sexta-feira, julho 29, 2022

DE LÁSTIMA É A PELE DOS PUSILÂNIMES, DE VITAL CORRÊA DE ARAÚJO

 

 

O HORROR NUNCA FOI AZUL

ou A PUSILANIMIDADE SE ESBOROA NOS NANOPOEMAS & MONOSTICOUTROS DA POESIABSOLUTA

 

Luiz Alberto Machado

 

Este não é um livro praqueles de sangue lívido quase fugidio, antes fosse. Talvez um menoscabo aos pávidos, se tanto. Muito menos daquele tipo: vou ali, volto já. Nem precisaria disso. Neste momento, com certeza, o autor estará elucubrando sóis e estrelas no Sítio dos Espíritos, enquanto você passa as vistas nestas mal traçadas linhas do introdutor. Melhor aprumar a conversa.

Sim, porque nestes tempos sombrios em que o estouro das fossas trouxe à superfície o que havia escondido de mais nefasto nos esgotos de Pandora, resta entoar a corajosa Nênia de Abril para assumir que somos todos poetas obscuros.

Digo isso porque o biógrafo e dramaturgo estadunidense Edgar Lee Masters assinalou que os poetas são um delicado sismógrafo, um barômetro que capta mudanças na pressão atmosférica, um microscópio que descobre germes destruidores da carne do povo.

Um a zero, outra: a confirmação disso foi dada pelo filósofo Will Durant ao atestar que todas as verdades são velhas e só os poetas e os loucos podem ser originais.

Lá se vão duas ou três porque Freud dizia que: “Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim. O que eu descobri foi o método científico que nos permite estudar o inconsciente”.

Mais e o psicanalista Rubem Alves a mencionou: “Faz tempo que para pensar sobre Deus, não leio os teólogos, leio os poetas”.

Concorde ou não, lá na antiguidade ocorreu um fato bastante interessante: quando Alexandre da Macedônia invadiu para destruição de Tebas, poupando apenas a casa do poeta Píndaro. Deveras um caso raro, as biografias comprovam que foram poucos que tiveram esta sorte.

Sim, até mesmo Kafka que temia ser visto como repulsivo física e mentalmente, ao escrever sua oração no leito de morte, Um artista da fome, convocou seu amigo, Max Brod – a quem doou todos os direitos sobre os seus escritos -, com a determinação de que queimasse tudo que houvesse publicado ou inédito. Essa drástica decisão fora motivada por ter ele passado a vida toda como um ilustre desconhecido, ganhando notoriedade apenas postumamente e isso só porque o amigo ignorou o pedido e publicou toda sua obra.

Fatos como esse se repetiram, como a que ocorreu no revertério envolvendo o próprio Píndaro que foi preso na batalha de Patea pela simples conduta pacificadora, quando este estava sob os auspícios do rei Hierão de Siracusa. Se foi poupado numa, não teve a mesma sorte na outra.

Quase o mesmo se deu com o poeta Frínico que foi condenado pelo drama A tomada de Mileto, só porque levou a plateia às lágrimas com as desgraças da cidade morta.

Não foi outra a razão que levou o Walt Whitiman a lamentar: “Para que haja grandes poetas é preciso que haja também um grande público”.

O que então se dizer deste tempo tão sem poesia além de, apenas, para os que escaparam com a simples constatação: De lástima é a pele dos pusilânimes!

Para os que se foram, ah, para estes os poemas solidários deste livro que é composto de 5 partes: a primeira, Poemas da última madrugada, na qual o poeta VCA descarrega logo de cara: “É de lata a alma do déspota / de mármore o sono da estátua”. E não menos indignado vocifera no seu poema Dou fé: “Rasgue entranhas / (suas ou do outro), seja... Estripe pássaro interior, voe ao vazio que é. / Não se curve ao peso da prece / não suje bolso de dízimo / não macule coração de usura /... / o horror nunca foi azul...”. Porque o poeta se mostra por inteiro num verso do seu História do Até: “...serei grito urbano e largo...” E assinará seu Escrito na água: “...Poema escrito com a pena da eternidade...” e com dose extra vaticinando no seu Visionário verbo: “...tudo tombará / Perante mortos olhos das sombras que seremos”. Além disso, diante das suas Utopias esgotadas dirá com maturidade: “... Eis que se apresenta putrefação faminta / eis que ânimo já se escoa fora do vaso da vida”. E demonstrará qual o Presente de grego: “... País vanguardista, hoje caminha para trás... envergonha o mundo em pleno século 21...”, porque não se entrega e resiste com a sua Identidade lírica: “Sou poeta (sim) / pois não teço, faço, emprenho verso / mas apenas acoplo palavras / ao inverso do poema / mui indireto, porém bem ambíguo”. Está dada a senha, a palavra de passe.

