O
HORROR NUNCA FOI AZUL
ou
A PUSILANIMIDADE SE ESBOROA NOS NANOPOEMAS & MONOSTICOUTROS DA
POESIABSOLUTA
Luiz Alberto Machado
Este não é um
livro praqueles de sangue lívido quase fugidio, antes fosse. Talvez um
menoscabo aos pávidos, se tanto. Muito menos daquele tipo: vou ali, volto já.
Nem precisaria disso. Neste momento, com certeza, o autor estará elucubrando
sóis e estrelas no Sítio dos Espíritos, enquanto você passa as vistas nestas
mal traçadas linhas do introdutor. Melhor aprumar a conversa.
Sim, porque
nestes tempos sombrios em que o estouro das fossas trouxe à superfície o que
havia escondido de mais nefasto nos esgotos de Pandora, resta entoar a corajosa
Nênia de Abril para assumir que somos
todos poetas obscuros.
Digo isso
porque o biógrafo e dramaturgo estadunidense Edgar Lee Masters assinalou que os
poetas são um delicado sismógrafo, um barômetro que capta mudanças na pressão
atmosférica, um microscópio que descobre germes destruidores da carne do povo.
Um a zero,
outra: a confirmação disso foi dada pelo filósofo Will Durant ao atestar que
todas as verdades são velhas e só os poetas e os loucos podem ser originais.
Lá se vão
duas ou três porque Freud dizia que: “Os
poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim. O que eu
descobri foi o método científico que nos permite estudar o inconsciente”.
Mais e o
psicanalista Rubem Alves a mencionou: “Faz
tempo que para pensar sobre Deus, não leio os teólogos, leio os poetas”.
Concorde ou
não, lá na antiguidade ocorreu um fato bastante interessante: quando Alexandre
da Macedônia invadiu para destruição de Tebas, poupando apenas a casa do poeta Píndaro.
Deveras um caso raro, as biografias comprovam que foram poucos que tiveram esta
sorte.
Sim, até
mesmo Kafka que temia ser visto como repulsivo física e mentalmente, ao
escrever sua oração no leito de morte, Um
artista da fome, convocou seu amigo, Max Brod – a quem doou todos os
direitos sobre os seus escritos -, com a determinação de que queimasse tudo que
houvesse publicado ou inédito. Essa drástica decisão fora motivada por ter ele
passado a vida toda como um ilustre desconhecido, ganhando notoriedade apenas
postumamente e isso só porque o amigo ignorou o pedido e publicou toda sua
obra.
Fatos como
esse se repetiram, como a que ocorreu no revertério envolvendo o próprio
Píndaro que foi preso na batalha de Patea pela simples conduta pacificadora,
quando este estava sob os auspícios do rei Hierão de Siracusa. Se foi poupado
numa, não teve a mesma sorte na outra.
Quase o mesmo
se deu com o poeta Frínico que foi condenado pelo drama A tomada de Mileto, só porque levou a plateia às lágrimas com as
desgraças da cidade morta.
Não foi outra
a razão que levou o Walt Whitiman a lamentar: “Para que haja grandes poetas é preciso que haja também um grande
público”.
O que então
se dizer deste tempo tão sem poesia além de, apenas, para os que escaparam com
a simples constatação: De lástima é a pele dos pusilânimes!
Para os que
se foram, ah, para estes os poemas solidários deste livro que é composto de 5
partes: a primeira, Poemas da última madrugada, na qual o poeta VCA descarrega
logo de cara: “É de lata a alma do
déspota / de mármore o sono da estátua”. E não menos indignado vocifera no
seu poema Dou fé: “Rasgue entranhas /
(suas ou do outro), seja... Estripe
pássaro interior, voe ao vazio que é. / Não
se curve ao peso da prece / não suje bolso de dízimo / não macule coração de
usura /... / o horror nunca foi azul...”. Porque o poeta se mostra por
inteiro num verso do seu História do Até: “...serei grito urbano e largo...” E assinará seu Escrito na água: “...Poema escrito com a pena da eternidade...” e com
dose extra vaticinando no
seu Visionário verbo: “...tudo tombará / Perante mortos olhos das sombras
que seremos”. Além disso, diante das suas Utopias esgotadas dirá com maturidade:
“... Eis que se apresenta putrefação
faminta / eis que ânimo já se escoa fora do vaso da vida”. E demonstrará
qual o Presente de grego: “... País
vanguardista, hoje caminha para trás... envergonha o mundo em pleno século 21...”,
porque não se entrega e resiste com a sua Identidade lírica: “Sou poeta (sim) / pois não teço, faço,
emprenho verso / mas apenas acoplo palavras / ao inverso do poema / mui
indireto, porém bem ambíguo”. Está dada a senha, a palavra de passe.
