quarta-feira, setembro 23, 2015

ENTREVISTA GILBERTO MENDONÇA TELLES


ENTREVISTA - Gilberto Mendonça Teles é poeta, advogado e professor universitário de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira.
Formado em Letras Neolatinas na Faculdade de Filosofia da Universidade de Goiás e, também, bacharel em Direito na mesma universidade. Defendeu a tese de doutorado em Letras, Drummond: A Estilística da Repetição, publicada em 1970 (Ed. J. Olympio), na PUC/RS.
Na década de 1980 foi professor visitante de Literatura Brasileira na Universidade de Lisboa e no Centro de Apoio da Madeira, em Portugal, e professor-associado na Université de Haute Bretagne, na França. Em 1991 foi professor visitante de Literatura Brasileira e Latino-americana da Universidade de Chicago (Estados Unidos) e, entre 1993 e 1994, integrou a equipe dos Archives de la Litterature Latino-américaine, em Paris (França).
Publicou seu primeiro livro de poesia, Alvorada, em 1955 e sua obra poética ainda inclui os livros Arte de Armar (1977), Nominais (1993) e & Cone de Sombras (1995), entre outros.
Já recebeu 18 prêmios literários, entre os quais: "Álvares de Azevedo" [Poesia], da Academia Paulista de Letras, 1971; "Olavo Bilac" [Poesia], da Academia Brasileira de Letras, 1971; "Sílvio Romero" [Ensaio], da A. B. L., 1971; "IV Centenário de Os Lusíadas" [Literatura Comparada], da Comissão do IV Centenário de Camões, 1972; "Prêmio de Ensaio", da Fundação Cultural do Distrito Federal, 1973; "Brasília de Poesia", do XII Encontro Nacional de Escritores, 1978; "Cassiano Ricardo" [Poesia], do Clube de Poesia de São Paulo, 1987; e "Machado de Assis" [Conjunto de Obras], da Academia Brasileira de Letras, 1989.
Detentor de um currículo invejável que, inclusive, daria para encher várias páginas deste site, Gilberto Mendonça Teles acima de tudo é bastante gentil, simpático, acessível e está disposto sempre a atender os que chegam. Exemplo disso sou eu que depois de me debruçar sobre o seu livro “Hora aberta”, tomei a iniciativa de realizar esta entrevista o que, agora, você, internauta, poderá ter a dimensão do prazer e honra de vê-la aqui reproduzida.

Com vocês, Gilberto Mendonça Teles.

GP - Gilberto, você recentemente comemorou 50 anos de poesia que culminou com a publicação da sua antologia “Hora aberta”, em 2003, pela Vozes. Gostaria, portanto, de começar nossa entrevista perguntando como e quando foi que o menino de Bela Vista de Goiás se encontrou com a poesia, com a literatura? Como se deu esse encontro? Como foi essa descoberta?