A segunda parte é composta por Nanopoemas, formada por dísticos, monósticos e tercetos que foram epigrafados por Hölderlin & Heidegger. E logo em um dos Sete monósticos id-otas ele adverte: “Ao captar significado de poema, afaste-se”. E para invocar os seus 77 Monósticos de carbono – Visão Poética do Alto da Cela, traz a epígrafe de Novalis: “A poesia é o verdadeiro real absoluto. Quanto mais poético mais verdadeiro. Tem-se com isso o teor do que reservam os versos de VCA daí por diante.

Na terceira parte é a vez dos Quatro poemas equívocus em que se pode sintetizar com estes seus versos: “... assim o mundo dos homens de hoje... apregoada e brasileira hecatombe...”. É com essa carga poética que ele prossegue e vai mais além de si próprio.

Na quinta parte, as Prosas Vitalícias em que ele traz de antemão a advertência: “Este, a propósito, é um livro de poesia, isto é, um tomo, reunião, compêndio de poemas complexo e dificilmente estaria à altura de quem o adquirisse, porque o estilo é bem astuto, pós-moderno, e paradoxalmente o autor vela pela ambiguidade e terceiros sentidos dos poemas...” E escorre com uma recomendação de que não o compre; se comprar, não abra, se abrir, não leia, se começar a ler, pare; e se já leu: esqueça! Mas para quem prosseguir, inadvertida, corajosa ou teimosamente, ele trará Notas Inexplicativas relacionadas à poesia e o abstracionismo de Kandinsky, de sua crença na dúvida, da liberdade gramatical, de Canudos e o que ainda não disseram as palavras, da Luz do Abismo e de Álvaro Lins, do Ulisses de Joyce e do entremear de razões incisivas sobre a Ars Poética em Prosa. Como fui um dos persistentes, digo logo: imperdível.

Por fim, o professor e crítico Sébastien Joachim tratará sobre a evolução da poética de VCA, detectada a partir da Ecologia da Negatividade e do Silêncio. Da minha parte digo que a categoria desta crítica dispensa qualquer comentário, ou no popular: quem sabe, sabe, mata a cobra e mostra o pau, nem precisa correr. Confira.

Sim. Ainda não é tudo.

A provocação maior de VCA está no próprio título da obra! E ele o faz ao seu modo, como Ralph Wald Emerson sentenciou: ”Somos todos gênios e só precisamos de coragem!” Então, para os que têm olhos e não veem, ouvidos e não ouvem, se arrastam e se debatem espíritos rasos e fúteis do ódio e do egoísmo na tagarelice da insipidez do proselitismo religioso, nas tolices de endeusamentos conservadores das superstições ou dos preconceitos das convicções e das disparatadas panaceias carregadas de recalques e com todo o tipo de restrição disso ou daquilo, enfim, para estes os seus versos soam como a frase de Gandhi: “O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”. E como Shaw: “O ódio é a vingança do covarde”. E como Joseph Joubert: “O medo depende da imaginação; a covardia, do caráter”. E muito mais.

Com espírito aberto VCA segue o próprio caminho com a coragem de se rebelar feito o solilóquio desobediente de Thoureau e com a lição do Agostinho da Silva na cacunda: ortodoxo nunca, heterodoxo jamais: paradoxo somos na carne, ossos, vísceras e interstícios. E com uma última advertência a quem bebeu as águas nos infernos de Lete para olvidar do passado inglório da história, esta a pusilanimidade, pois precisa prestar bem atenção a um detalhe indispensável: por maior que seja a indiferença, as ninfas das nove noites amantes de Mnemósine estarão sempre em riste. Saiba e se sinta vivente, porque VCA fará com que você possa ter altas e muitas sinapses neuronais e isso não é nada mais que viver. Viva.

