O mistério da poesia não
suporta
Chusma de pinças teóricas,
obsessivas
Escavando supostos sentidos
Pinçando bolsões
denotativos
Nem fórceps hermenêuticos
E aborta.
INEXPLICAÇÃO AO LEITOR
Comecei a costurar essas
palavras prolegomenicas no banho. Enquanto me ensaboava, a mente (limpa)
desandou pensamentos (impublicáveis, porque nus), e sinapses ou insaites e
reflexões relâmpagas atravessaram o fluxo dos chuviscos. Completei-as quando
usava no raro cabelo o novo shampu que promete longevidade a cada fio em
particular. (Como os possuo poucos, o produto invencível, mesmo sendo caro, per
cápita sai bem em conta). E enquanto alisava as madeixas carinhosamente
pensando em Pope – com esfregões macios – já findava quase esse cru proêmio.
Surpresa foi não esquecer o texto vindo à lux do banheiro para meu caderno
mental úmido.
Título: pensei em Frases da
Lua, Monóstico de Carbono (por ser a maioria das peças de um só verso ou linha
ou como disse Eliot: “one verse põem”), mas optei por Bando de Mônadas, não sei
por quê.
NÓMINA DESSAS NOTAS
Ao conjunto, nomino-as
nuamente Inexplicação ao Leitor, e dedico à Hipócrita Leitora de minha parca ou
pobre obra. Porque são notas inexplícitas de um fazedor de poemas, que visam
atordoar, ou melhor, clarear a treva textual, abrir caminhos sem rumo à selva
significante, em que possíveis (mas improváveis) leitores se arrisquem tentar
imiscuir-se ou inutilmente explorar.
RAZÃO DO POEMA
Escrevi esses poemas
extremos porque vi o extremo numa viagem a bordo do abismo para o confim de mim
mesmo. Fui além da alma, depois do corpo, quando os comecei. Não evitei os
tiques estilísticos próprios de minha lavra poética nem a mania de montar
sintagmas oximóricos, insensatos (para os sentidos comuns), esdrúxulos, não
recomendáveis, para quem escreve em beneficio do leitor, o que não é meu caso,
absolutamente. Escrevo poema para total desconforto do leitor (que se dane se
quiser entender). Se o poeta entrega de mão beijada, numa bandeja dourada, o
tal sentido do poema (tão ou mais procurado do que um malfeitor do velho oeste
ianque), tão esperado que desespera o leitor, quando este não lhe é dado, de
imediato, na primeira linha ou golpe de leitura; caso seja assim, assado não é,
e poesia não o é também. O poema não deve ser uma resposta, uma lição, mas um
questionamento, uma interrogação. Nada de resultados prosaicos, mas
investimento literário. Escrevo poemas, portanto, para o desconforto extremo de
quem casualmente me leia. Se fosse uma reforma de um prédio, a placa séria
seria: desculpe o transtorno da leitura, estamos trabalhando para desconforto
total do seu entendimento.
IDE À FONTE
Seria o meu coração der
areia (título de uma coleção de poemas já publicada – Fundarpe)? Nunca se sabe
o que já no coração, do que ele é capaz (ou incapaz). Então, por que confiar
nele? Os impulsos do coração são frágeis e insinceros. Fortes, consequentes,
verdadeiros são os impulsos do desejo, como bem o mestre Jomard já provou. E os
usei bem. Esses poemas são frutos do desejo, e da pena ou da pele (e não da
alma). O equilíbrio está muito além da palavra que o quite (ou sagre). O fio do
êxito fácil cortei, parca velha e sábia. No espaço débil e das janelas
vertiginosas do sonho me despenhei, atirando-me aos intricados hospícios azuis
das palavras, precipitando em mim os precipícios de sintagmas vertiginosos e
devoradores como o Desejo. Para satisfazer os mais turvos desses desejos fui
até o poema. E esse Bando de Mônadas solto ao mundo.
A PALAVRA QUE QUER(EM) CALAR
Que é isso, Vital (me
indago, de chofre) de indecifrabilidade da poesia como amuleto da página, como
espírito ou demônio do texto, como condição da náusea que o inexplícito (ou
apenas a sugestão lassa) sempre causa ao cidadão leitor comum? (É que a poesia
exige leitor incomum – como as minhas leitoras infiéis – e impõe grave e
extensa responsabilidade a quem lê o poema sob égide da compreensão). O poema
antes serve para nos compreendermos do que para sermos compreendidos.
A poesia desentranha o fora
para moldar o dentro. É como a cópula ou o inocular na veia um veneno (ou na
veia do veneno a vida). Visa ao rapto do sono da usura (das palavras) para
extrair o pesadelo do tributo devido à página (parceira em ato de potencializar
o objeto da poesia, o poema). A mais valia é da imaginação feto e fruto.
Tudo de que fruo do mundo é
o de que a poesia se apropria (de sua ração de espírito), mesmo contra o homem,
se este – em particular, ainda não deu o salto (dialético) do estágio hominídeo
para o sapiens, eticamente alto, humanamente pleno.
