sábado, novembro 23, 2019

A POESIA DE RUBEM DE LIMA MACHADO



MEU ORGULHO

Alimentei em mim uma paixão: orgulho.
Vivi sonhando a zombar de tudo quanto
Era sublime. Jogando ao pedregulho
O Bem, e transformando o diabo em santo.

Quis demais. Vaguei... toquei o infinito.
Revolvi as trevas, transpus o pensamento
E junto ao Deus desabrochou meu peito num grito
De amor que hoje transborda sofrimento.

Que diabo! Inferno vivo a recompensa
Do mal que fiz a mim, a ti, a todo mundo.
Fui mau, sou mau, desafiei a Deus a crença.

Entre os imundos fui e sou o mais imundo.
O descarado vilão mais presunçoso.
O perigoso e puro suco da ofensa.

POEMA

Se um dia eu tivesse que morrer
Queria morrer assim
Afogado numa taça de bebida
Tão gelada que pelo sabor
Repetidamente experimentado
Tivesse sabor diferente
E parecesse quente tão quente
Quanto o beijo da mulher amada
Que jamais beijei...
E nunca experimentei
Um sabor igual.
Ah!...
Se todo o mal que dilacera o peito
Tivesse o perfeito e cabal sabor
Da Antarctica gelada
Ou a dose alcoolizada do rum
O sabor da aguardente
Que mata a gente
Sem querer matar
Para no esbaldar da vida
Da orgia, tranquilo partir um dia
Satisfeito por ter alcançado a graça
De morrer mergulhado numa taça
E perecer totalmente embriagado.

MÃE

Mãe, te deram um dia
Em recompensa dos dias que consumimos
De tua existência
E pela tua bondade
Aceitaste tão pouco
Um dia igual aos outros
Com um sol igual e até sem sol.
Com um céu que nos outros dias
Aparecia mais azul
E nem estrelas
Na noite do teu dia poderias vê-las.
Mãe, aceitaste um presente
Que simplesmente
É tão pequeno e logo se dissolve.
Um dia que morre que também se vai
Como outros dias.
Merecias, Mãe, por teu mister soberano
Mais que um dia
E eu te daria
Se poder tivesse
Uma melhor prece
E em poesia
Te daria, Mãe, UM ANO.

POEMA

Os dias passam alternadamente
Num vai e vem demente
De dias e noites...
Noites escuras, noites bonitas
Com infinitas estrelas
E a protegê-las nuvens claras
Belas e raras em seus coloridos
Tocando os sentidos do poeta vagabundo
Que em seu mundo
Esqueceu os dias.
Os dias de sol
Os que sol não tem
E no vai e vem
Dos pares de opostos
Os dias mortos retornam à vida
Já decidida:
Um claro, um escuro
Um frio, outro quente
Levando a gente
Pela nau da sorte
Apressadamente
Pra perto da morte.

A ESCOLA

Ontem
Na minha pequena infância
Sem fragrância
Eu já sentia
O problema da escola.
Que escola...
Que rudeza da professora loura
Que chegara no engenho
Pelo empenho do dono do sítio
Onde eu morava.
Como gritava...
E a travessura do colega
A brincar de pega com as alunas
Que descobriram
E sentiram o doce enleio do amor.
Vamos brincar, convidavam, no recreio
E sem receio meu colega
Como cabra cega
Aproveitava tudo.
Sempre mudo, nada falava
Mas desbravava sob delírios
Os íntimos retiros
Do corpo da colega que pegava.
Só esquentava
Quando sabedora
A professora loura
Ao dar-lhe o castigo
Levando-o consigo
Pra outra sala
E bem autoritária
Extraordinária criatura
Com secura
Em voz de mando militar
A gritar ordenava
E meu amigo apalpava
Os mesmos lugares que alcançava
No pega-pega das colegas
Que pegava como cabra-cega.
Hoje: espere amigo
Cantarei num poema divertido
Que escreverei sem maldade
O que vejo o que sinto
No recinto da faculdade.

FACULDADE

Na vida do estudante
Que luta para aprender
Há cada coisa aberrante
Que faz o pobre gemer.
Começa na correria
Do trabalho para escola
Leva aperto todo dia
Leva chute que nem bola.
Na hora da assinatura
O sofrer aumenta mais
Uns pela frente lhe esmurra
Outros lhe catucam atrás.
Paga caro o seu estudo
Mas o seu direito é branco
Até o níquel polpudo
Ele vai levar no banco.
Se chega na secretaria
E pede informação
Lá espera meio dia
E sempre a resposta é não.
Tudo isso é quase nada
Este sofrer é ameno
Pois tem uma xaropada
Que é pior do que veneno.
E quem dela experimenta
Come do que o diabo não quer
Arde mais do que pimenta
Amarga mais do que fel.
Pois o xarope danado
Que é dado a qualquer aluno
É quando está condenado
A falar com o seu Bruno.

