sábado, janeiro 18, 2020

A POESIA ABSOLUTA DE VITAL CORRÊA DE ARAÚJO - QUIÇÁ, MENOS LUZ; INSÓLITA CLEPSIDRA & FRACTÁLIA LÍRICA


CONFISSÃO PER ANGÚSTIA

Busco o meio verso, o anverso
O averso absoluto, o inverso busco
O não verso, se posso: a poesia
Não o verso, a poesia sem o verso
Só o anverso, a poesia sem o viés
E o através do verso.

A POESIA SUBSTANTIVA

A palavra anima a coisa
(não a alma)
Retrata-a mas completa
Desvenda-a e oculta
Recebe-a e escande
Oraliza e substantiva
Adjetiva e adverbializa
A coisa
A poesia
(contribuição para o laudo
Tanatoscópico do verbo)

INTROITO VITAL

A simetria implacável do poema
Dividido em retangulozinhos de 3, 4, 5, 6 e 7 versos
(próprios da sublime poesia popular
Da tradição cordelista e declamatória
De extração medieval lusa) é intolerável
Hoje, agora (século XXI).

QUIÇÁ, MENOS LUZ – O livro Quiçá, menos luz (Criaart, 2019), do poeta e crítico literário Vital Corrêa de Araújo, possui seleção de textos, prefácio e coordenação editorial de Admmauro Gommes.


CANÇÃO DO SI

Jorro de água abata-me sede árida de ser
Irredento até a saciedade do sublevado espírito
Auge liquido de sombras de pedra, igreja de anjos
Esdrúxulos recalcitrantes presa de osteoporose do espírito
Indomado como os minérios da alma, agulha de palha, incêndio de lata
Amarelo esgar do vômito, certeze de nada, tudo é putrefato
Relva de vidro, folha de limo, sódio da morte, doce fel
Ungir de cão, unção do sal, lugar da dor luzir do sim
Verdade na manga, agonizar de luz, idade da desventura
Cristal solitário, adega escura, vinho poso, mostorápido
Céu investido, eco gramático (do mar), antúrio
E garbo, penélope e safo, árido desdentado, a cal
E o fulgaragreste, unânime pesadelo, vertigem lúcida de
Novembro, vício aberto (e redondo), tumba rômbica
Túmulo sírio, sepulcro cálido, mausoléu de baralho e aborto
Presença vaga, anjo bêbado, raça escura, outono dos dedos.

PELOS

Pelas vísceras da hora da ira
Pelas hélices dos ossos celestes
Pelos sabres do vento afinado
Pelos dentes de cólera do tempo
Pelos obsceno deveres da brisa
Pelos haveres do desejo.

EM NOME

Teu nome vem de estrelas distantes
Dos relevos da lua, de lírios dolentes
Da sombra de maçãs bem teu nome
E do clamor da pedra
Ou das hostes noturnas do verme
Teu nome vem
Da úmida escória do tempo
Do amor dos mortos
Vem o teu nome.

INSÓLITA CLEPSIDRA – O livro Insólita clepsidra (Criaart, 2019), do poeta e crítico literário Vital Corrêa de Araújo, possui seleção de textos, prefácio e coordenação editorial de Admmauro Gommes, é dividido em três partes: O tempo do verbo – à xamanidad de Tania Mujica, Intervalo para pipoca (e fôlego) e De candelabros nas tempestades da alma (fragmentos).


DOIS

Quem diga: o resto é literatura
Ou tudo é literatura: tá errado.
Só poesia é literatura.
O resto é prosa.
A frivolidade é o espanto
De nosso tempo sem têmpera
De nossa vida sem tragédia (real).

ÓSSEA ESCAVAÇÃO

Omoplata completo platônico
Foi encontrada aberta
Numa escada que anjos abandonaram
À beira do céu perto
De uma caverna laminada de sombra.
Tudo funciona como
Relógio pulsando
No coração de um esqueleto.

FRACTÁLIA LÍRICA – O livro Fractália líria (Criaarte, 2019), do poeta e crítico literário Vital Corrêa de Araújo, possui seleção de textos, prefácio e coordenação editorial de Admmauro Gommes, é dividido em cinco partes: A palavra em si, O olhar vital, A grandeza de Jorge Luis Borges, Sobrevital e Fracões. Veja mais da Poesia Absoluta de Vital Corrêa de Araújo aqui & aqui.