma busca por desenvolver uma marca pessoal, uma identidade, nas linguagens às quais tenho me dedicado. Desde criança que leio muito, estudo quanto posso, experimento alternativas, é possível que isso ajude um pouco, no entanto, me parece que o que conjunto de trabalhos produzidos resulta de uma necessidade interna de interferir na realidade, de lutar  no mundo que me cerca com as armas que tenho, que são as criações no campo da arte.

Imagem: Tchello d’Barros na performance “Vertigo Confessional”, no CCJF, no Rio de Janeiro. (clic by Carlos Cesari)

LD: Como artista multimídia, trabalhando com poesia e com artes visuais, teve alguma influência?

O quesito das influências eu prefiro sempre ver como confluências, já que somos personagens de uma estória que vai sendo escrita coletivamente e que ajudamos também a escrever, ainda que muitas vezes involuntariamente. Mas em vez decepcionar os leitores citando nomes de artistas, prefiro citar um período histórico, o Renascimento, pois acredito que isto seja o que mais possa se aproximar de uma influência, no meu caso. Busco aqueles valores na arte, sem esquecer de viver meu tempo como ele é. Gosto de pensar que sou um homem do Renascimento agindo em minha contemporaneidade para impactar o futuro, ainda que se corra o risco de isto soar pretensioso. Naquele período não era raro que artistas se aprofundassem em mais de uma linguagem artística e ainda se dedicassem a outros interesses científicos e metafísicos. Mas o sistema capitalista e a sociedade consumista em que estamos atolados exigem que sejamos rotulados, categorizados e medidos, para que possamos ser valorados e até controlados. E surgem essas identificações como ‘multilinguagens’, ‘transmídia’, ‘híbrido’ e por aí vai. A outra possível contribuição em meu processo criativo, creio que seja o estudo dos clássicos, de uma maneira geral. Conhecer a história da arte faz qualquer pessoa ser um artista visual mais preparado. Dominar as chamadas formas-fixas em poesia deixa a pessoa mais aparelhada na hora de criar um poema.

Imagem: Ideograma “Mais Luz” integrante do livro “Olho Nu”

LD: Teria como colocar na balança a importância ou preferência entre a arte de escrever e as artes visuais?

Parece muito mais gratificante que uma questão como essa seja refletida pelas pessoas que tem contato com minhas criações, sejam textuais ou visuais. Isso porque algo que é significativo para quem cria, muitas vezes é percebido de outra forma pelo público que se identifica com a obra. Desde criança gostava de brincar com a sonoridade das palavras, antes de aprender a ler gostava de repetir o trava-línguas “sabia que o sabiá sabia assobiar (assoviar)?”, ou seja, a palavra como brinquedo, lúdica e pueril. Ao mesmo tempo, fazia muitos desenhos com caneta pelo assoalho da casa, então nem sei o que veio primeiro como possibilidade estética, a palavra ou a imagem. Assim, por mais que aparentemente a produção seja multifacetada em várias modalidades, seja na Literatura (poesia, conto, crônica e ensaio), seja nas Artes Visuais (desenho, gravura, pintura, fotografia, instalação, performance, intervenção) ou mesmo no Audiovisual, o que faço de fato se resume a duas coisas muito básicas: produzo textos e imagens, simples assim. E, para mim, no fundo mesmo, tudo é uma coisa só.


Imagem: Infogravura “Arquitetura Fractal VII” na exposição em 3D do site Immagin/Area, na Itália.

LD: Como você descreve o cenário poético atual no Rio de Janeiro? Ampliando a sua visão, como descreveria este cenário a nível nacional?

O Rio de Janeiro não é mais aquele. Não temos mais os grandes poetas cuja obra confere identidade ao nosso povo brasileiro. Outro dia mesmo, encontrei o Gullar num evento de esculturas na Praça Paris e hoje sequer ele está entre nós. Mas a melhor coisa que percebi na poesia carioca e fluminense foi a proliferação dos saraus, esse retorno atávico da tribo (literária) em reunir-se em torno do poema falado, recitado, performado. Fora isso, o excesso de publicações de qualidade duvidosa denota um declínio na antiga e nobre arte do verso. E isso ocorre de norte a sul no país, pois vejo isso também nas feiras do livro em que participo e nos projetos envolvendo bibliotecas. Nunca foi tão fácil publicar e como a crítica nos jornais acabou e se tornou rarefeita na internet, cada um publica o que quiser e a plebe ignara rende aos poetastros de ocasião o aplauso que seria reservado aos verdadeiros poetas. Para muitos, o recurso de publicar o que acham que é um poema tem sido só um meio de receber atenção, estratégia para suprir carências, os pseudo-poemas não passam de um exercício da egolatria tão característica de nossa pós-modernidade hedonista. O que chamam de poema substitui o psicanalista, o padre e o ombro amigo, o confidente, numa tentativa (vã) de amealharem admiradores. Grande parte dessa verborragia confessional não é outra coisa que a insofismável confissão da avassaladora solidão em que se encontram tais escrevinhadores. É claro que nem todo mundo precisa saber a diferença entre poema e poesia, ou saber o que é uma redondilha, um alexandrino ou um verso esdrúxulo. Para muitos o poema não passa de discurso político, de veiculação de idiossincrasias ou de filosofices de butiquim. Ainda bem que somos salvos pelas honrosas exceções. Não é proibido ficarem publicando por aí uma literatura rasa, com a pressa típica de nossos dias, mas cadê surgir um novo Cruz e Souza, um novo Patativa do Assaré, um Manoel de Barros? Onde outro Paulo Leminski, Mário Quintana ou Haroldo de Campos? Aviso de amigo: cuidado, muito cuidado com essas pessoas que se autointitulam poetas...

