quinta-feira, agosto 10, 2017

A ARTE & ENTREVISTA COM PAULO PROFETA


VIDA PARA TODOS

Quero viver
Com a força que acredito ter
E
Transformar essa crença
Na vida mais intensa
Mais cheia
Onde o ócio dê lugar
Ao que fazer
Quero viver
Como se tivesse a missão de todos.
Pena que para isso
Eu precise morrer
Para mim e
Viver para todos.

CÂNTICO PALMARES

Meu cântico a Palmares
Da Rua do Rio
Da Rua das Pedreiras
E das Ladeiras de Bigode
Daquele pagode
Lá de Santo Onofre.
Vou cantar Palmares
Para ver como sofrem os inquilinos
Das ruas sem nome:
É cheia, inundação
É morro, é chão batido,
É rieira, desmoronamento,
É choro partido dos filhos esmolando.
Meu cântico a Palmares
Aos heróis da resistência
Veludo, Rabeca,
Zé sem profissão,
João sem futuro,
Que podem divertir os que ainda hoje
Acreditam no porvir.
Vou cantar Palmares andando a pé,
Pisando o mesmo caminho
De Ascenso Ferreira, Fenelon Barreto,
Raimundo Alves, Artur Griz, Givanilton Mendes, Luiz Berto...
O Clube Literário, A Notícia
Pax Dourada, o Clube Ferroviário,
O antigo mercado
Museu da lembrança que já acabou.
Vou cantar
Meu cântico a Palmares
Santa Rosa, Santa Luzia
São Francisco,
A Rua do Esconde Negro,
O Beco do Engole Homem,
A Rua da Viração,
Vamos cantar comigo
Este cântico de oração.
Cante uma vez,
Cante de novo,
Vamos cantar
O sonho desse povo
Numa só voz,
Num só coro
Um canto de luta
Um canto de paz
Vamos cantar Palmares
E não chorar jamais.

SERVENTIA

Na vida encontrei a dor
Tropecei,
Magoei
As costas encaliçadas
Das poltronas públicas;
Das desburocratizações raquíticas
Que se perderam em monturos.
Feri os dedos
Nos cálculos orçamentários do rotineiro
E senti sangrar as vísceras do trabalhador
De tanta inércia.
Parei o fiel
Da balança da renda
- não precisava pesar:
Vários atlas financeiros
Equilibram o mundo
Com os pés no ar.
Escutei otimistas
Empanturrados nas mordomias
Traçando e deduzindo formulas
De ilusória divisão.
E eu;
E muitos
Pasmados
Sem nos prestarmos para tal
Ficamos a gritar na noite
Esperando a serventia acabar.

VIDA DIFICIL

Quem não conhece Maria
Nunca saiu
Basta frquentar as angustias da noite.
Noite afora
Se vê Maria toda fantasia:
Cara, pele e riso,
Concubina das madrugadas
Em cada ombro debruçada
Maquinando alegria.
Em cada gole
O prazer de expor a sorte
Na sobriedade contraditória
Do copo de aguardente;
Em cada homem, o trabalho
De, no suor do leito,
Conseguir o mísero salário.
Quem vê Maria
Na manhã a embalar seu filho
- somente eu
Não conhece a outra
Que nos bares de ontem,
Num quarto qualquer
Seu corpo vendeu.
Quem vê Maria
Num beijo singelo saindo pro trabalho
Se despedindo do lar.
Quem vê Maria
Sem riso, sem fantasia,
Nunca diria que sua vida é fácil.

MINHA DONA

Não quero lhe fazer apologia,
Nem lhe tornar musa,
Mas descobri que você
Meiguice eterna em minha companhia
É o melhor de minha felicidade
O mais rico de meus poemas
Que nunca consegui escrever.
Você
Poema-vida que será inédita
Em cada gesto,
No cuidar da casa,
No brincar com as crianças,
No abraço e nos carinhos de todas as noites.
Até mesmo na indecisão das horas
E nos instantes de impaciência.
Não quero render homenagem
Para não me sentir convencional
E apenas gratificado com você.
Mas não reclamo num poema
Nem me desculpo
Não há nada a desculpar.
E da vida
Quero apenas que você me tenha
Assim como a amo e tenho
Nada mais.

ENTREVISTA


LAM - Paulo, conta pra gente como e quando se deu seu encontro com a arte.

Meu encontro com a arte... Vem da infância. Desenhava as figuras da história: D. Pedro I e II, Mauá, D. João VI... e principalmente Tiradentes, pois estudava em Aracaju-SE, no Colégio Tiradentes, e na segunda quinzena de abril ficava desenhando cartazes até as madrugadas para os colegas de turma e cobrava um mil reis (a abobrinha do conto de Drummond de Andrade) de cada. Os trabalhados selecionados eram expostos num espaço na Rua João Pessoa, centro daquela capital. Gostava de ver meus trabalhos expostos com o nome dos colegas que tinham pago pelo cartaz. Durante os quatro anos que lá estudei teve apenas um desenho selecionado com meu nome. Mas, vários que fiz para os colegas.

LAM - Quais as influências da infância e adolescência que foram determinantes pela escolha da arte?

