VALQUÍRIA LINS – A poeta
paraibana Valquiria Lins é licenciada em Letras pela UFPB e autora dos livros
Outono (1997), Húmus (1998) e Velas de Abril (2006). Ela foi destacada entre os
Poetas da Paraíba no meu blog Varejo Sortido. Agora, nessa primeira parte conheça mais da poesia da autora.
A POESIA DE
VALQUÍRIA LINS
NÃO ME CASTREM O POEMA
Não me castrem o poema
Assexuado, herrmafrodita
Sem nexo, desconvexo
No novelo, numa linha.
Não me castrem o poema
Iconoclastas da poesia
O sangue das estrofes
É vermelho a cada dia.
Não me castrem o poema
Atonal, disritmado
O ritmo dá na água, dá na pedra
Dá no aço.
Não me castrem o poema
Simbolista, dadaísta
Se os cacos dos meus versos
Juntam imagens modernistas.
Não me castrem o poema
Versos coxos ou sem pernas
O rio quebrou seus braços
Fez cascatas e fez quedas.
Não me castrem o poema
Acadêmicos da poesia
O verso quer ser livre
Pra dizer o que eu queria.
Não me castrem o poema
Não o deixem adormecido
Os sonhos também fogem
Pela janela oprimidos.
Não me castrem o poema
Tão insípido ou inodoro
A flor brotou na pedra
Perfumou todo este solo.
PERDIDAS EMBARCAÇÕES
Antes do mar havia um rio
Antes do rio, um riacho
No meu quintal tinha um poço
Junto do poço, o esgoto.
Embarcações se perderam
Nas chuvas que apanhei
Bueiros, canos lodosos
Nos mares que naveguei.
A chuva remou tudo em mim
Tantos papéis amassados
O que restou dos meus barcos.
E nos borrões esquecidos
Busquei o poema não lido
Que escapou do naufrágio.
RODAGEM DA INFÂNCIA
Falar de minha infância
É ver saudades arrastadas
Numa rodagem de pedras
É abrir a cancela
E deixar o burrinho passar
Comigo no caçuá.
O QUARTO
O abajur no quarto
Era bola de cristal
Lua cheia e futuro
A escrivaninha no quarto
Era um imenso tribunal
Os jurados eram anjos
Togados do bem e do mal
A cama deitada no quarto
Suntuoso purgatório
O juiz, o crucifixo
Pendurado no oratório.
EFEMERIDADE DA ROSA
Pesam silêncios
Sobre o meu jardim
Colho a rosa
Que amadureceu
Beijo a corola
E o androceu
Mas o efêmero
É mais veloz
Que eu
Pesam silêncios
Sobre o meu jardim
Despe-se a flor
Sobre o corpo meu
E entre os silêncios
Que jamais acordam
Nasce a rosa
Que era apenas eu.
FALA DE ALGUMA MARIA
Não sei das Dores
Dos Prazeres
Nem sei Maria de mim
Sei deles
Apenas a sede
De todas e tantas Marias
Fui Caminho para as Índias
Na grama de tantos Vascos
Bola jogada e perdida
Na vitória de uma ilha
No fincar de alguma cruz
Fui descoberta e achada
Fui história mal contada
Floresta encantada
Que no escuro era luz
E quando os Cabrais aportavam
Com a farda dos seus poderes
No cais, Maria das Dores
No mais, Maria dos Prazeres.
RETRATOS
Todos os longes estão perto de mim
E as minhas tardes hoje são bastante tardes
Quando elas chegam trazem o álbum da saudade
Que eu folheio do princípio até o fim
Assim vagueio pousando nos outroras
Folheando páginas nas miragens que eu via
E de repente uma tal fotografia
E eu mergulhando em um lago de saudades
Todos os nuncas que estão no meu agora
Distanciam-me do infinito de você
Hoje o que é perto é um álbum de retratos
A solidão que dorme cedo em meu quarto
E a ânsia doida, a febre louca de te ver.
A BALAUSTRADA DE JAGUARIBE
A boca da Balaustrada
Engoliu-me sonhos
E papéis amassados
De tantos Sonhos de Valsa
Os olhos da Balaustrada
Enrugou castelos imperiais
Edificações coloniais
E rugas de pálpebras
O coração da Balaustrada
Guardou beijos de namorados
E quermesses do Rosário
Guardou cadeiras na calçada
E um chão que ainda vive
Em cada filho de Jaguaribe.
MANJEDOURA
(Para Lúcio, in memorian)
Trouxeram-me
Velas
Flores
Incensos...
E a manjedoura
Onde morri
Ali morri
Todos os dias
Que vivi
Levaram
Choros
Imagens
Orações...
E um retrato
Do poeta
Nas mãos.