Meu caro Luiz Alberto Machado, começo por lhe pedir desculpas pela demora em responder a sua entrevista. Quero que saiba que me sinto muito honrado em aparecer no seu Guia de Poesia. Antes de responder às três perguntas deste item, esclareço que meu primeiro livro, Alvorada, foi publicado em 1955 e, portanto, a comemoração dos 50 anos de sua publicação se deu no ano passado, quando a Academia Goiana de Letras organizou um seminário sobre a minha poesia. A partir daí foram acontecendo outros eventos, no Rio de Janeiro e em universidades estrangeiras, como se verá na introdução de Eliane Vasconcellos no livro “A plumagem dos nomes: Gilberto 50 Anos de Literatura”, a sair brevemente. Aliás, gostaria de que esta entrevista — a última desses eventos — também figurasse nesse livro.
“A Hora aberta”, que você está chamando de antologia, é na verdade a 4ª edição de meus Poemas reunidos. Das três edições publicadas pela José Olympio, a primeira é de 1978 e se chamou mesmo Poemas reunidos: teve prefácio de Emanuel de Moraes e um “Apêndice Crítico” que selecionou a fortuna crítica de meus livros de poemas de 1955 a 1977. A 2ª edição é do ano seguinte, ainda com o mesmo título de Poemas reunidos. Já a 3ª edição, de 1986, incluiu outros livros e tomou o nome de Hora aberta, título que se manteve na 4ª edição, publicada pela Editora Vozes, em 2003. Esta é uma edição, que se poderia dizer de luxo, com livros novos e com os dois primeiros (Alvorada e Estrela-d’alva) completos. Até então esses livros iniciais da minha carreira apareciam com uma seleção de poemas. Na verdade tenho várias antologias (seleções) de meus poemas, tanto no Brasil como em países como Uruguai, Espanha, França, Estados Unidos, Itália, Bulgária, Alemanha, Romênia e em língua catalã. Feitos esses esclarecimentos, vamos passar às questões que você propõe.
Meu encontro com a poesia (se é que realmente a encontrei, pois me vejo sempre em busca) deve ter mesmo o seu “como” e o seu “quando”, como tudo que é submetido a uma apreciação histórica. No entanto, nas autobiografias (e uma entrevista não deixa de o ser), não parece haver apenas um “como” e um “quando”, pois eles se encadeiam numa seqüência de acontecimentos simultâneos e crescentes, em forma de desejo indefinido e de esperança confusa e, com o tempo, se consolidam num projeto de vida, o qual, ao lado de outros projetos de vida, acabam por se transformar no mais importante, naquele sem o qual é impossível o absoluto da vida.
Neste sentido, o “como” e o “quando” iniciais devem ter sido a partir dos seis anos, no meu amor crescente à escola, aos livros, aos exercícios, aos cadernos (que ainda guardo) e no respeito à professora que me levou a decorar um poema de Bilac (“A pátria”) e a recitá-lo em classe. Tudo isso armou na imaginação do menino alguma coisa de gosto, de enlevo, de algo que lhe agradava e que se foi aperfeiçoando pela vida a fora. A leitura de poesia e de prosa na adolescência, o gosto pela leitura, já nos treze e catorze anos, foi consolidando o espetáculo da literatura e me dando consciência futura de que a imaginação, o sentimento e o conhecimento se misturavam na criação literária. Portanto, era preciso ler, era preciso estudar e escrever, escrever, escrever. Com o tempo se fez a autocrítica e a maioria desse material entre os treze e dezessete anos permanece inédita por trás de uma das minhas estantes. Assim, o “encontro” e a “descoberta” foram um processo da infância para a adolescência e desta para a mocidade e para o homem que ainda teima em continuar a ser e agir como menino.