POEMA CHEIROSO

Lá na Rua Maurity
Na cidade dos Palmares
Merda voa pelos ares
É cocô pra entupir.
Ainda ontem eu vi
Um pacote bem raçudo
Voando melando tudo
A todo mundo melando.
Eu perguntei a Orlando
Se ele avaliava
O peso que a merda dava.
Ele não soube pesar
O quanto pode pegar
A sua esposa Lindalva.

O FEIO

Eu sou tão feio
Tão feio
Que procuro mulheres feias
E elas têm medo de mim
E assim
Num bar qualquer
Procurar ver as mesas alheias
Cheias de mulheres feias
Tão feias que pergunto a mim:
Como se aguenta
Tantas mulheres feias
Como sereias
Perto da gente?

MEU ANIVERSÁRIO

42... número que
Para a loteria
Representaria
Um primo bem próximo de mim.
É assim que vejo
No meu desejo
No que faço
No desprezo
No abraço
E até no beijo.
No tempo perdido
Já passado
E no futuro inseguro
Que será também esquecido
E destruído.
É que tudo isso representa
Incompetência
E em consequência
Nada mais resta.
Termina a festa
Em sussurro
Sempre afirmando
E martelando
O que já sei.
Que sempre fui
E serei
Um BURRO.

PARA VOCÊ

Luiz Alberto
Nito
Ou Nito de Rubinho
Eu te agradeço
Não pelos livros que escreveste
Ou pelos sentimentos que pretendeste
Expressar em poemas ou versos.
Mas...
Pelos dispersos pensamentos
Que encarnaste
E demonstraste possui-los
Através dos tempos e contratempos.
Não pelo como
“Viver o personagem do homem”
Nem mesmo pela
“Intromissão do verbo”
Mas...
Pela palavra
Pela expressão
Que concebeste
E entendeste
Que:
“o fato era o feto
O nada tudo”
E o meu mundo de alucinado
E de esperança
Traduz só para mim
O feto era um fato
Um facho de luz.
Eu te agradeço.
Agradeço pela vitalidade encontrada
Em “Minha voz”
Que não há de calar
E que “é a sujeição de um eterno pavio
Que aceso não apagará”
E me levará
A vida com “três amigos,
Três vidas, três...”
“pêndulos tríduos que justificam viver”
E me faz crer na evolução
E acho que revifico em cada abraço
Desse escancarado coração.
Não
Não devemos esquecer
“e todos esquecem de ser humanos
Para ser mais uma vez
Escravos de um só dilema inconsciente”.
Não, não mente
Porque “tudo o que fiz
Os homens fizeram e farão”
E seguirão a mesma estrada
Pois a estrada não se restringe
Ao simples passeio de brincadeiras
Mas ao estabelecer da engrenagem
Natural da própria existência
Que só descobrimos
(por sorte)
Após a grande iniciação: Morte
E estaremos unificados.
Nito: obrigado.
Obrigado porque neste dia
Com alegria estarei em mim, em ti...
Nós somos um...
Um todo comum
E teus sentimentos são meus
Na mais alta afirmação
No sentido mais amplo e forte
Da unificação: DEUS!
Nito, eu te agradeço
Agradeço poque:
Tu encarnas meu lar
Minha única razão de EXISTIR.

