PREFÁCIO
Luiz Alberto Machado
Lá pelo início
dos anos 1970, conheci aquele que vinha gambeta de venta empinada pela Rua
Nova, carregando baldes atrás de lavagem pra porcos. De casa em casa gritava:
Tem lavagem? De dentro vinha resposta, positiva ou negativa e, dependendo
disso, ele se ria ou saia maldizendo tudo. Era, então, Zé Pelintra e não
arriava na beca, acertava os ponteiros prumode o quê?: Escavaquei na moringa do meu quengo / um parafuso que estava fora do
lugar / encontrei um baú cheio de rimas / com poemas e poesias a aflorar / de
repente peguei minha viola / acertei os ponteiros da razão / deleitei-me na
harmonia da canção / e expulsei estes versos da cachola. Isso prova que
mesmo parecendo um chato arengueiro, era cabra, no fundo, gente boa, só que se
amostrava como a peste. Era os tempos de estudante do Ginásio Municipal, das
estripulias licenciosas e maloqueiragens adolescentes. Pois bem, tempo vai,
tempo vem, a gente se danou na buraqueira do mundo e, uma década depois, se reencontra:
pinga, meiota, cajá, caju, seriguela, bunda de tanajura e lavando tudo com
cerveja, pilhéria, versejada e uma viola de 12 cordas Del Vecchio no meio da camaradagem.
Diz ele que eu afanei o instrumento desencordoado; não foi, na verdade. Queria
mesmo dar umas cipoadas boas no instrumento pra ver se aprendia direito. Não
deu, nunca passei de poetastro, mas graças a ela, um dia depois de uma tocada
boa, lá ia eu desprevenido pela rua e um cão que parecia um leão e nem
tanto, me atacou e nela me protegi. Resultado: do medo e quase cagado, o ataque
torou o braço da viola no meio que até hoje está num canto da casa de um
consertador amigo. Por conta disso, a gente manga um do outro até hoje: eu das
minhas besteiras de bestão tapado sem competência no métier; ele, da
sabedoria, não perde uma, desaforo que seja, na ponta da língua arrelia de
cima sem arriar no badalo no Como é que pode?: Às vezes fico pensando / com o juıź o balançando / lá e cá feito
gangorra / como é que uma cobra / sem ter os pés se desdobra / e corre que
só a porra! Eu que sempre fui um poeta de água doce, nunca acompanhei os
motejos poéticos dele, pois o sujeito é dos bons no Caboclo do Nordeste: O matuto caboclo do Nordeste / que se
orgulha em ser um nordestino / é um forte guerreiro no destino / é um bravo
arigó cabra da peste / sendo ele do sertão ou do agreste / defende as raıź
es até a morte / cultua com amor a natureza / ama a cultura com grandeza /
permitindo que a arte lhe transporte... De tão metido, vez em quando, no
meio das pinoias e trocas de ofensas, ele sapecava no pau da minha venta O rapé
de Marisa: Tabaco bom arretado / com
cheirinho de canela / cada pitada um espirro / chega doer as costelas / tem
venda em grosso e varejo / dependendo do desejo / que tem sua clientela / mais
digo com toda franqueza / que é mesmo uma beleza / o cheiro do tabaco dela.
Jogava mais na minha lata, nunca teve papas na língua. Pra você ter uma ideia,
o sujeito não cabe em si de tão folgado, não deixando qualquer loa sem os
respectivos breques: Cinco coisas que me
irritam / e vem me encabulando / é uma fila de banco / um polı́tico discursando
/ uma mulher barraqueira / uma torneira pingando / e o peste do carro do ovo /
na minha porta gritando. Feito pinto no lixo em qualquer faustoso repasto,
o enxerido solta uma lapa de língua e saçarica ineivado: Rosinha de Mané Fulô / uma caboca formosa / bunita feito a lua / da
face da cor de rosa / um corpinho violão / é mermo uma tentação / essa
caboca mimosa... E para mais me humilhar, arruma a gola no vinco e a fivela
nos quartos, enche o pulmão com afinco e se amostra todo ancho cheio do
Tataritaritatá: A poesia matuta / é um prato
especial / gostoso de degustar, / alimentando a alma / deixando a mente calma /
e o coração a amar / um amor feito em cordel / que o mundo tira o chapéu /
vendo um poeta versar! Não para por aı́, afina o gogó e pisa forte no caqueado:
É um ato varonil / resgatar nossa cultura
/ espalhar para o Brasil / a rica literatura / pelas redes sociais / e na TV os
canais / divulgando os menestréis / é treze com doze / é onze com dez / é
nove com oito / é sete com seis / cinco e quatro / mais um mais dois / e mais
três / se olhassem com amor / teriam bem mais valor / o cantador de vocês.