Ninguém e nada mesmo me influenciaram para arte. Tinha sempre o gosto pelo desenho, pela participação nos jograis, recitava poesia na escola, na igreja evangélica que papai era membro ativo. Sonhava em cursar Escola de Belas Artes...

LAM - Inicialmente você publicou um livro de poesias. Fala a respeito dessa experiência poética.

Primeiro livro de poesia. Primeiro entendi que era capaz de fazer poesia. Escrevi alguns sonetos, quadras, sextilhas... Descobrir os versos brancos e como colocar um pouco de ritmo e musicalidade nos versos e priorizando o peso das palavras. Achei que já podia publicar e em 1978, menos de um ano após minha chegada a Palmares, lancei “Marcas no Silencio”, capa de Anchieta, colega de banco, um livreto cheio de incorreções gráficas feita em linotipos. Mas, Palmares vivia efervescência cultural e econômica e acolheu muito bem a poesia e o novo poeta.

LAM - Você publicou um livro de poesias em parceria com Felipe Maldaner, Jogo Vivo. Como se deu essa publicação?

Jogo Vivo: Com a experiência do primeiro livro provoquei o colega do Banco do Brasil a estrear com um livro de poesia em parceria comigo. Dai nasceu “Jogo Vivo”, com a orelha de capa escrita por José Duran y Duran. Eu jogo o primeiro tempo e Maldaner o segundo. Fizemos dois grandes lançamentos nas AABBs de Palmares e Garanhuns, com direito a coquetel e show de artistas locais. Depois disso ninguém segurou mais o Felipe. Enveredou pela prosa com vários livros publicados, fez critica literária quando deixou o Nordeste e retornou para o Rio Grande do Sul. Tive noticias que passou mais de dez anos na Coreia do Sul, onde publicou artigos nos jornais locais e, recentemente, recebi convite para o lançamento de novo livro em Porto Alegre, após sua volta ao Brasil, já aposentado do Banco do Brasil e representado um banco estrangeiro.


LAM - Você também publicou o livro Sindicalismo versus Repressão, contando a trajetória de Zé Eduardo. Quais os resultados dessa iniciativa?

Sindicalismo X Repressão – A História de Zé Eduardo, o líder do maior sindicato de camponeses do Brasil foi lançado com a finalidade de angariar recursos para a campanha de uma chapa de oposição à presidência do sindicato dos trabalhadores rurais de Palmares, com a venda dos livros. Escrever a história de Zé Eduardo foi fácil. Bastou o deixar falar. Livro pronto, editado pela Nordestal Editora, com capa do Artista Plástico sergipano Pithiu. Perdemos a eleição do sindicato, mas o livro ganhou as universidades e foi citado em várias dissertações de mestrado e estudantes vieram de longe conhecer o escritor e o protagonista, Zé Eduardo de Lima Filho. Foram várias entrevistas e encontros.

LAM - Você foi participante ativo de diversos movimentos culturais e artísticos em Palmares, como as Noites da Cultura Palmarense, Revista A Região, Fundação de Hermilo, Edições Bagaço, entre outros. Fala pra gente dessa sua experiência.

Já após minha chegada para morar em Palmares Nov/1977, meses depois, já era professor em vários colégios locais e na FAMASUL. Era recém-formado em Pedagogia pela Universidade Federal de Sergipe. Daí em 1978 recebia convite para jurado da IV Feira de Musica dos Palmares. Naquele mesmo ano publiquei meu primeiro livro de poesia (Marcas no Silêncio). Escrevi com os colegas do Banco do Brasil, Tiné, Carlos Alberto Pestana, Agenor Sá, Zé Rodrigues, Neudson Simões... jornalzinho da AABB “A Língua”, depois o “Educativo”. Depois passei a ser militante dos movimentos de arte e cultura. Tudo com o viés das letras. Falar dessa vivência caberia num livro de grande brochura. As Noites da Cultura Palmarense, Revista A Região, Edições Bagaço, Fundação Casa da Cultura Hermilo Borba Filho, projeto de Juareiz Correia, depois da criação do Museu da Cidade e Fundação Casa da Cultura de Serra Talhada, onde fui o primeiro presidente. Eram tantas as emoções. Santa loucura. As Edições Bagaço nasceu movimento cultural onde um grupo de sonhadores, eu, Arnaldo, Gilberto, Elita, Inez, Nito (Você)... e outros nos cotizávamos para publicar um poeta da região e com a venda dos trabalhos viabilizar a publicação de outros até o ultimo escritor inédito.


LAM -Você esteve durante anos na militância política, que avaliação você faz dessa sua incursão?