GP -. Nesses mais de 50 anos de poesia, vários livros publicados, muitos prêmios, inúmeras antologias, tudo deixa a indagação acerca de quais influências foram mais marcantes no processo de criação e no seu trabalho ensaístico?
É uma pergunta ao mesmo tempo ampla e sintética. Envolve toda a minha produção na poesia e na crítica. Creio que pode ser assim resumida:
Na Poesia, as influências vêm, primeiro, dos poetas que fui lendo, como os românticos (Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Gonçalves Dias — nesta ordem de leitura); os parnasianos (Bilac, Raimundo Correia, Vicente de Carvalho, Alberto de Oliveira — também nesta ordem); os simbolistas (Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens); e os modernistas que foram chegando com Mário de Andrade, Menotti, Drummond, Schmidt, Cecília e, mais tarde, Lêdo Ivo, João Cabral e Alphonsus de Guimaraens Filho. São poetas que li mesmo, li tudo, como depois fui lendo todos os modernistas, sem exceção. Assim como leio hoje os novos, os novíssimos, todos os livros que chegam à minha casa: arranjo sempre um tempinho para leitura. Esses os poetas brasileiros, mas fui também me iniciando nos estrangeiros: primeiro os de língua neolatinas que procurei ler ou no original ou em tradução, como os franceses, os italianos, os espanhóis e os portugueses. Li (e ainda leio) Apollinaire, Aragon e Reverdy; Quasímodo, Ungaretti e Montale; Lorca, Vicente Aleixandre e Jorge Guillén; e Fernando Pessoa. Mas li também os de outras línguas: Goethe, Rilke e Hölderlin; Yeats, Eliot, e não sei quem mais. Claro, li também os clássicos principais, gregos e latinos. Isto sem se falar nos contos e romances, que sempre leio.
Quanto à Crítica, outro gênero que cultivo, li e leio o que posso. Aprende-se muito lendo o que um bom crítico fala sobre a literatura e seus gêneros. Às vezes os comentários de um poeta valem mais do que a secura de um crítico, sobretudo os da área universitária e seus discípulos. Os comentários críticos de Alencar, Machado de Assis, Araripe Júnior, Sílvio Romero, José Veríssimo, Agripino Griecco, Tristão de Athayde, Sérgio Milliet, Álvaro Lins, Antônio Cândido e de poetas como Péricles Eugênio da Silva Ramos estão na linha dos que mais me influenciaram, no Brasil. Damaso Alonso, Amado Alonso, T. S. Eliot, Leo Sptizer são meus mestres: me ensinaram a procurar sentidos na linguagem literária.
Não se pode esquecer que, sendo professor de teoria literária e de literatura brasileira, todos os grande teóricos do século XX contribuíram direta ou indiretamente para a minha formação intelectual, para o meu conhecimento das artes, principalmente da arte verbal, da literatura. Assimilei deles o que mais se adequava ao meu gosto e à minha autocrítica e não só passei isso aos alunos (leciono na universidade há mais de quarenta anos), como utilizei esse conhecimento para a criação da poesia como para a criação da linguagem crítica.

GP - Tudo começa com Alvorada, em 1955 e chega até Hora aberta: que avaliação você faz dessa trajetória de mais de 50 anos de poesia?  

A linhadas influencias mencionadas pode dar o sentido (a direção estética) desta parábola que se estende de 1955 a 2005. Bem olhada, essa trajetória revela, em primeiro lugar, dois projetos que se foram desdobrando e se entrecruzando na cátedra e na produção literária — o da poesia e o da crítica. Percebe-se uma continuidade, uma regularidade na publicação dos livros, que foi gerando uma “fortuna crítica” apreciável, que se pode ver em livros como Gilberto: 30 anos de poesia, publicado pela Universidade Católica de Goiás, em 1986; Poesia & crítica: Antologia de textos críticos sobre a poesia de G.M.T, organizado por Dulce Maria Viana em 1988; Gilberto: 40 anos de poesia, editado pela PUC-Rio em 1999; e agora, no prelo, A plumagem dos nomes: Gilberto 50 anos de literatura, organizado por Eliane Vasconcellos, chefe do Arquivo-Museu de Literatura da Fundação Casa de Rui Barbosa. Merece ainda o registro de que, além das várias teses (mestrado e doutorado) sobre a minha poesia, saíram recentemente o livro O selo do poeta, de José Fernandes (Rio de Janeiro, Galo Branco, 2005) e O redemoinho do lírico, de Darcy França Denófrio (Petrópolis, Vozes, 2005). Pelo que se vê, pode-se avaliar esta trajetória talvez como a de um sujeito teimoso que, mesmo contra as vicissitudes da vida e da política (AI-1 e AI-5), não arredou pé da sua crença na literatura e no livro e veio ao longo do tempo tentando ser diferente de livro a livro, embora se sabendo o mesmo na sua diferença.

GP - Estudando sua obra, vê-se que você transita desde formas tradicionais do gênero poético até as mais modernistas, vanguardistas, passando pelos formatos populares do cordel, o que o faz condutor de um regionalismo experimentalista, num percurso que levou Assis Brasil a dizer que sua poesia vai além dos -ismos, bebida na tradição nova de uma nova literatura. O que você nos diz dessa multiplicidade de expressões?
 