 


DE LÁSTIMA É A PELE DOS PUSILÂNIMES

 

 

A uretra dos monges é tranquila

avanço da úlcera severo

Atônito o futuro dos condôminos de luxo

e dúbia a memória do escombro

azuis são as vísceras do enigma

vítrea a ira dos alcoólatras

tênue sina a dos insensatos e a pele

dos pusilânimes de lástima.

 

É de lata a alma do déspota

de mármore o sono da estátua.

 

Berço da escória o incêndio

ruína do rosto o tempo

último sopro apaga o mundo

tem a espessura de um segundo.

 

Fôlego dos moribundos é fraudulento

e o gesto do gato de veludo atento.

 


ESCRITO NA ÁGUA

 

A Cláudio Véras e Admmauro Gommes

 

 

Poema escrito com a pena da eternidade.

 

Pois, lírios comum e fútil, é inútil.

 

Que o poema traia

buscas, túmulos, verdades sáfaras

hinos, lumes, cinzas, seivas, hiatos de estrelas

enigmas duradouros, esquifes sem fé, cópias

de Deus copioso.

 

Escrever poesia absoluta é como escrever

sobre páginas de onda

sinuosas adeptas do vento (filhas de Éolo)

livro líquido por atacado de metáforas

molhadas como orvalho (e duvidosos como a vida).

 

E nele músicas de água (nada impoluta)

eco alto de trovoada pura

cães assustados sem ternura e notas à terceira margem.

 

A começar entrevero com leitor obstinado.

 

Escrever o nome na água é inverno

é pular do sólido que se desmancha à pele

escorregadia, macia e duradoura da água

sentir um si a eternidade líquida.

 

Na água é como Shelley escreveu

afogado de metáforas (no livro ou golfo

de Spezia um dia).

 

E Caronte certeiro levou para si

(oceano noturno) o desmonetarizado poeta.

 

Seu coração ígneo Keats cultivou

De fogo palpitando à sombra da palavra.

 

 

II

 

 

De margens rumorosas ribeiros lentos

E mares sem ventre vive a poesia.

III

 

 

De ânions e cátodos

de dissociações associadas

vive o núcleo da palavra

que partículas do verbo dinamizam

até que irrompa do poema absoluto

a página esmeralda, icônica e profunda.

 

O que convém à iluminação da palavra?

 

O elétron do verbo faz a luz?

 

Trêmulos cosmos arrostas, poeta.

 

Com teu verbo em riste (sem medo).

 

E buscas buscas, desencontros procuras

túmulos do cosmos buscas

e mitologias monetárias.

 


TODO VOO ÁSPERO E VIRTUOSO

 

 

Tudo porque o frêmito é azul quitinoso.

 

E vai do céu ao cérebro num voo instantâneo.

 

E o eco dos ossos do pássaro

vagia no páramo encantado

fazia rosas olharem-se

arrulha com o vento arrulhando

ou borboletas desnudadas

em seu livre flutuar do espaço.

 

Ermos dos olhos enraizando-se

nas sombras dos salmos.

 

Pássaros a olhar recintos de pedra

a graça do alpiste comemoram.

 

A trasladar almas sobre mármores

líquida veia de pedra

diva belga dos músculos acentua

brusco bíceps das asas aleluia.

 

Mármore do voo mestiça aurora vigia.

 

Como abobadas trêmulas

sobre crânio e flâmulas

o dia se anuncia.

 


CAMABILE DONDE DERIVA TOM MÚSICO

 

 

Enredo floral metálico embora automático.

 

Penumbra da aura ferida precipitando-se

como célere enfado do espirito corporal.

 

Trova de batom cintila. Lábio satura

de enfermiços tons espessos (quase ásperos).

 

Debrum de sombras alveja

penhoar vestido de tristeza.

 

Mar e céu confusos. Sob égide da noite absoluta.

 

Lento entalhe do espaldar. Cadeira solitária

no terraço que o vento abomina.

 

Esquálido relevo ilumina ossos ainda vivos.

 

Embora fanáticos.

 

Olhar bem perturbado

assinala faíscas de lágrimas

aquinhoa receituários, conduz

olhos ao naufrágio. Ótico oceânico.

 

Nada de verão lacrimogêneo.

