A ESFERA DO DOM (Luiz Alberto Machado) - Quem
viu - como eu vi -, lenta e laboriosamente a trajetória de um sonho se
manifestar por inteiro, saberá o tamanho da precisão com que o artífice poliu
engenhosamente sua obra final. E quando deparar com o resultado maduro verá o
malabarismo constante para registrar múltiplos closes precisos, pôsteres reais
na retina giratória duma lente a focar, em todas as direções, flagrando tudo e
todas as coisas. Isso, sem contar, o encontro com o dom de recordar coisas boas
da mais remota data do coração, das gentes mais simples, das festas de tenra
idade, recônditas na incólume emoção.
Aqui dou meu testemunho: o Ozi compõe com os
condimentos pertinentes aos que sabem fazer do talento uma proposta séria e
encantadora.
Oriundo das terras pernambucanas, o cantor e
compositor Ozi dos Palmares delineia sua estrada de muitos matizes, em
composições que vai desde os Caboclinhos do Rabeca, resgate cultural da sua
terra, ao heterogêneo encontro com as variantes de todos estilos musicais. Um
caldeirão esborrando os gostos da terra e da alma nordestina.
Abracadabra! E ele faz viva São João, fogos
de 8 de dezembro na matriz, mungangas de terças de Zé Pereira, fubânicas
louvações do Una: tudo fragmentos imanentes da realidade dos que são do rio, da
cana, da praça, dos Palmares de Zumbi, de depois e dagora: o canto de luz e
sangue na carne da raiz. Tudo misturado ao saracoteio, jinga, valha-me tudo e o
escracho soberbo dos que estão escapando nas veredas do século XXI, comendo o
hilário das mais sutis e simplórias minudências das gentes que povoam as
províncias do seu rincão.
Prova disso são seus ritmos mixados: mambos,
xotes, baladas, frevos, maracatus, afoxés, guarânias, sambas, baladas, boleros,
um sincretismo usual capaz de delinear sua miscigenação: há muito de Nordeste,
de Espanha, Turquia, África, dos países balcânicos, uma salada a partir da
Tábua de Esmeralda até o sectarismo do Frei Damião Bozzano, tendo, entre tal
parâmetro, uma diversidade mágica quase inconcebível. Porque tudo é possível no
seu canto, inclusive uma fonte mágica com mosaico caleidoscópico de todas as
imagens díspares que povoam as ruas da cidade natal e, por conseguinte,
análogas no caldeirão criativo do seu sotaque.
Um sujeito genuíno enraizado na feira do
mercado que dá em Caruaru, com Zé Condé, Vitalino e tudo dali. Um sujeito
talentoso de pegar no rabo do corisco e transcender na luz de Luiz Gonzaga,
Patativa de Assaré, Jackson do Pandeiro, poetas, repentistas, macunaímas e
bugres, gitanos e caetés, andaluzes e calungas.
Para mim que o conheço desdontem – desde as
molecadas de Santo Onofre, passando pelas zoadas no pé do maluvido, das
cachaçadas virando a noite insone e das cantorias esgoeladas nas escadarias da
igreja da praça Maurity -, Ozi sempre foi e será o sumo do bom e do melhor.
Pro Brasil ele só apareceu com “Estréia”, seu primeiro disco.
Depois, “No canto da boca”.
Aí vedio, “Vontade”, tradução:
bão demais de bom. Leia-se: eita cabra bom da gota! Agora é “Arrelique”,
vixe que coisa boa!
Com esta discografia ele só ensaia, pois o
danado tem um balaio cheinho de sons, solfejos e coisas que você nem imagina de
assobio, pantim, estalo de língua e muxoxo de beiço. Eu que o diga: é uma tuia
de caçuá esborrando pelo ladrão de tanta música. Isso sem contar com seu estudo
dedicado ao violão e ao canto. Coisa de ver: verdadeiro espetáculo.
O compromisso com o seu tempo e a sua terra
contempla Ozi duma incandescência capaz de irisar o seu canto e a sua poética
em canções salutares tão próprias ao paladar do coração. E quem mergulhou no
rio Una, em Pirangi e no Riacho dos Cachorros, sabe. Prove do som dele e verá.
Vamos pro bate-papo.
LAM - Ozi, você acaba de lançar o seu quarto álbum Arrelique. Fala pra
gente da proposta desse seu novo trabalho.
Eu queria gravar um disco neste formato onde
pudesse imprimir um pouco do que presenciei e vivi em minha infância, algo que
tivesse o cheiro de tudo dali. Isto deixei bem evidente em “Espetáculo de Rua”
É isto.
LAM - Esse álbum reúne vinte composições, seis instrumentais, vários
ritmos, misturar é preciso?
Faço reverência à música nordestina e outros
gêneros da Música Popular Brasileira. Eu adoro bulir com tudo isto. É uma
característica de meu trabalho.
LAM - Nesse álbum você traz parceiros, a exemplo de XicoBizerra e uma
novíssima com Maurício Melo Junior. Fala a respeito dessas parcerias.
Foi um prazer imenso compor com estes mais
novos parceiros, são queridos amigos, Rodrigues Lima SP, Geraldo Anisio RO,
Leandro Correa SP, Eron Oliveira SP, Mauricio Melo, meu conterrâneo e Xico que
já é um veterano parceiro. Parcerias como estas só agregam valores positivos.
LAM - Você nesse álbum presta homenagens e traz o belíssimo trabalho de
Sebastiao Lima. Conta pra gente a respeito disso.
Sim, as homenagens são aos meus ídolos e
grandes músicos, com os quais estive presente nos palcos da arte, além da
lembrança ao meu pai, músico clarinetista. Sobre a arte de Sebastiao Lima (sem
o til mesmo), tive muita sorte pelo seu grande profissionalismo, isto só
enriqueceu meu trabalho.
LAM - Que avaliação você faz da sua trajetória de “Estreia” até
“Arrelique”?
Depois de um certo tempo na vida tu não
aceita mais amadorismo naquilo que te dá muito prazer, no meu caso a música. A
coisa tem que ficar séria. Estou muito feliz e mais leve.
LAM - Na sua trajetória você segue seu caminho encontrando gente da
maior estirpe, como Spok Frevo, Dominguinhos, fala a respeito desses seus
encontros.
Nas estradas da vida da arte tudo pode
acontecer e foi assim sempre comigo. Em gravações de estúdio e outros, uma
coisa leva a outra.
LAM - Quais projetos você tem por perspectivas realizar?
Neste momento estou cuidando de “Arrelique”
mas na minha cabeça tem vários planos a ser conquistados. Luiz, meu abraço e
obrigado.