sábado, fevereiro 12, 2022

A POESIA DE RENATA SANTANA

 

 

MIOPIA

 

a vida não me quis sóbria

e deu, por conta própria, esse embaço no horizonte

tenho trinta

tenho tédio

e a vida, gaiata, quis me divertir

derrama

falsa prata

nas luzes

nas letras, no destino dos ônibus

acordei e vi os carros no sinal

com tutus de bailarina

parece abafado, parece neblina

tudo que vejo

agora percebo

aquilo que narro está infectado

não posso dizer sobriamente

está comigo

tudo que flagro brilho ou embaço

a vida

quer ser vista de perto

o que está longe não se mostra

no horizonte, tudo brinca

(de uma forma

ou de outra).

 

CÂMERA ESCONDIDA

 

falo amanhã eu te ligo

a parede do boteco diz

fiado

entro no carro

risos

como se não houvesse amanhã.

 

LIÇÃO DE AMBIGUIDADE

 

me achava única

até que

mergulhou em meus cabelos

viu um mar de pontas duplas

descobriu

inauguro rodovias

me abro em duas vias

me descarto por aí

que faço

bem e mal

me quer

nos cachos

assim me roubo, assim me espraio

que estou na cama

também em fuga

no ralo.

 

RITMO DE FESTA

 

como ondas que ainda

balançam o corpo

em casa depois da praia

sinto as suas mãos

agora

você é o hit do verão

pulo quando me liga

dança a voz pelo áudio

replay

sua voz no bluetooth

onipresente como um amigo imaginário

todos os dias são sábado

férias, excursão ao teatro

bagunça no banco de trás

quartos brancos são

parques de diversão

uma piscina esfria o trânsito

no coração da cidade.

 

TU

pra falar de você não preciso muito

digo tu, digo tanto

nem digo

ergo a cabeça em teu sentido

algo estala, tu

preso

presa, em minha mordida cruzada

tu

na ponta da língua

qual memória do piercing

que não botei ainda

quando falo de você, digo nada

digo tu

e aproveito cada letra dada

salto da primeira

escorrego para dentro

de tu

neste seio

cavo, deito

nave que piloto na direção do teu peito.

 


RENATA SANTANAMulher, negra, nascida no Recife-PE e de origem periférica, Renata Santana é escritora, jornalista, bibliotecária, pesquisadora e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Escreve e recita desde criança - aos 12, ganhou a medalha de ouro no Concurso de Poesia Infantil Orlando Parahym, em 2000. Aos 13, estreou no teatro recitando Luís Camões, Carlos Drummond e Fernando Pessoa. Depois de uma década entrevistando e recitando em eventos literários no Estado, publicou seu primeiro livro em 2019, o elogiado livro de contos “Na terceira margem do agora” (Ed. Castanha Mecânica). Publicou textos em antologias como “O poema se chama política” (2021), “Abrigo” (2020) e “Quem dera o sangue fosse só o da menstruação” (2019). Ainda em 2021, se tornou a primeira mulher negra recifense a ganhar o 7º Prêmio Hermilo Borba Filho de Literatura (antigo Prêmio Pernambuco de Literatura), na categoria poesia. A obra premiada, “A Mulher do Tempo”, será publicada pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) ainda neste primeiro semestre de 2022. O seu novo trabalho literário. “O amor na 5ª série aos 30”, seu segundo livro, chegou ao público neste fevereiro de 2022, pelas Edições Macondo. A obra compila poemas que narram experiências da vida adulta amplificadas pelo frisson emocional da adolescência, fazendo refletir sobre a jovialidade que mobiliza afetos e paixões mesmo noutras idades. Em versos curtos e poéticos, a obra apresenta pequenas histórias amorosas na vida adulta, mas com o olhar da novidade próprio da juventude. Paixões, vida urbana, tecnologia, solidão, álcool, sexo e outras vivências no contexto da adultidade - especificamente na fase dos 30 anos - se apresentam deslocadas do local de maturidade e embebidas no pensar e no sentir efusivo da adolescência - a “quinta série das coisas”, como define a autora. "São poemas que falam sobre como a gente também tem 18 anos aos 40, ou mesmo 12 aos 30. Somos adultos, mas quando somos atravessados por fortes emoções, entramos distraídos no parquinho de Eros, que não à toa é uma criança de asas", conceitua Renata, que tem 35 anos. Em 35 poemas, a obra traz um eu-lírico que vive situações e relações com intensidade, como se fosse a primeira vez, ora com uma visão ácida, debochada e pessimista sobre a vida; ora com bom-humor, aventurança e leveza. Com poucas palavras e forte subjetividade, a escrita de Renata Santana conduz o leitor por narrativas que fazem repensar a consciência adulta e o status de certeza e solidez que a maturidade impõe. “O amor na 5ª série aos 30” traz poemas necessários para se reconhecer a atemporalidade dos sentimentos e perceber como afetos transpassam vivências de maneira intempestiva e visceral em todas as idades. “Os poemas nos lembram que podemos ser nós mesmas em todas as fases da vida. A gente se apaixona, e isso não tem idade”, endossa a escritora. SERVIÇO: Livro “O amor na 5ª série aos 30”, de Renata Santana Edições Macondo - Selo Cachalote 64 Páginas R$ 36. Release do jornalista e ator Milton Raulino. O livro pode ser adquirido online, informações aqui e mais aqui.