A segunda
parte é composta por Nanopoemas, formada por dísticos, monósticos e tercetos
que foram epigrafados por Hölderlin
& Heidegger. E logo em um dos Sete monósticos id-otas ele adverte: “Ao captar significado de poema, afaste-se”. E para
invocar os seus 77 Monósticos de carbono – Visão Poética do Alto da Cela, traz
a epígrafe de Novalis: “A poesia é o
verdadeiro real absoluto. Quanto mais poético mais verdadeiro”. Tem-se com isso o teor do que reservam
os versos de VCA daí por diante.
Na terceira
parte é a vez dos Quatro poemas equívocus em que se pode sintetizar com estes
seus versos: “... assim o mundo dos
homens de hoje... apregoada e brasileira hecatombe...”. É com essa carga
poética que ele prossegue e vai mais além de si próprio.
Na quinta
parte, as Prosas Vitalícias em que ele traz de antemão a advertência: “Este, a propósito, é um livro de poesia,
isto é, um tomo, reunião, compêndio de poemas complexo e dificilmente estaria à
altura de quem o adquirisse, porque o estilo é bem astuto, pós-moderno, e
paradoxalmente o autor vela pela ambiguidade e terceiros sentidos dos poemas...”
E escorre com uma recomendação de que não o compre; se comprar, não abra, se
abrir, não leia, se começar a ler, pare; e se já leu: esqueça! Mas para quem
prosseguir, inadvertida, corajosa ou teimosamente, ele trará Notas
Inexplicativas relacionadas à poesia e o abstracionismo de Kandinsky, de sua
crença na dúvida, da liberdade gramatical, de Canudos e o que ainda não
disseram as palavras, da Luz do Abismo e de Álvaro Lins, do Ulisses de Joyce e
do entremear de razões incisivas sobre a Ars Poética em Prosa. Como fui um dos
persistentes, digo logo: imperdível.
Por fim, o
professor e crítico Sébastien Joachim tratará sobre a evolução da poética de
VCA, detectada a partir da Ecologia da Negatividade e do Silêncio. Da minha
parte digo que a categoria desta crítica dispensa qualquer comentário, ou no
popular: quem sabe, sabe, mata a cobra e mostra o pau, nem precisa correr.
Confira.
Sim. Ainda
não é tudo.
A provocação
maior de VCA está no próprio título da obra! E ele o faz ao seu modo, como
Ralph Wald Emerson sentenciou: ”Somos
todos gênios e só precisamos de coragem!” Então, para os que têm olhos e
não veem, ouvidos e não ouvem, se arrastam e se debatem espíritos rasos e
fúteis do ódio e do egoísmo na tagarelice da insipidez do proselitismo
religioso, nas tolices de endeusamentos conservadores das superstições ou dos
preconceitos das convicções e das disparatadas panaceias carregadas de
recalques e com todo o tipo de restrição disso ou daquilo, enfim, para estes os
seus versos soam como a frase de Gandhi: “O
medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”. E como Shaw: “O ódio é a vingança do covarde”. E como
Joseph Joubert: “O medo depende da
imaginação; a covardia, do caráter”. E muito mais.
Com espírito
aberto VCA segue o próprio caminho com a coragem de se rebelar feito o
solilóquio desobediente de Thoureau e com a lição do Agostinho da Silva na
cacunda: ortodoxo nunca, heterodoxo jamais: paradoxo somos na carne, ossos,
vísceras e interstícios. E com uma última advertência a quem bebeu as águas nos
infernos de Lete para olvidar do passado inglório da história, esta a pusilanimidade,
pois precisa prestar bem atenção a um detalhe indispensável: por maior que seja
a indiferença, as ninfas das nove noites amantes de Mnemósine estarão sempre em
riste. Saiba e se sinta vivente, porque VCA fará com que você possa ter altas e
muitas sinapses neuronais e isso não é nada mais que viver. Viva.