Mateus, delinquente porque
desaforava, porque confiscava o excessivo, a demasia, porque podava a
desmesura, porque abocanhava a parte do todo (para comunhão do homem);
diligente coletor, assustava o mercado (de valores banais e uterinos). Os
bursáteis pecados exigiam outro tipo de indulgência. Mateus, em sua exação
imperiosa, com sua maleta de injurias (contra os juros), era antipático e sua
função exonerativa perversa. Engendrando, como Lezama rezava, versículos
perplexos e indecifráveis, no tecido bíblico inconsútil da alma. Mortais para o
ser do ser humano normal (ou médio). Para quem o logro é vital.
O ato crucial de cobrar o
que sobra ou excede (ato mateusítico) é poesia pura, despotencualizando o
espírito de seus gravames adoposos, sobras desumanas e sucumbências, porque
retira do homem o excesso de aspereza (de sua alma tão mortao) ou redundâncias
da vida, ou os excessos goliásicos, vaidadescos, soberbos acúmulos contra si
mesmo. Mas porque a poesia é (seria) algo tão inexplícito (sentidos
hermeneuticamente trancafiados em escrínio de palavras), insisto!? É que a
poesia é anticausal (vem do acaso da alma e não de causa material, logicamente
estabelecida, externa); é uma causa que não gera efeito (ou sucessos
preestabelecidos); não cria mecânica no espírito, não inter-relaciona A com B
prébios. Sego onde não semeio (isto é, apuro o que não cumpro ter) e colho onde
(e o que) não espargi (isto é, o fruto poema não tem messe certa ou azul safra
exata). E acolho o que não previ. O poema é tão intenso que se cumpre em si,
sem a trama ou o trauma humanos – e falhos sonhos alemães.
Mesmo se quando todos os
elos da causalidade (mecânica ou não) forem devidamente rompidos pela força
inata da ciência da intuição, em ato dissolvidos desaparecerem, o poema fica,
é, engendra sua gravidade própria, sua órbita épica estabelece, norteia o
percurso lírico, como ser independente de palavra (até mesmo do poeta). Essa
grave gravitação advém do potencial de imaginação que a alma do poeta comporte
e atualize.
Que é isso, Vital, de
indizibilidade da poesia como superstição da págia, coisificação da palavra ou
sua reficação, identificando palavra e coisa? (juro e jurídico).
Isso é o mistério da
poesia. Na frase (prosa) a palavra se gasta (o prosaico é corrosivo) e pode ser
substituída por outra; no poema (ou linha), a palavra nunca se gasta nem se
exaure, antes, adquire mais valor, valia super, torna-se mais palavra do que no
dicionário, na lição excelsa de Cassiano Ricardo. E essa resistência – e
sobrevida da palavra poética – é tão alta que absorve as tenazes tmeses de
Cummings. As magnificantes interpolações de Pound, as supervirtudes reais de
Breton, os objetivos correlatos de Eliot, as maquinações imagéticas de Joyce, e
assim supera dialeticamente as aventuras e vicissitudes da poesia. Desatomatiza
o espírito. Mas, por que a predominância, na poética do século 20, do
hermetyismo, ou o que torna a poesia indizível?
Outros quinhentos.
SETE VERDADES
O poema não precede a quem
produz ou aprende.
O bom poema sugere sua
própria e completa indecifração.
O interprete deve estar
dentro do poema
(o belvedere do
significante mira o significado).
Poema nenhum açoita sentido
prébio, determinado, quantificável.
Um poema não é como água
potável, mas esgoto, certeza de limo, verdade de todo.
O poema é apenas lance do
destino e não algo construído dado do acaso da tábua de palavras lançado que
nenhum azar abole.
(sua função não é pranto de
coração nem turbilhão de emoção rimada com empetaladas palavras já esperadas).
TÁBUA DE DEDICAÇÕES
A minha hipócrita leitora.
À sublime leveza da nudez
feminina a única verdadeira, desde Eva (que faz os homens flutuarem).
À folha ou falha da erva, à
relva tênua, límpida, rala, lúcida, irônica, proibida que atapeta o púbis da
menina.
À longa e grata fascinação
do abismo e do adjetivo.
Ao eterno trabalho do pó.
Ao inútil trabalho dos
lírios.
Ao sopro do barro.
Aos carvalhos proféticos de
Dodona.
Ao éter, pai e vazio.
Ao abismo voraz ímpeto suicida.
Ao vácuo quântico de que
veio o mundo.
À estéril vigília da vida,
à pálida aurora repetitiva e enganosa aos olhos ávidos dos vivos ao verme que
ao rosto dissolve.
À cor morta a que a noite
nos transporta.
Ao maxilar de cada instante
que nos tritura.
À corporeidade da azáfama.
E outras metafísicas
cambrianas.
TRÊS POEMAS
O reconhecimento da
cumplicidade é o começo da inocência.
O reconhecimento da
necessidade é o começo da liberdade.
POEMA À LEITORA
Iludida irás à sombra
Leito áspero onde
Rosas te esporam
E crucificas espinhos.