À MINHA LOJA

Período longo
Absurdo
Tão triste, sisudo
Que me faz chorar...
Afastado de teu convívio
Senti as amarguras da solidão
E em vão combati meu afastamento
Sentindo o desmoronamento
De minha ilusão,
Experimentando a cada passo
O compasso que se agitava
E que caminhava paralelamente
Ao meu desejo,
Do desprezo que me martirizava.
Perguntei a mim
Que mal teria feito
Para ser tratado desse jeito?
Em resposta me veio
Com simplicidade
A temeridade
Que causei a tantos.
E em prantos
Senti que era um pústula
Uma fera repugnável,
Um lamentável ser
Que veio ao mundo
Cumprindo a sina da desassociação
Das coisas belas e boas
Se as pessoas
Os meus pares, os meus irmãos
Guardavam contra mim
Em seus corações
Mágoas profanas
Teria eu a culpa dupla
Da não reconciliação.
Faltava-me a capacidade
Ombridade, valor
Faltava-me tudo e sobretudo
Faltava-me amor...
E no calor das divagações
Explosões dentro de mim
E a sorrir se fizeram ouvir
Reclamei a recuperação
A restauração da minha atividade
E da vaidade que me tomava
Que emaranhava minha aptidão
Rasguei a capa
A farda...
E sempre em guarda
Desmascarei-me
E entreguei-me à realidade
Levantei-me e mais uma vez sorri...
Consegui em abraço triplicado
Saudar o mundo
Gritei aos ares, ao campo, a terra, as flores...
Que as dores
As mutilações
Eram necessárias
Tão necessárias
Quanto os afagos
Os carinhos, os beijos,
O próprio abraço.
Resignei-me sentindo com ardor
Que tudo me faltava
Mas ainda restava
No meu peito
No meu interior
Coisa melhor que aninhava
Em seu ser
Tudo que sentia
E que me dizia:
O mal não existe.
Tudo é beleza
Que não há tristeza
Que tudo é bom
Que me regozijasse
E sempre lembrasse
Que era UM MAÇOM!

POEMA

Yoyo
Rosalvo
O Mug
O Chegadinho
Mata-sete
O Bosque
Ou a Sertaneja
Com certeza
É mais meu lar
Que meu próprio lar
O Bar do Zeca
O Chora Chora
A qualquer hora
Me abraçam
O Pega Pega
O Riso da Noite
Que de pernoite
Não cerram as suas portas
Nas horas mortas
Dos meus enleios
Me acolhe com desvelos
E me envolvem em seus seios.
Japaranduba
Petrobrás
Estelita
E outros mais
Disputam, apostam e gostam
Das visitas que faço
Com abraço, alegria, risos
Tem recebido a mim
Que por ruim louco
Desnaturado
Sempre cansado
Não encontra a moradia
O lar
Aquele recanto
Para descanso
Para repousar
E vou chorar?
Parto certinho
Em meu tristonho
Medonho e sinuoso caminho
Sempre sozinho
Taciturno
Obscuro
À procura
De um acalentoso bar!

AMAR

Amar
Sempre foi o meu brinquedo preferido
Sempre brinquei de amar
E nunca amei sinceramente
Presentemente
Sinto que amo
Que desejo ardentemente
Um amor definido
Inteiramente comprometido
E sem aquela brincadeira
Que costumeira e prazerosamente
Era o meu passatempo preferido.

POEMA

É bem triste assistir a transformação
A desnaturalização
Do que de mais belo existe.
É triste o bem desolador
A incompreensão do amor.
A dor, a decomposição
Do belo em feio
E o anseio
Da humanidade sem freio
Se corrompem, garantem a descomunal
Propriedade da tristeza
Que com certeza
Se transformará em mal.
Quão degradante
E infamante
É descer do pedestal do cimo da construção
Divida num prazer incontido
Desmedido de equiparação
Da igualdade com um ser inferior
Que se firmou
Por toda a vida em dar guarida
Em venerar quem sem prensar
Procura perder o seu altar
Se lamentar tivesse o poder de acordar
Quem assim deseja
Quem a queda almeja
Quem ajuda quer
Eu acordaria um dia a mulher.

POEMA

É bem melhor levar a vida assim
Sem olhar nem mesmo auscultar o mal
Todo o mal que se aninha
Dentro de mim...
É bem melhor sofrer conscientemente
Guardando no interior do peito
Com muito jeito
E para sempre o mal
Todo o mal que faço
E que abraço
Dentro de mim eternamente.
Reclamos, aborrecimentos
Pelas frustrações dos meus intentos?
Que nada...
Por nada luto
Lutar pra que?
Só para conceber no meu interior
Que sou senhor absoluto do meu ser?
E sofrer e sentir dores
Os amargores
As decepções dos novos mundos que surgirão
Pra implantar no meu amar
No meu quere bem
Todo o desdém
O desprazer das desilusões?
Pra que chorar amargamente o que fiz?
Ou lamentar o que deixei de fazer
Sem entender o mal ou o bem
Que retem os meus passos?
Nada faço.
Não canto, não choro.
E passo a vida
À procurar guarida
A gargalhar
A me ufanar
De tudo quanto
Pra meu espanto
Para o meu mundo
Me fez assim
Um vagabundo que nada sente
E que mente só por mentir
E a seguir a caminhada
Na estrada da vida
Tão fingida
Procura abrigo
Em ser quem sou
A pregar a divulgar sem temor
Com toda força e com prazer
A alegria
A euforia
Que sinto em fazer AMOR.