 

Voo incógnito pelo vão do céu insone.

 

Largo viés de estereótipo não flameja.

 

A todo despudor do verbo.

 

Vibra surdina do vento

sobre tua alma corpórea.

 

Ecos de luz fugiam da claraboia

escapavam reflexos dos vitrais

da lamparina que a Cristo reluzia

relâmpagos saltavam rebelados

para de quartzo e luz cristalina

enigma da face do Senhor iluminar.

 

E ofender sombra a irmã da treva.

 


TRÍPTICO NOIR

 

 

 

(TREVA)

 

Treva nasce de girassóis.

Úlcera abomina antúrios.

Urra rosa ao morrer.

 

(SOLIDÃO)

 

Da solidão a alma exulta

quando noite vigila

e a treva perdura.

 

(CELA)

 

Cela entristece

quando dia avulta

e alma se alça

prisioneira da altura

a céu sem culpa.

 


MONÓSTICOS DE CARBONO

VISÃO POÉTICA DO ALTO DA CELA

 

 

Quantas épuras destino encerra?

 

Aduanas são noturnas.

 

Noite egípcia.

 

Beijo vértice de nojo.

 

Uxoricida rato sem sarjeta.

 

Úmida e acetinada geometria da lágrima.

 

Sandália de Empédocles Etna cospe.

 

Pandora não guarda mais esperanças.

 

Só palavra caixa de greda abre.

 

No mesmo saco gatos rasgam-se.

 

Inverno esculpe lágrimas no rosto do Central Park.

 

Máscaras inspiram-se em rostos.

 

Alma não escolhe corpos.

 

Párocos depauperam domingos.

 

Provérbios abatem intempéries.

 

Vândalo depreda horizontes.

 

Tímpano teme prédica.

 

Lento cemitério de lince.

 

Átimo centro do labirinto.

 

Novela invenção de Ariadne.

 


PROMETEU PAGA

 

 

Não era Prometeu acovardado

o titã a delírios estava acorrentado

a duras visões de pedra amarrado

preso a ilusões que deuses o prenderam.

 

E sonhava com corvos a devorar

seu fígado excelso

a destroçarem seu coração tenebroso

por toda a crua eternidade diariamente

a rochas do Cáucaso assemelham-se seu corpo

sua alma dilacerada eram lágrimas

o corpo titânico atado a pedras

espírito livre das correntes

e amarras dos homens

que ao titã temiam

(como camundongos inocentes

a belicosos gatos).

 

Prometeu fora deus humanizado

herói que clareou a humanidade.

 

Mais humano era que a horda das criaturas...

  


ADVERTÊNCIA A (IM)PROVÁVEL LEITOR

 

Especialmente, os do sexo masculino, os mais ingênuos, digo, os mais propensos a comprar livros de poemas, muito embora a tendência esteja se espalhando (como fogo na caatinga), e muitas mulheres preferem uma livraria a uma butique e uma coletânea de poemas a uma colônia de grife ou a uma sandália exibida no intervalo das novelas de TV, entre cremes faciais.

Este, a propósito, é um livro de poesia, isto é, um tomo, reunião, compêndio de poemas complexo e dificilmente estaria à altura de quem o adquirisse, porque o estilo é bem astuto, pós-moderno, e paradoxalmente o autor vela pela ambiguidade e terceiros sentidos dos poemas; igualmente, o “fazedor” zela pelo bem do seu bolso (leitor) e paz do seu espírito acomodado ao dia-a-dia tíbio (na acepção de Espanha) e recomenda que não o compre; se comprar, não abra, se abriu, não leia, se começou a ler, pare; se já leu: esqueça!

Pela atenção, o autor

 


DE LÁSTIMA É A PELE DOS PUSILÂNIMES – Poemas extraídos da obra De lástima é a pele dos pusilânimes (Criaart, 2022), do escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, que é composto pelo prefácio LAM (capa e ilustrações) O horror nunca foi azul ou a pusilanimidade se esboroa nos nanopoemas e monosticoutros da poesiabsoluta, mais os Poemas da última madrugada, Nanopoemas, Quatro poemas equívocus, Prosas vitalícias e Palavroutras com o texto Uma poética da negatividade por Sébastien Joachin. Veja mais aqui, aqui e aqui.