ACAIS &
ENTREVISTA – A autora agora faz sua incursa na ficção,
lançando o livro Acais. Por conta disso, ela concedeu uma entrevista exclusiva
pra gente, contando sobre a sua trajetória, o lançamento de seu mais recente
livro e de duas perspectivas e projetos artísticos.
LAM - Primeiro,
vamos pra pergunta de praxe: como foi e quando se deu a sua descoberta pela
arte?
Considerando como sendo
subjetivo o tempo da Arte, acredito que desde criança, quando dos primeiros
versos que tentava rimar ou dar um certo ritmo, deu-se esta minha busca. Lembro
que gostava de escrever para jornaizinhos de classe e de fazer versos
humorísticos para colegas. Gostava também de fazer versos para o meu pai que
gostava de pescar: Era um pobre pescador
que de rico tinha o mar e seis filhos para amar/ Uma humilde cabana, ali era o
seu lar/ Ali ele vivia, ele, os seus e o mar. As metáforas eram pobres ou
até mesmo não existiam. E quando adulta, até mesmo quando meu pai já partira
para outra esfera, continuei a fazer versos para ele: ... e as plantas exóticas que viram tanto o meu pai pescar/ hoje cactos
secos e o meu pai pescando flores lá “de Lá”. Visto que, a única exigência
da nossa Língua seja a comunicação, a Arte talvez se manifeste em níveis
diferentes de literatura.
LAM - Quais as
influências da infância e adolescência que definiram sua escolha pela arte?
Todo o cenário rural que
conheci na infância, povoou o meu interior, e ressurge a cada dia nos meus
escritos, seja na poesia, seja na prosa, com todos os rios e matas, com todos
os frutos e flores, com todos os entes misteriosose todos os cheiros e sabores.
Sou a terceira dos filhos de José Correia Lins e Beatriz Ferreira Lins. Na hierarquia longeva: Marcus Vinicius, Lúcio Lins(in
memorian), Valquíria Lins, Valéria, Ângela e Vânia.
LAM - Você possui
formação em Letras, conta pra gente como se deu essa escolha profissional?
Quanto a minha vida
acadêmico-profissional, confesso da minha inquietude, tanto é que o único curso
que consegui terminar, foi o de Letras, na Universidade Federal da Paraíba, em
2002, um pouco tarde. Muito cedo ingressei na Universidade, no curso de
Farmácia e Bioquímica, mas larguei tudo pela metade, quando fui aprovada no
Concurso do Banco do Brasil. Também abandonei o emprego no primeiro PDV.Resolvi
fazer um novo Vestibular, para Filosofia, curso que só assisti às primeiras
aulas, haja vista problemas de visão. O curso era em período noturno e eu tinha
dificuldade para enxergar. Participei de alguns concursos literários na minha
cidade e talvez tenha me empolgado por ter ganho alguns prêmios e menções
honrosas. Comecei a escrever o meu primeiro livro (de poesias) e iniciei o
Curso de Letras na UFPB.
LAM - Você começa com poesias, publicando o seu
livro Outono, em 1997. Como foi essa experiência?
O meu primeiro livro,
“Outono”, 1997, editado pela Ideia, posso dizer-lhes que fiquei realizada com o
seu feitio. Creio que no seu todo, haja bons poemas, e não tão bons poemas, e
mesmo maus poemas. Poemas que talvez necessitassem ser lapidados. Mas foi o
recado do momento. “Se todos os seus versos são geniais, eis um verdadeiro
gênio”. Ganhei vários prêmios e troféus com muitos poemas desse livro.
LAM - Em 1998
você publica Húmus, também de poesia. Conta pra gente como se desenvolveu esse
projeto.
Quanto a ter publicado
Húmus, em 1998, pela Sal da Terra, talvez tenha sido uma precipitação e
empolgação em fazer um novo livro. Hoje, filtraria palavras e acolheria melhor
as metáforas.
LAM - Em 2006
você retorna à poesia com Velas de abril. Fala da receptividade do público com
essa publicação.
Velas de Abril, pela
editora da UFPB, foi uma homenagem póstuma ao meu irmão Lúcio Lins. Sua
receptividade com o público, meus amigos, acredito que tenha sido positiva.
Quanto à crítica, não tenho tanta certeza
LAM - Você
recebeu vários prêmios com suas poesias. Fala pra gente a respeito desses
prêmios e de como eles contribuíram para sua formação e projeção poética.
Quanto aos prêmios
literários, o que há muito não participo, lembro dos últimos: não cheguei a
viajar para buscar tais prêmios, havia problemas de saúde na família: vencedora
do IV Prêmio Literário Canon de Poesia – Grupo Editorial Scortecci- SP, com o
poema “Não me castrem o poema”; com o mesmo poema,1ª colocação no Prêmio
Tataguassu de Poesia, em 2010 e obteve Menção Honrosa no VI Concurso Newton
Braga de Poemas, pela Academia Cachoeirense de Letras – ES. Ainda em 2010, com
um livro de 50 poemas, “Nas Quebradas de um Rio”,conquistei o terceiro lugar no
1º Prêmio Literário Narciso de Andrade, promovido pelo Cabeça Ativa-Produções
Culturais, Santos(SP). Não participei mais de concursos literários.