POEMA

Os dias passam
E os amigos consagram
No dia a dia
Que varia
Que se vão
A propensão da amizade
Da ansiedade
Da vida
Que nos dá guarida
Nos dá anseios
E no enleio
Do viver sereno
No mundo ameno das ilusões
Os corações palpitam
E gritam pedindo Deus
Aos seus arcanos
Todos os anjos
Rogai por nós, guardai
Os sóis, as noites
Os dias, a existência
Guardai a vida
E com guarida suprema
Dai alegria a mim, a ti, a todos
Quantos te rogam em prantos
Te pedem, imploram
Ajudai, amparai, guardai
Sobre o manto de tua soberania
Da tua vigília insana
A Silvana
Que hoje aniversaria.

POEMA

O amor existe?
Existe amor de verdade?
Ou o amor é só mentira?
E aquele que tem em mira
Que o amor acontece
Definha, entristece
Morre louco, doido expira?
Por que?
Amar é tão diferente
Do sofrimento tenaz
Que o amor sempre traz
Para o coração da gente?
É ele impertinente
O nosso carrasco atroz
Que não ouve nossa voz
Sempre pedindo clemência?
É ele uma doença que mata devagarinho
Que fura bem de mansinho
O corpo todo da gente?
Ou mente quem assim está agindo
Não nos ama está fingindo
Quem faz a gente sofrer?
Por que?
Quando se ama maltrata
Esse maltratar retrata a essência
Do bem querer?
Você amando nunca feriu?
Nunca no peito sentiu
Vontade de maltratar?
Entende que é salutar
Que faz parte do amor
Esse sofrer, essa dor
Que nasce do querer bem?
Você acha que o amor tem direito
De massacrar
O dever de espezinhar
Nosso corpo, nosso ser?
A meu ver
No meu entender mesquinho
Todo esse almontoinho
De pergunta e de porque
Tem tudo para você
E é igual para mim
Pois se amar é ruim
É sofrer, é definhar
Prefiro sacrificar minha vida
O meu todo
Perco tudo nesse jogo
E vou morrer apostando
Seja mentira ou verdade
Eu quero morrer amando.
POEMA

E o homem
Que queria um dia melhor
Não conseguiu equilibrar-se.
Tombou diante da surpresa
Que na porta do seu lar
A sua espera
Há várias horas
Implantara seu quartel.
E coberta de vaidade
Das surpresas
Pois todas elas
De vaidade estão cobertas
Deu-lhe um golpe fatal.
E o homem
Mortalmente ferido
Pois o seu corpo sangrava
E a sutil cutilada
Dilacerara seu peito.
Era forte.
Tão forte que a ferocidade do ataque
Não conseguiu detê-lo.
Arrasta-se sobre o solo
Não importando a chaga aberta
Pelo primeiro contato
Com a terra.
E levanta, cambaleia...
Ergue a fronte
E olha para os céus
Como se implorasse a Deus alento
E num momento
Cerra os pulsos.
A passos largos
Começa nova caminhada
Deixando para trás
A desdita
Que lhe batera a porta.