DE
LÁSTIMA É A PELE DOS PUSILÂNIMES
A uretra dos
monges é tranquila
avanço da
úlcera severo
Atônito o
futuro dos condôminos de luxo
e dúbia a
memória do escombro
azuis são as
vísceras do enigma
vítrea a ira
dos alcoólatras
tênue sina a
dos insensatos e a pele
dos
pusilânimes de lástima.
É de lata a
alma do déspota
de mármore o
sono da estátua.
Berço da
escória o incêndio
ruína do
rosto o tempo
último sopro
apaga o mundo
tem a
espessura de um segundo.
Fôlego dos
moribundos é fraudulento
e o gesto do
gato de veludo atento.
ESCRITO
NA ÁGUA
A Cláudio Véras e Admmauro
Gommes
Poema escrito
com a pena da eternidade.
Pois, lírios
comum e fútil, é inútil.
Que o poema
traia
buscas,
túmulos, verdades sáfaras
hinos, lumes,
cinzas, seivas, hiatos de estrelas
enigmas
duradouros, esquifes sem fé, cópias
de Deus
copioso.
Escrever
poesia absoluta é como escrever
sobre páginas
de onda
sinuosas
adeptas do vento (filhas de Éolo)
livro líquido
por atacado de metáforas
molhadas como
orvalho (e duvidosos como a vida).
E nele
músicas de água (nada impoluta)
eco alto de
trovoada pura
cães
assustados sem ternura e notas à terceira margem.
A começar
entrevero com leitor obstinado.
Escrever o
nome na água é inverno
é pular do
sólido que se desmancha à pele
escorregadia,
macia e duradoura da água
sentir um si
a eternidade líquida.
Na água é
como Shelley escreveu
afogado de
metáforas (no livro ou golfo
de Spezia um
dia).
E Caronte
certeiro levou para si
(oceano
noturno) o desmonetarizado poeta.
Seu coração
ígneo Keats cultivou
De fogo
palpitando à sombra da palavra.
II
De margens
rumorosas ribeiros lentos
E mares sem
ventre vive a poesia.
III
De ânions e
cátodos
de
dissociações associadas
vive o núcleo
da palavra
que
partículas do verbo dinamizam
até que
irrompa do poema absoluto
a página
esmeralda, icônica e profunda.
O que convém
à iluminação da palavra?
O elétron do
verbo faz a luz?
Trêmulos
cosmos arrostas, poeta.
Com teu verbo
em riste (sem medo).
E buscas
buscas, desencontros procuras
túmulos do
cosmos buscas
e mitologias
monetárias.
TODO
VOO ÁSPERO E VIRTUOSO
Tudo porque o
frêmito é azul quitinoso.
E vai do céu
ao cérebro num voo instantâneo.
E o eco dos
ossos do pássaro
vagia no
páramo encantado
fazia rosas
olharem-se
arrulha com o
vento arrulhando
ou borboletas
desnudadas
em seu livre
flutuar do espaço.
Ermos dos
olhos enraizando-se
nas sombras
dos salmos.
Pássaros a
olhar recintos de pedra
a graça do
alpiste comemoram.
A trasladar
almas sobre mármores
líquida veia
de pedra
diva belga
dos músculos acentua
brusco bíceps
das asas aleluia.
Mármore do
voo mestiça aurora vigia.
Como abobadas
trêmulas
sobre crânio
e flâmulas
o dia se
anuncia.
CAMABILE
DONDE DERIVA TOM MÚSICO
Enredo floral
metálico embora automático.
Penumbra da
aura ferida precipitando-se
como célere
enfado do espirito corporal.
Trova de
batom cintila. Lábio satura
de enfermiços
tons espessos (quase ásperos).
Debrum de
sombras alveja
penhoar
vestido de tristeza.
Mar e céu
confusos. Sob égide da noite absoluta.
Lento entalhe
do espaldar. Cadeira solitária
no terraço
que o vento abomina.
Esquálido
relevo ilumina ossos ainda vivos.
Embora
fanáticos.
Olhar bem
perturbado
assinala
faíscas de lágrimas
aquinhoa
receituários, conduz
olhos ao
naufrágio. Ótico oceânico.
Nada de verão
lacrimogêneo.