Comecei na campanha de Luiz Portela. Mesmo sem ser candidato participei da escolha dos candidatos a vereador da chapa PMDB. Estava acontecendo um racha nas bandas do PDS de Garibaldi Gurgel e Luiz Portela resolveu formar uma comissão para escolha dos candidatos para não se desgastar com a militância de pré-candidatos que ficassem sem vaga na disputa. Eu, o finado Koury e Gonzaga da Casa dos Retalhos. Este último veio logo mostrar uma lista dos nomes que Portela queria. Desprezamos tal lista. Tivemos a ideia e Koury apoiou prontamente, os 56 pré-candidatos numa reunião na qual se definia critérios e perfis dos candidatos, eram divididos em grupos que escolheram os 18 candidatos que acompanharia a chapa de Portela e Chiquinho ao Palácio do Bambu. Cada grupo escolheu seu 18 nomes, depois de tabulados os votos escolhidos por todos os grupos garantiram a vaga, a exceção de Preta que já detinha mandato e direito adquirido e Moacir da Futurista que Luiz Portela anunciou como décimo nono candidato, vaga negociada com Maromba, candidato a Prefeito da Sublegenda PMDB dois.
Depois a mosca azul me picou e inventei de sair candidato a Prefeito em 1988 contra o candidato de Portela, Seu Chiquinho e o Gaguinho. Teve cinco candidatos a Prefeito nessa eleição e ficamos em terceiro lugar. Não tive votos, mas ganhei mais um livro que publiquei treze anos depois. Não queria escrever um panfleto. Dai a demora.
Fiz militância em movimentos sociais, sindicais, culturais artísticos, literários,pois sou membro das Academias de Letras de Palmares e Serra Talhada.
Minha última e definitiva incursão na política partidária foi em 2012. Fui candidato a vereador com uma bela campanha nas ruas. Um boneco gigante do Profeta que atraia a criançada que descia os morros para tirar fotos. Musicas de Zé Ripe com participação de vários artistas locais (Zé Linaldo, Lulica, João Marcos, e tantos outros). Para nunca mais. Fiquei no isolamento do idealismo onde não existia militância paga. Tal decisão foi tomada depois da convicção de que: “Atualmente, não se pode fazer política sem pelo menos ser conivente com o crime”.

LAM - Além de poeta, você agora também é artista plástico. Como se deu o processo de enveredar por esta área artística?

Esse sonho de artes plásticas veio como já disse, da infância. Precisei esperar a aposentadoria para realizar tal sonho. Como fazer Escola de Belas Artes tendo que entrar no mercado de trabalho aos 12 anos para ajudar no sustento da casa? Na infância era apenas o desenho vendido aos colegas para poder comprar roupa. Depois de aposentado como gerente do Banco do Brasil, em julho de 2007, em outubro do mesmo ano já frequentava um atelier de uma artista na rua Manoel Borba, em Recife. No ano seguinte estava matriculado nos cursos de Ilustrador e Pintor Artístico do SENAC, onde fiz toda a grade dos cursos de arte que ofereceram naquela época. Em 2009, fiz o ENEM e o vestibular na Universidade Federal de Pernambuco e conquistei uma vaga no curso de Artes Plásticas. Em 2014, fiz intercambio e fui estudar na Escola de Belas Artes da Universidade de Porto, em Portugal. Lá passei seis meses desenhando, pintando e expondo com os artistas da Europa. A Universidade do Porto recebe cerca de 3.500 alunos do exterior anualmente. Depois de uma exposição de pinturas realizada na Reitoria da Universidade do Porto, recebi um convite dos professores curadores da exposição para tomar um “fino” chopp em taça pequena. No bate papo elogiei o nível da Escola de Belas Artes e um dos professores fez a seguinte declaração: “pois, pois,... estamos a ensinar a esses alunos de arte e eles depois não sabem o que fazer desse saber”. Naquele momento afirmei com emoção: Eu sei o que fazer desse meu saber: vou compartilhar com Palmares, minha cidade no Brasil.


LAM - O que é e qual a proposta do Instituto Belas Artes Vale do Una?

Voltei de Portugal decidido a terminar o curso de Artes Plásticas e criar uma escola de artes em Palmares. Uma escolinha não dizia nada do tamanho do sonho. Então criei um Instituto, entidade civil sem fins lucrativos que servirá de guarda chuva para toda atividade artística, cultural, aí envolvendo, show, exposição, publicações, formação, consultoria, divulgação, etc. Cabe também nesse projeto, uma escola técnica e, quiçá, uma faculdade de artes visuais. O nome Vale do Una para denotar o aspecto regional e abrangente não se limitando a Palmares.

LAM - Quais projetos você tem por perspectiva de realizar?

Projetos em perspectivas: oferecer, como já acontece, oficinas gratuitas de desenho e pintura a alunos da rede pública estadual. Formar parcerias para capacitação de professores de arte da rede municipal de ensino; criar oficina para o publico em geral de diversos saberes, encadernação, marchetaria, serigrafia artística, modelagem, gravura, argila, desenho, pintura... Realizar anualmente, o projeto Pintando na Praça, atualmente na quarta edição, que consiste em trazer artistas do Recife, alunos de artes da Universidade Federal de Pernambuco para, juntos dos artistas locais pintar ao ar livre na praça Paulo Paranhos e fazer exposição durante todo o mês de realização do evento. Tudo isso com o complemento teórico de palestras sobre arte em escolas públicas de Palmares realizadas por alunos, artistas e professores de artes da UFPE.

Este é o Paulo Profeta: veja mais aqui, aqui & aqui.