Pois bem, esse alagoano de Passo de Camaragibe chegou menino em Palmares, fincou
os pés no chão proseando todo exaltado: Vem
um final de semana / três amigos e um bar / pingas, cervejas e a embriaguez /
uma discussão, uma briga / e tá no chão o freguês / chega a cana e ver-se
três amigos / um morto, outro preso e um fugitivo / e lá se foi mais um final
de semana. Com o tempo, como um bom embeiçador da tirana, tornou-se
técnico em produção de açúcar e álcool e, também, em
logística e gestão de pessoas. Graduou-se em Teologia para ampliar seu
arcabouço intelectual: afinal, pro cabra ser bom tem que entender de tudo, até
das coisas do outro mundo que ele se diz doutor. Publicou uns livros. Destes,
eu tenho um livro e um cd: Feitos d'versos (Outras Palavras, 1995) e Umas &
outras. O restante deles, não sei se por pirangagem da sua mão de figa, nem
eu tenho, nem na biblioteca ou na Academia onde ele ocupa uma das cadeiras de
imortal, podem ser encontrados: Sussurros da mata (Bagaço, 1986), Num rio de
poesias (Universitária, 1987), Despertar no rincão, Matutando na literatura e
Prosa de terreiro. S'assunte, meu véio, faça isso não. Reapareceu com a obra
Nordestino sim senhor (JC, 2018), muito bom. Agora ele vem de Proseando com a
cultura: [...] nunca arrematei um mote /
pra não ver a bagaceira / também não faço heresia / faço o que a mente cria
/ pois ela é de primeira / e sem insistir na natura / vou a mesma admirando /
e a vida vou levando / proseando com a cultura. Só tenho agora uma coisa a
dizer: esse é dos bons, afianço (quem sou eu? Ah, um bicho cheio de nó pelas costas
e bestão metido às pregas), pois esse José Maria Sales, o poetamigo Pica
Pau, é daqueles que começa no palavreado e a gente não quer mais parar. Manda
ver, poeta! Confira no livro é o melhor que você pode fazer e veja se digo a
verdade ou não. Vamos sempre juntos!
INSPIRAÇÃO
DE UM POETA
Peguei
carona no cangote da saudade
Entrei no
túnel das lembranças do passado
Folheei
num livro do arquivo morto
Li um
poema pelo o tempo empoeirado
Ultrapassei
as fronteiras do horizonte
do além
veio informações de monte
Pra me
sentir um poeta inspirado
ESTUDA
MENINO
O que
seria do mundo
e como ele
seria
sem a
carta do A B C
ciência,
geometria
português
e outras mais
matérias
a se aprender,
que rumo
tomava a nação
e onde
iria chegar,
onde nós
ıá mos parar
sem a
nossa educação.
FALEI Tá FALADO
Quando
falo que tá certo
também
digo tá errado,
quando
falo é habitado
também
digo é deserto,
quando
falo que é perto
também
digo é no in_inito,
quando
falo é bonito
também
digo é avessado,
quando
falo tá falado
e quando
digo tá dito.
ME PERGUNTARAM:
Pica Pau
se come?
Respondi:
Nem cru e
nem cozinhado
Porquê a
carne é dura
o nervo é
entranhado,
seu sangue
é venenoso
mata não
deixa recado,
mas se
você quiser tentar
com jeito
da pra chupar
a cabeça
do danado.
ACERTANDO
OS PONTEIROS
Escavaquei
na muringa do meu quengo
um
parafuso que estava fora do lugar
encontrei
um baú cheio de rimas
com poemas
e poesias a a_lorar
de repente
peguei minha viola
acertei os
ponteiros da razão
deleitei-me
na harmonia da canção
e expulsei
estes versos da cachola.
PROSEANDO
COM A CULTURA – Lançado recentemente
a obra “Proseando com a cultura” (CriaArte, 2022), do poeta Picapau – José Maria
Sales, que é Técnico em Produção de Açúcar e Álcool e em Logística e Gestão de
Pessoas, graduado em Teologia, e membro da Academia Palmarense de Letras
(APLE). É autor dos livros Feitos
d'versos (Outras Palavras, 1995); Sussurros da mata (Bagaço, 1986), Num rio de
poesias (Universitária, 1987) e Nordestino sim senhor (JC, 2018). Veja mais
aqui, aqui e aqui.