quarta-feira, agosto 23, 2017

A ARTE & ENTREVISTA DE OZI DOS PALMARES


A ESFERA DO DOM (Luiz Alberto Machado) - Quem viu - como eu vi -, lenta e laboriosamente a trajetória de um sonho se manifestar por inteiro, saberá o tamanho da precisão com que o artífice poliu engenhosamente sua obra final. E quando deparar com o resultado maduro verá o malabarismo constante para registrar múltiplos closes precisos, pôsteres reais na retina giratória duma lente a focar, em todas as direções, flagrando tudo e todas as coisas. Isso, sem contar, o encontro com o dom de recordar coisas boas da mais remota data do coração, das gentes mais simples, das festas de tenra idade, recônditas na incólume emoção.
Aqui dou meu testemunho: o Ozi compõe com os condimentos pertinentes aos que sabem fazer do talento uma proposta séria e encantadora.
Oriundo das terras pernambucanas, o cantor e compositor Ozi dos Palmares delineia sua estrada de muitos matizes, em composições que vai desde os Caboclinhos do Rabeca, resgate cultural da sua terra, ao heterogêneo encontro com as variantes de todos estilos musicais. Um caldeirão esborrando os gostos da terra e da alma nordestina.
Abracadabra! E ele faz viva São João, fogos de 8 de dezembro na matriz, mungangas de terças de Zé Pereira, fubânicas louvações do Una: tudo fragmentos imanentes da realidade dos que são do rio, da cana, da praça, dos Palmares de Zumbi, de depois e dagora: o canto de luz e sangue na carne da raiz. Tudo misturado ao saracoteio, jinga, valha-me tudo e o escracho soberbo dos que estão escapando nas veredas do século XXI, comendo o hilário das mais sutis e simplórias minudências das gentes que povoam as províncias do seu rincão.
Prova disso são seus ritmos mixados: mambos, xotes, baladas, frevos, maracatus, afoxés, guarânias, sambas, baladas, boleros, um sincretismo usual capaz de delinear sua miscigenação: há muito de Nordeste, de Espanha, Turquia, África, dos países balcânicos, uma salada a partir da Tábua de Esmeralda até o sectarismo do Frei Damião Bozzano, tendo, entre tal parâmetro, uma diversidade mágica quase inconcebível. Porque tudo é possível no seu canto, inclusive uma fonte mágica com mosaico caleidoscópico de todas as imagens díspares que povoam as ruas da cidade natal e, por conseguinte, análogas no caldeirão criativo do seu sotaque.
Um sujeito genuíno enraizado na feira do mercado que dá em Caruaru, com Zé Condé, Vitalino e tudo dali. Um sujeito talentoso de pegar no rabo do corisco e transcender na luz de Luiz Gonzaga, Patativa de Assaré, Jackson do Pandeiro, poetas, repentistas, macunaímas e bugres, gitanos e caetés, andaluzes e calungas.
Para mim que o conheço desdontem – desde as molecadas de Santo Onofre, passando pelas zoadas no pé do maluvido, das cachaçadas virando a noite insone e das cantorias esgoeladas nas escadarias da igreja da praça Maurity -, Ozi sempre foi e será o sumo do bom e do melhor.
Pro Brasil ele só apareceu com “Estréia”, seu primeiro disco. Depois, “No canto da boca”. Aí vedio, “Vontade”, tradução: bão demais de bom. Leia-se: eita cabra bom da gota! Agora é “Arrelique”, vixe que coisa boa!
Com esta discografia ele só ensaia, pois o danado tem um balaio cheinho de sons, solfejos e coisas que você nem imagina de assobio, pantim, estalo de língua e muxoxo de beiço. Eu que o diga: é uma tuia de caçuá esborrando pelo ladrão de tanta música. Isso sem contar com seu estudo dedicado ao violão e ao canto. Coisa de ver: verdadeiro espetáculo.
O compromisso com o seu tempo e a sua terra contempla Ozi duma incandescência capaz de irisar o seu canto e a sua poética em canções salutares tão próprias ao paladar do coração. E quem mergulhou no rio Una, em Pirangi e no Riacho dos Cachorros, sabe. Prove do som dele e verá. Vamos pro bate-papo.


LAM - Ozi, você acaba de lançar o seu quarto álbum Arrelique. Fala pra gente da proposta desse seu novo trabalho.

Eu queria gravar um disco neste formato onde pudesse imprimir um pouco do que presenciei e vivi em minha infância, algo que tivesse o cheiro de tudo dali. Isto deixei bem evidente em “Espetáculo de Rua” É isto.


LAM - Esse álbum reúne vinte composições, seis instrumentais, vários ritmos, misturar é preciso?

Faço reverência à música nordestina e outros gêneros da Música Popular Brasileira. Eu adoro bulir com tudo isto. É uma característica de meu trabalho.

LAM - Nesse álbum você traz parceiros, a exemplo de XicoBizerra e uma novíssima com Maurício Melo Junior. Fala a respeito dessas parcerias.

Foi um prazer imenso compor com estes mais novos parceiros, são queridos amigos, Rodrigues Lima SP, Geraldo Anisio RO, Leandro Correa SP, Eron Oliveira SP, Mauricio Melo, meu conterrâneo e Xico que já é um veterano parceiro. Parcerias como estas só agregam valores positivos.


LAM - Você nesse álbum presta homenagens e traz o belíssimo trabalho de Sebastiao Lima. Conta pra gente a respeito disso.

Sim, as homenagens são aos meus ídolos e grandes músicos, com os quais estive presente nos palcos da arte, além da lembrança ao meu pai, músico clarinetista. Sobre a arte de Sebastiao Lima (sem o til mesmo), tive muita sorte pelo seu grande profissionalismo, isto só enriqueceu meu trabalho.

LAM - Que avaliação você faz da sua trajetória de “Estreia” até “Arrelique”?

Depois de um certo tempo na vida tu não aceita mais amadorismo naquilo que te dá muito prazer, no meu caso a música. A coisa tem que ficar séria. Estou muito feliz e mais leve.


LAM - Na sua trajetória você segue seu caminho encontrando gente da maior estirpe, como Spok Frevo, Dominguinhos, fala a respeito desses seus encontros.

Nas estradas da vida da arte tudo pode acontecer e foi assim sempre comigo. Em gravações de estúdio e outros, uma coisa leva a outra.

LAM - Quais projetos você tem por perspectivas realizar?

Neste momento estou cuidando de “Arrelique” mas na minha cabeça tem vários planos a ser conquistados. Luiz, meu abraço e obrigado.

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