GRITO LIBERTÁRIO

Cresci um dia
Em minha alucinação
E escondendo o medo que tinha
Da minha própria ilusão
Sem asas para cortar
E desbravar os horizontes
Da minha rudez
Procurei voar bem alto;
Queria em sonho louco
Deixar o asfalto
Transpor os muros
Da minha timidez
Para talvez
Nos degraus da fama
Da opulência
Sentir a essência
Daquela fama
Que normalmente está envolvida
E sempre imbuída
Em drama.
Quis num arroubo de loucura
Ganhar a magistratura
Um refúgio para minha iniquidade
E esquecer a simplicidade
Que sempre me envolveu
E precedeu minha natalidade.
Quis crescer, voar, estar no cimo,
No cume, no ápice da sociedade
Esquecendo em tudo o mundo mudo
Que me desenvolveu
Para todo o sempre
E que me extraiu de um ventre
Também humilde e pobre.
Quis, crescer um dia
Em minha alucinação
Por determinação, talvez
De um superior
Que me criou e quis
Me dar essa provação.
Pensei alucinadamente
O berço que me embalou
Desde a minha pequena infância
E me revesti de ganância
Que envolve muita gente
E que nos faz esquecer
O que realmente podemos valer.
E procurando esconder meus defeitos
Até pensei ser perfeito e servir
Como julgador...
Verdadeiro horror!
Ri.
Ri de mim mesmo
E nem preciso foi
Medir capacidade
Simplesmente me disseram
Acertadamente: não.
Numa decisão que confesso
E reconheço
No afã de minha aspiração
Uma ilusão
Que me fazia um vesano
Um insano, um louco,
Um mentecapto, um demente
Que não sente
E não entende
Os seus próprios atos.
Que loucura, meu desejo!
Pensei que podia
Em futuro dia
Distribuir justiça
E me lembrei
Que estudei em tempos idos
“o dar a César o que a César pertence”
Pura encenação
E Deus que pelo saber eterno
Não erra, iluminou meus julgadores
Que, devidamente iluminados
Em votos acertados
Voltaram-se à minha pequena infância
E recolheram-me
A minha insignificância.

POEMA

Sonhei.
Mais um sonho floresceu
Em minha vida
Com uma certeza desmedida
Que me deixou tristonho.
Sonhei!
E sonhei amando
Te vi em meus braços
Em abraços
Confesso
Nunca pensei
Que em sonho
A felicidade encontrasse
Quando não a encontro
Na realidade.
Despeitei!
Senti que sonho
Estava
E no auge da minha ilusão
Ainda procurei
Em vão o teu abraço.
Que fracasso!
Não mais existias
Fugias
Aos meus olhos ainda vidrados
Procurando a todo custo
O teu sublime
Contato e mais um abraço.
Pouco a pouco
A alucinação crescia
E crescia também a desilusão
Para no afã da alegria
Que desfrutava
Inconscientemente
Viver a realidade
Eternamente.

SONETO

Tantos dias passados, tantos anos.
Sei lá quando... os dias já passaram.
Fiz tanto mal, dia a dia causei danos
E meus dias, outros trucidaram.

E este mal que ainda me acompanha
Me enoja. Deturpa minha vida.
Fui mau, sou mau, o mal em mim se entranha
Tenho existência d’alma pervertida.

Vede meus olhos: outros se comparam?
Vede meus lábios: por mim escancarados?
Vede estas mãos que outras mãos esbarram.

Não são olhos nem lábios, só amarras
De coração e mente endiabrados
Que fizeram-me das mãos temíveis garras.

POEMA

Não.
Não admiro a vida
Nem sequer
Dentro de mim
Tenho admiração
A esse caminhar capenga
E sem mister.
Não.
Não ouso amar
Infortúnios
Que não somente a mim
Como a ti
Procuram corroer.
Não.
Não posso escrever
Uma homenagem sincera
Verdadeira
A uma brincadeira
Desnaturada
Que desprezo
E lhe nego
Com alegria
Com euforia
Uma só palavra
Um verso de louvor.
Não.
Não lhe tenho amor
Muito embora
Em boa hora
Não lhe faça guerra.
O que a vida encerra?
Nada...
Está retratada
Num desejo forte
Ardente que somente
A tudo consome.
Não.
Não admiro a vida
Por tantos abraçada
Endeusada
Defendida.
Não.
Não posso admirá-la
Sentindo n’alma
Que sobre a terra
Só faço esperar
O que ela, a vida,
Não me dá.
Não somente a mim como a ti
Porque nem ela
Nem o mundo
Vagabundo
Nada tem
E não convém aceitar
As ofertas vãs
Que são apenasmente
E simplesmente
Ilusões.
Não.
Não.
Não amo a vida,
Repito.
Sinto a terra,
O mar, o céu, as estrelas,
E estremeço ao vê-las.
Vejo os campos, as árvores,
As flores, a natureza enfim
E nasce em mim
Em meu peito
Um grito de pavor
Pela mudez de tudo
Pela frieza
E rudeza do próprio mundo.
Eu vejo assim
O mundo rodar
Em torno de mim.
Sonho...
Belos sonhos
Que vão se transformando
Sem cessar
Do belo do bem
De tudo que amo
Que aspiro
Que desejo amar...
E
Eu mesmo sugiro
Não mais sonhar.
E no processo regular
Da transformação
O meu mundo de ilusão
O meu eterno sonhar
Abarrota-me de tédio
E quase ébrio
Cambaleando
Sinto a metamorfose
Do meu sonho
Que pelo desgaste
Pela ação externa
Que vem não sei de onde
Não mais sonho
É um pesadelo
Que me mata
Maltrata
Me transforma também
E vou despertando
No vai e vem
Da emaranhada vida
Vida de tudo
Vida de maldade
Sentindo-me sem guarida
Sem um amparo qualquer...
E
Sem mister
Sem objetar
Sou forçado a despertar
Na REALIDADE.