LAM - Você
acaba de lançar livro Acais, a sua incursão na prosa com essa romance. Fala pra
gente dessa nova experiência.
Tentarei responder às três
últimas perguntas com o que acho que falei quando do lançamento de Acais.
LAM - O livro
Acais é muito bem escrito, tem uma história muito interessante e é muito bem
acabado. Fala pra gente como foi o processo de criação da obra.
1º motivo: Por ter sido o lugar onde nasci e ter passado
grande parte da minha infância, e por ver na figura do meu avô, que no texto
pintei de herói e anti-herói, de príncipe e de plebeu, de Hércules e de
Quasímodo, assumindo-lhe uma imagem cheia de humor e traquejos, uma imagem
muitas vezes quixotesca ou caricata... Por ter sido o lugar em que vivi a minha
infância, seria mais fácil criar uma nova história para o meu avô. Conhecia bem
a região. Sabia das cachoeiras, dos riachos e dos rios dos meus primeiros
mergulhos,... Sabia das plantações e roçados do meu avô. Sabia do curral e das
porteiras, das lavadeiras na beira do rio quarando as roupas na pedra... Sabia
das flores e dos frutos, dos araçazeiros e dos ingazeiros com os ingás
compridos e cabeludos como veludo; sabia das noites escuras e das almas
penadas; sabia das assombrações que vinham de “Acais de Baixo”, da sua “jurema
Encantada”, para nós um tabu, que nosso avô não permitia que lhe
transpuséssemos a cancela. Sabia das rodas de coco e ciranda, das lapinhas de
“Acais de Baixo”; sabia dos animais e das cobras enrodilhadas, da igrejinha e
do congado.Sabia dos meninos nus de barrigas amarelas, sabia dos ciganos, da
casa de farinha e da farinhada, e das mulheres descascando a mandioca com suas
saias arregaçadas às ancas...Sabia dos filhos do meu avô, os que eram meus tios
e também os que não eram meus tios... Sabia do traquejo do meu avô com as
mulheres... E com o tempo, fui sabendo muito mais. Juntei tudo que sabia e tudo
que não sabia; fiz uma das minhas personagens, a de Cabelos de Fogo, para
ajudar-me na narrativa.
2º motivo:Amadureci a ideia do meu irmão Marcus, (o
primogênito), de escrever sobre Acais, sobre o nosso avô, sobre a nossa
infância.
3º motivo: O incentivo que tive do professor Alessio
Toni, de querm tive a honra de ser aluna de Língua Portuguesa, no Colégio das
Lourdinas, e do professor Chico Viana, de quem também fui aluna, no Curso de
Letras da UFPB.
AINDA SOBRE ACAIS: O livro Acais, de Valquíria
Lins, conhecida por Kira, foi confeccionado pela Editora Ideia, em João Pessoa,
tiragem de 500 exemplares, 250 páginas e 50 capítulos. Editoração Eletrônica de
Magno Nicolau e ilustração da capa, “Retrato de Família”, obra de arte do meu
irmão, Marcus Vinicius, que assina como Ferreira Lins. O livro foi prefaciado
por Chico Viana, que assim inicia o seu texto: “Acais é o que poderia se chamar
um romance de memórias... ” Conta com um texto de apresentação de Alessio Toni,
que nestes termos finaliza: “Um relato documental que, se cair nas mãos
milagrosas dos irmãos Carvalho, Vladimir/Walter, preencherá nossos olhos de
cinematografia”.
O poeta Marco Di Aurélio e
o professor Nivaldo Rodrigues deixam seus registros na contracapa. E o
jornalista Osvaldo da Cruz, acredito que pôs brincos nas orelhas do livro com o
seu belo texto.
Acais, enfim, cujo legado
mítico foi tombado recentemente pelo IPHAEP, trata-se de uma obra de ficção com
pingos de realidade e o meu avô, Antonio Ferreira, principal protagonista da
história, foi realmente proprietário das terras do “Acais de Cima”.
LAM - Fala pra
gente quais projeto você tem por perspectiva de realizar?
Estou com um livro
infanto-juvenil, todo em versos, cujo título é “O AGOURO DA CORUJA”, já conta
com o prefácio da professora Neide Medeiros e está sendo ilustrado por Ricardo
Peixoto... esperando para ser editado. Também estou organizando um livro de
poesias. Tentarei selecionar entre os 100 poemas, na maioria, inéditos... e,
dependendo da receptividade de Acais, iniciarei o ano com uma nova narrativa.