Creio que você já respondeu por mim, tal a síntese crítica da sua pergunta. É isto mesmo. Comecei aprendendo as formas da poesia tradicional: aprendi a fazer os versos de sete sílabas com a “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias e com os “Meus oito anos”, de Casimiro de Abreu. Vi depois que era o mesmo ritmo das quadrinhas populares e dos folhetos de cordel, o que me deu com o tempo a noção rítmica dos registros escritos e orais. Depois aprendi a fazer versos decassílabos com Álvares de Azevedo e Castro Alves, como na parte final de “O navio negreiro”. Cheguei aos alexandrinos com Bilac e ao verso livre com Mário de Andrade e Manuel Bandeira, sobretudo Bandeira, que continua a me ensinar o jogo rítmico em poemas metrificados e nos de versos livres. Enfim, lendo os poemas e estudando em manuais de metrificação, como o famoso de Bilac e Guimarães Passos, estudando os versos no grego e no latim e em todas as línguas românicas modernas, adquiri a liberdade de expressar a linguagem poética da maneira que mais me agrada. E rio por dentro quando ouço a crítica que me fazem (sem a coragem de escrevê-la) de que sou tradicionalista porque sei metrificar. E o gozado é que a maioria dessa crítica (oral) mostra nos seus escritos que não sabe nada de poética e de retórica. Exemplo: a besteira dos que criticam o soneto, sem saber fazê-lo. A “multiplicidade de expressões” põe à mostra a angústia da busca, as tentativas de se chegar ao melhor, dentro daquele sentido grego do aretê (αρετή), isto é, virtude de se fazer o melhor em tudo que se faz.

GP -Além de poeta, ensaísta e professor universitário, você já realizou estudos acerca da obra de Drummond, de Camões e sobre a Literatura de Goiás, dentre outros. Qual o seu parecer atual acerca da literatura do seu Estado? O que você destacaria no universo literário?

Antes de responder, vou reduplicar a sua afirmativa e informar que, como professor universitário, sou hoje Professor Emérito da PUC do Rio de Janeiro e da Universidade Federal de Goiás, coincidentemente nos meus 50 anos de literatura. Há uns anos atrás a Universidade Federal do Ceará me deu o título de Professor Honoris Causa. Sou feliz por isto. Continuo lecionando e orientando teses na Pós-Graduação da PUC-Rio e do CES (Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora). Meu livro sobre Drummond (Drummond: a estilística da repetição) está hoje na 4ª edição. Foi minha tese de doutoramento. O livro Camões e a poesia brasileira teve a sua 4ª edição em 2001, em Portugal, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Mostra a repercussão da obra e do nome de Camões na literatura culta e popular em todos os países lusófonos, na Europa, na África e no Brasil. Quanto a A poesia em Goiás, trata-se de um ensaio de historiografia literária, dos meus trinta anos. Procurei mostrar nele todas as manifestações de poesia, escrita e oral, no Estado de Goiás, da segunda metade do século XVIII até a data de sua publicação, em 1964.
Embora não esteja acompanhando bem a intensa publicação do livro goiano, posso afirmar, pelos que recebo e pelos que foram publicados nos últimos anos, que a atividade literária em Goiás é uma das mais ricas do Brasil, com obras importantes na poesia, no conto, no romance e na crônica. Basta acompanhar o catálogo de uma editora como a Kelps para se ter idéia da efervescência cultural dos goianos. Além dos grandes escritores falecidos como Hugo de Carvalho Ramos, Bernardo Elis, José J. Veiga, Afonso Félix de Sousa, José Godoy Garcia, e no mito Cora Coralina, cuja obra é mais louvada que estudada (estou pondo em negrito), há poetas de valor como os que publiquei no nº 7 da revista Poesia para todos, de 2005.