Voo incógnito
pelo vão do céu insone.
Largo viés de
estereótipo não flameja.
A todo
despudor do verbo.
Vibra surdina
do vento
sobre tua
alma corpórea.
Ecos de luz
fugiam da claraboia
escapavam
reflexos dos vitrais
da lamparina
que a Cristo reluzia
relâmpagos
saltavam rebelados
para de
quartzo e luz cristalina
enigma da
face do Senhor iluminar.
E ofender
sombra a irmã da treva.
TRÍPTICO
NOIR
(TREVA)
Treva nasce
de girassóis.
Úlcera
abomina antúrios.
Urra rosa ao
morrer.
(SOLIDÃO)
Da solidão a
alma exulta
quando noite
vigila
e a treva
perdura.
(CELA)
Cela
entristece
quando dia
avulta
e alma se
alça
prisioneira
da altura
a céu sem
culpa.
MONÓSTICOS
DE CARBONO
VISÃO
POÉTICA DO ALTO DA CELA
Quantas
épuras destino encerra?
Aduanas são
noturnas.
Noite
egípcia.
Beijo vértice
de nojo.
Uxoricida
rato sem sarjeta.
Úmida e
acetinada geometria da lágrima.
Sandália de
Empédocles Etna cospe.
Pandora não
guarda mais esperanças.
Só palavra
caixa de greda abre.
No mesmo saco
gatos rasgam-se.
Inverno
esculpe lágrimas no rosto do Central Park.
Máscaras
inspiram-se em rostos.
Alma não
escolhe corpos.
Párocos
depauperam domingos.
Provérbios
abatem intempéries.
Vândalo
depreda horizontes.
Tímpano teme
prédica.
Lento
cemitério de lince.
Átimo centro
do labirinto.
Novela invenção
de Ariadne.
PROMETEU
PAGA
Não era
Prometeu acovardado
o titã a
delírios estava acorrentado
a duras
visões de pedra amarrado
preso a
ilusões que deuses o prenderam.
E sonhava com
corvos a devorar
seu fígado
excelso
a destroçarem
seu coração tenebroso
por toda a
crua eternidade diariamente
a rochas do
Cáucaso assemelham-se seu corpo
sua alma
dilacerada eram lágrimas
o corpo
titânico atado a pedras
espírito
livre das correntes
e amarras dos
homens
que ao titã
temiam
(como
camundongos inocentes
a belicosos
gatos).
Prometeu fora
deus humanizado
herói que
clareou a humanidade.
Mais humano
era que a horda das criaturas...
ADVERTÊNCIA
A (IM)PROVÁVEL LEITOR
Especialmente,
os do sexo masculino, os mais ingênuos, digo, os mais propensos a comprar
livros de poemas, muito embora a tendência esteja se espalhando (como fogo na
caatinga), e muitas mulheres preferem uma livraria a uma butique e uma
coletânea de poemas a uma colônia de grife ou a uma sandália exibida no
intervalo das novelas de TV, entre cremes faciais.
Este, a
propósito, é um livro de poesia, isto é, um tomo, reunião, compêndio de poemas
complexo e dificilmente estaria à altura de quem o adquirisse, porque o estilo
é bem astuto, pós-moderno, e paradoxalmente o autor vela pela ambiguidade e
terceiros sentidos dos poemas; igualmente, o “fazedor” zela pelo bem do seu
bolso (leitor) e paz do seu espírito acomodado ao dia-a-dia tíbio (na acepção
de Espanha) e recomenda que não o compre; se comprar, não abra, se abriu, não
leia, se começou a ler, pare; se já leu: esqueça!
Pela atenção,
o autor
DE
LÁSTIMA É A PELE DOS PUSILÂNIMES –
Poemas extraídos da obra De lástima é a pele dos pusilânimes (Criaart, 2022),
do escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital
Corrêa de Araújo, que é composto pelo prefácio LAM (capa e ilustrações) O
horror nunca foi azul ou a pusilanimidade se esboroa nos nanopoemas e
monosticoutros da poesiabsoluta, mais os Poemas da última madrugada, Nanopoemas,
Quatro poemas equívocus, Prosas vitalícias e Palavroutras com o texto Uma
poética da negatividade por Sébastien Joachin. Veja mais aqui, aqui e aqui.