POSFÁCIO DE UMA VIDA

Os meus pés
Como um alicerce
De uma construção
Mal edificada
E fadada
A uma destruição
Sentem
Inevitável
De um verdadeiro cataclista
A exemplo de uma cisma
Sem firmeza
Não encontram apoio
E se fincam
Terra adentro
Como se o centro
Desta mesma terra
Convocando-os
Compulsoriamente
Ansiosamente
Os espera.
As minhas pernas
Fatigadas pelos anos
Trêmulas e inseguras
Não mais dominam
Esses pobres pés
Que não sabem
Nem mais espreitam
O solo que pisam.
O meu tronco
Invólucro de um intestino
Um estômago,
Fígado, rins, tudo corroído...
Um peito sofrido
Um coração baqueado
Que em badaladas
Trôpegas, cansadas
Distribui deficientemente
Um pouco de vida ao todo,
Me dá nojo
Repulsa.
Um mísero aparelho
Respiratório
Que em irrisório movimento
Sustenta
E ostenta
Uma respiração forçada
Que termina
Entreabrindo
De quando em quando
Minhas narinas
Provocando
Um abominável
Um inaceitável
Ruído.
Meus braços,
Magros, ossudos,
Sustando e culminando
Em duas horríveis mãos
Que mal apontam
Direções opostas
Retratam
Espreitam
Denunciam
Uma caixa óssea
Que guarnece
Um cérebro, um cerebelo
Um bulbo
Desmoronados
Fadados
À irresponsabilidade.
Meus olhos
Que precisam
E reclamam
Lentes corretoras...
Sem brilho, sem luz,
Transformados em fontes
Que fabricam
Freneticamente
E sem siso
Lágrimas
Denunciam, anunciam
Um ser acabado.
Onde a pujança
A fortaleza
Da juventude
Desse conjunto
Debilitado?
Onde a esperança
Da maturidade
Da acuidade
Da sabedoria
Que viria
Da experiência
Dos dias vividos,
Coloridos e recheado,
De alegrias, venturas
Puras e próprias,
Da curta juventude
Experimentada
Hoje retratada
Em meras decepções!
Onde as aspirações
Os sonhos
Que pouco a pouco
Se transformaram
E edificaram
Nos dias presentes
Amargamente
Pesadelos e desilusões?
Onde a propulsão da vida
Os arroubos
As impertinências
A própria crença de ser?
Onde as visões
O alargamento dos sentimentos
O aprimoramento,
A subida eterna
Consciente
Que experimente
E saboreie
A certeza do dever cumprido?
Onde a segurança
Maturidade
Que assegure e sentencie
Um viver vivendo?
Onde o desejo de sobreviver
E ver alegremente
Um rendimento
Mero resultado
Do esforço desprendido
Pelos frutos plantados
Que, simplesmente
Sem adeus, sem acenos
Sem mais nem menos
Escapam, fogem
Desaparecem
E esquecem o passado?
Onde o amor
A compreensão
A humildade?
Onde o Deus interior
Que deveria existir
E assumir
Passo a passo
Uma posição superior?
Onde a afetividade
Repito:
Onde o amor?
............................
E aqueles pés
Braços, mãos
Enfim
Este corpo doente
Mutilado
Sem rota nem leme
Sem fé e descrente
Dos seus próprios atos.
Suplica:
Deus, abrevia.
Leva-me por tua bondade
E misericórdia
Para outra vida
Onde não exista
A possibilidade
Nem a necessidade
De um lamento
Que, por desabafo,
Louco, desesperado
Faço
Em forma de poema.


RUBEM DE LIMA MACHADO – Poemas extraídos do livro Raízes & Frutos (Bagaço, 1995), do poeta, historiador e advogado Rubem de Lima Machado (1936-2019), que foi incluído na antologia Poetas dos Palmares, organizada por Juareiz Correya, em 1972, tendo publicado poemas no jornal Tribuna de Vassouras (RJ), entre outras publicações. Veja mais aqui.