GP - Qual o propósito que levou você a estudar e publicar seus estudos acerca das obras, dentre outros,  de Drummond e de Camões?

Como acabei de dizer, o livro sobre Drummond (de que ele gostava, conforme me disse por escrito) foi minha tese de doutoramento, defendida na PUC do Rio Grande do Sul, em 1969, no ano do AI-5: acabei de defendê-la e recebi a “condecoração”... Com este livro, mostrei que a estilística, que exige um conhecimento maior de linguagem (da gramática, da filologia, da lingüística e da semiologia) é um instrumento imprescindível na análise da linguagem poética, coisa que o estruturalismo nunca conseguiu fazer bem feito. É só ver os inúmeros ensaios que abarrotaram o armazém (diria Drummond) dos livros e das teses de teoria literária no Brasil. Com relação a Camões e a poesia brasileira foi um livro feito para o concurso da IV Centenário de Os Lusíadas, em 1974. O concurso foi no ano anterior, daí a data da primeira edição do meu livro. Em cada uma das três edições que se seguiram acrescentei novo material. Houve uma comissão de cinco membros de professores e estudiosos de literatura; a maior parte dos professores de literatura portuguesa concorreram. Como eu ganhei o primeiro lugar, com prêmio em dinheiro e a publicação, tive imediatamente o ciúme dos velhos e “famosos” professores que começaram a dizer que eu estava invadindo a área deles. Coisa de fazer rir e que me fez um dia mandar uma deles a pqp. Acho que foi, pois nunca mais me procurou.

GP - Você já foi presidente por duas vezes da União Brasileira de Escritores, de Goiás. Dessa experiência, que avaliação você faz hoje da entidade no fomento à atividade do escritor? Afinal, qual o papel do escritor a seu ver?
Todas as UBEs que conheço, com exceção talvez da de São Paulo, têm como única função social distribuir prêmios anuais. Isso tem lá a sua importância, pois serve de emulação ao escritor, velho e novo. Nisso elas se parecem com os PEN Clubes. Mas elas (vale o cacófato) não têm nenhum serviço de proteção ao escritor, de fomento à atividade do escritor, como está na sua pergunta. Direitos autorais, auxílio social e de saúde, suplementos ou páginas literárias nos jornais, contatos editoriais, nada disso está nos objetivos dessas entidades que funcionam (quando funcionam) como salões de reunião sociais e, até, como lugar de elogios mútuos, de prêmios mútuos, etc.
Quanto ao papel do escritor, é claro que é o de escrever. Mas isto não significa, como queria a famigerada esquerda brasileira, que ele tenha a obrigação de denunciar. Numa resposta a Antônio Rezk, no jornal O Escritor, da UBE de São Paulo, quando ganhei o “Juca Pato”, escrevi que:
Desde cedo ouvi dos escritores mais velhos que a literatura era o "reflexo da sociedade". Mas ninguém no Brasil me dizia qual a natureza desse reflexo e como ele se dava: Era um simples espelho, de estrutura ambígua — de uma, duas ou mais faces? "Refletia" direta, indireta ou simbolicamente? Estava dentro ou fora da sociedade? Enfim, questões que cresceram comigo até que fui encontrando pensadores como Alain Badiou ("A literatura não reflete o real, uma vez que é o real desse reflexo"); teóricos da história, como Jacques Le Goff, para quem "O romance [a literatura] não é produzido para descrever a sociedade e ele não a reflete, pois é parte dela. É a parte inquieta e sombria, é seu grito de angústia, seu esforço para solidificá-la"; e grandes poetas como Willian Butler Yeats, para quem "o espelho deve se tornar lâmpada, converter-se em sua própria atividade criadora e emitir a sua luz própria". Com isto, toda uma teoria romântica, de origem platônica, era posta em xeque no seu absolutismo. Ao lado da concepção tradicional, passei a ver a literatura (em todas as suas manifestações) como uma forma especial de Arte, isto é, uma arte literária, de linguagem autotélica, altamente construída, capaz de ir além dos simples condicionamentos políticos e atuar, estética e criticamente, na formação e na transformação da consciência social. Daí porque os governos discricionários têm sempre medo dos escritores.