Imagem: Livros solos publicados, além de textos em mais de 50 coletâneas, antologias e livros didáticos.

LD: Poderia contar sobre algum projeto de Poesia Visual que esteja desenvolvendo para um futuro próximo?

A Poesia Visual, essa modalidade híbrida entre a Literatura e as Artes Visuais e que fica abrigada sob o guarda-chuva da Poesia Experimental, ocupa um espaço bastante especial entre minhas atividades. Já são mais de 100 poemas visuais produzidos em duas décadas. Essa série de imagens resulta hoje num sistema intermídias, multifacetado em exposição, livro, blog, redes sociais, projeção em eventos, palestra, mesa-redonda, oficina, curadoria e produção teórica. No momento algumas dessas imagens estão na representação brasileira na 3ª Bienal Internacional de Poesia Visual, na França, além de integrar o anuário “Maintenant”, nos EUA. Assim, além de organizar a itinerância de “Convergências” para ser apresentada em mais dois Estados que já manifestaram interesse, está previsto o lançamento de um livro que organizei a partir da mostra internacional “Imagética”, cuja curadoria apresentei no CCBB do Rio. Algumas criações estou adaptando para serem veiculadas em mostras de Arte Postal em três continentes e ainda para este ano pretendo apresentar aqui no Brasil mesmo uma exposição internacional em uma vertente bastante específica que é a Asemic Writing.

Imagem: Poema visual “Labirintítese” na 3ª Bienal Internacional de Poesia Visual, na França.

LD: Você que gosta de viajar e na maioria das vezes, envolve projetos artísticos. O que leva e traz na bagagem, levando em consideração, que a bagagem não é só a física?

Viajar é preciso. Voltar é impreciso. Há algum mistério que ainda não entendi muito bem, que faz com que eu não consiga ficar parado muito tempo no mesmo lugar. Sou mais asas do que raízes. Há pessoas que sentem esse comichão na sola do pé, um leve rumor que faz com que estejamos sempre olhando mapas para escolher a próxima aventura. Sou desses. O fato de ter morado em quinze cidades no Brasil, ter realizado atividades artísticas em todos os Estados e ter deambulado por vinte países, renova o peregrino que há em mim, sempre em busca de outras fronteiras, para desatar novas linhas do horizonte. Num momento estou nos Gêisers de El Tatio no deserto de Atacama, noutra sou um flâneur pelos nos meandros do Red Light District, em Amsterdã, ou ainda, um caminhante en passant sobre a Linha do Equador em Macapá, por exemplo. É Sêneca, quem me ajuda a compreender melhor isso tudo, quando cunhou o axioma “Não nasci para estar fixo em apenas um lugar, minha pátria é o mundo inteiro”. Na bagagem levo meus livros, que vou distribuindo pelas bibliotecas das cidades que visito. O que trago na volta é pouco, apenas um semblante transfigurado de alumbramentos.

Imagem: Painel com 100 fotografias de nomes de jangadas do Nordeste.

LD: Como o Tchello d’Barros se define no papel de artista? Seria possível fazer um parâmetro com o Tchello d’Barros “off work”, ou seja, com o Tchello na vida pessoal?

A vida pessoal deste indivíduo é tão discreta e básica que simplesmente passo despercebido por aí. Agora, definir-se talvez seja um exercício de vaidade, é possível que seja uma indução à percepção alheia e ainda um equívoco, pois definições podem ser limitações. Prefiro olhar um espelho transparente, onde vejo o outro, os outros. O Paraíso são os outros. Talvez seja mais veraz a visão que os outros têm de nós, num exercício de alteridade. Tomo como exemplo, as mais de quarenta entrevistas que já concedi ou os mais de cinquenta textos publicados sobre minhas peripécias artísticas, de onde – apenas pra não fugir da pergunta – podemos pinçar alguns excertos desse acervo crítico: o poeta Sady Bianchin escreveu certa vez que “Tchello d’Barros é um visionário visualista (...) segue voraz produzindo sentidos no processo humano, como um Prometeus que vai roubar a luz vestida de branco dos deuses da poesia”. Mas o artista Fernando Aguiar, escreveu de Portugal, mencionando que “A poética de Tchello d’Barros (...) enlaça sem preconceitos o campo das artes plásticas, apropriando-se das representações da contemporaneidade”. E o mineiro maneiro Ronaldo Werneck dispara essa controvérsia: Tchello d’Barros é um mundo, um mundo (em si) mesmo – um mundo de muito trabalho, engenho e invenção. Um mundo efêmero, é certo, mas que traz em si qualquer coisa de perene, quem sabe de eternidade. Não que o interlocutor dessa entrevista considere que mereça tais elogios generosos, no entanto não deixam de formar um mosaico de percepções, que estimulam a seguir em frente, sem perder a simplicidade e dedicando-se para que vida e obra sejam a mesma coisa.

Imagem: Cartaz do filme experimental “Devorável”, escrito e dirigido por Tchello d’Barros

Tchello d'Barros é escritor e artista visual. Desde 1.993 que suas criações em desenho, gravura, pintura e arte digital tem participado de mais de 130 exposições, individuais e coletivas. Na Literatura, são 6 livros publicados e uma série de contos, crônicas, ensaios e poemas que tem sido publicados em mais de 50 coletâneas, antologias e livros didáticos. Parte  dessa produção vem sendo aos poucos adaptada ao meio Audiovisual. Seus temas principais são as relações humanas, vida em sociedade, fé, sexo, política e cotidiano. No paralelo, realiza também curadorias, editoriais  e atividades acadêmicas diversas. Cosmopolita, vive circulando pelo Brasil e pelo mundo, mas pode também ser encontrado em sua atual cidade-sede: Rio de Janeiro, Brasil. Veja a entrevista  que ele concedeu ao Guia de Poesia aqui e mais dele aqui