GP - E a Academia Brasileira de Letras? Quais são suas perspectivas e avaliações acerca da ABL?

Penso que ela é um mito nacional e também o ideal social de todo escritor. Mas não (será que vale o cacófato?) é só do escritor ao pé da letra ou no espírito da letra. O que conta para entrar lá não é ter um livro, mas possuir um renome ou então um amigo influente nos quadros acadêmicos.

GP - Como nos encontramos realizando esta entrevista para um Guia de Poesia que está hospedado como site da Internet, inevitável tocar no assunto. Por isso de que forma você encara a atividade do escritor com o advento da rede? A Internet tem contribuído para difusão do escritor? Tem propiciado a democratização da informação? Tem colaborado com a difusão da sua obra?

Vejo a redecomo mais um veículo de ampliação da cultura e do gosto literário. Inegavelmente, ela contribui para a difusão da obra literária e do escritor. É um meio de democratização da informação, uma vez que a põe à disposição de um maior número de pessoas, independente de sua possibilidade econômica. Faz pouco tempo (18 de setembro) respondi a um inquérito sobre a importância da Internet para a Literatura. Eis o que escrevi:
Na literatura (e possivelmente em todas as artes) o processo de transformação, no sentido do melhor, é inicialmente dialógico, uma tensão entre a visão consagrada  (que predomina) e a que se quer diferente e, para isso, se diz nova, revolucionária. O que resulta dessa "briga" entre o velho e o novo é mesmo um velhonovo ou um novovelho, uma coisa assim  que só com o tempo se deixa distinguir melhor, ganhando às vezes um nome especial no panorama literário. Nesta perspectiva, a pergunta tem de ser, inicialmente, respondida levando-se em consideração os dois lados:
a)  " A internet favoreceu"? Penso que sim: ela põe o conhecimento à disposição de maior número de interessados que, facilmente, pode comparar e avaliar os elementos da Arte Poética em todo o mundo. Se o internatuta é curioso e está picado pelo desejo de saber, ele acaba adquirindo meios de fazer, de experimentar e de criar o seu objeto literário.
b) " A Inrternet aviltou a Arte Literária"?  Olhada como facilidade e pela ignorância dos que não a conhecem bem, pode-se pensar num possivelmente "aviltamento", no sentido de que a arte não gosta do fácil, pois, como no poema de Drummond, o fácil o fóssil.
Uma possível conclusão é que o talento literário, com Internet ou sem ela, sempre saberá  extrair do novo ou do velho o sumo, a soma e, por isso mesmo, a suma de alguma coisa  original.

GP - Por fim, gostaríamos de saber quais os projetos que o poeta e ensaísta Gilberto Mendonça Teles tem por meta realizar?
 
Neste fim de ano estou indo a Europa (conferências em Portugal e na França, onde se lança La syntaxe invisible, antologia de meus poemas em francês). Volto depois do dia 15 de dezembro e já começarei a ultimar um livro sobre poesia, outro sobre romance, uma seleção das minhas entrevistas, outro volume de crítica e ensaio (Contramargem –II). Está para sair a 4ª edição de Os melhores poemas, da Global; uma antologia em italiano, outra em inglês, e acabou de sair uma em búlgaro. Haja trabalho e esperança! Obrigado, meu caro Luiz Alberto Machado.

Quem agradece sou eu, mestre Gilberto. Entrevista concedida com exclusividade para o Guia de Poesia – Projeto SobreSites, em 2006, e incluída no livro A plumagem dos nomes: Gilberto, 50 anos de literatura (Kelps, 2007). Veja mais aqui, aqui e aqui.

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