Deixa apenas o poema
Debruçar-se sobre ti.
Não forces o sentido
Insensata. À fórceps
Não me saboreais.
Sou apenas palavras
Em ordem secreta
Costuradas por fios
De tenras metáforas
Sigilosamente arranjados
E como mônadas
Espelhadas na página
De teu rosto sem máscaras.
Eu não sei onde quando
Que rotos sonos
Aos erros te levaram.
Moendas do tempo
Rodas e mãos ágeis
Te conduziram
Até onde o ouro acaba
Até quando a hora amara
Chegar. De decifrar-me.
Qeres ficar onde
Tuas dores contam.
O POEMA
Contém-se na forma encontrada
E contém a que o encontra.
Leva à completa embriaguez verbal.
Não é senão trânsito
De palavra por nossas veias
Pelos adjetivos de nossas almas
Tramite das gramáticas do corpo
Em forma de fantasmas
E figuras encarnadas
Pelos veios do espírito.
Sombra que enardece
Até a incandescência.
TERCEIRO POEMA
Da folha da página nasce a
árvore do poema.
Atado aos demônios úmidos
cativo
Das bestas dos delírios
vastos alço-me
Aos píncaros de pórfuro
onde pássaros debulham canções de milho
Latino-americano e puro.
Dilemas e redomas enfrento,
persigo maiz
Naufrágios e aromas
ultrapasso
Amidos e edemas me assediam
o rosto entediado tigre.
Vivo amor sem treva ou
tortura.
Em mim lavra safra de
murmúrios, grassam ternuras espessas épuras intimas
Tâmaras errfam, nascem
temores, atiçam-me
As cores lentas dos rumores
Desejo tardes de safira,
feitiço de esferas ilude-me as pupilas.
Amanhece. As loucas do
cansaço quabram-se.
Rompem-se os véus da
volúpia, cessa o encanto quando finda
O amor e começa
O tempo das cóleras
equiláteras que cega antúrios, rasga gaivotas
Envenena orquídeas.
Eis que ingressa no recinto
do corpo a hora facínora
Que fere de penúria o
jardim e rosna como naipe de infâmias
É o demo da libido que
assoma a meu rosto
Infinito e morto, último
refúgio da lascívia pura.
Limbos de amianto vândalo
Hiatos de desenganos,
gerúndios, hotéis gelados
Como os desejos urebanos. O
ventre de duro abutre
Ferros edificados, raízes
de gusa errante.
Quando cessará a ditadura
do neon, quando o anúncio de seu fim luminoso?
Quando cessará o câncer da
indiferença metropolitana?
Quando o abutre da solidão
nos desabitará?
Quando a morte dos outdoors
da ira, dos duelos fraticidas dos escândalos políticos?
Quando clips hórridos e
sífilis voluptuosa deixarão de ser a bíblia embirgada das metrópoles ahabiatdas
de cansaço e luxúria?
Quando a noticia que grassa
dirá da entranha do pássaro do esgar fidalgo, da ruina intemporal, da morte do
barro vão?
Enquanto a vida vã segue
seu périplo fecundo e exangue a esperança se fina, embrutecida e maculada.
Alimenta-nos lauto
espetáculo das vitrines.
Alumia-nos breu súbito que
habita robôs e pentágonos a escurecida úlcera dos cotonifícios.
Ó trêmula califrafia de
sombras, parvo e torpe itinetário de informe contorno,
Ó estranho tornado de
arumas,
Ó caligem que acampa na
face das auroras industriais
Ó câncer fundo da pressa e
cúbica lepra da usura
Ó fecunda náusea,
Ó logro puro e sedento,
Ó estanho humano,
Ó insanos negpicios
anti-humanos, intumescidos de astúcia mercurial, imobiliária
Ensinai a nosso tempo
morrer sem garbo, em veludos caros corroídos por gusanos, por vermes pagos e
ávidos cercado de orações contábeis, âncoras agrárias, debêntures
Ensinai que a vida não é
digna dos incautos e mortal aos contemplativos de todos os credos e de todas as
praças, esperanças ou cemitérios.
Eis a moça que passa ao
largo do sonho como navio bêbado
Faz delirar avenidas com
seu andar trêmulo ou carnívoro a espetar pássaros com olhos de topázios vazios.
Quando ela passa me habita
de silêncio.
Refugio-me nos punhais
acesos da solidão.
A manhã segue seu curso
claro, como cavalo límpido ou bravo
Indiferente à tristeza das
faces, aos galopes da ilusão desatenta às indiferenças
Que corroem a velha alma do
século.
Um lobo gris suja a noite
malva
Benévola sua garra
Esculpida em urros nos
capiteis da náusea.
Por que louvar
A morte de crianças – e o
mundo miserável
Com falso lirismo e ode
inútil
Ao duodeno destinada?
Fale!
MONÓSTICOS DE CARBONO (ONE-VERSE-POEM)
De mônada em mônada
enche-se o nada.
A dúvida esclarece a vida.
Sono (fruto) de pedra e
abandono.
Olvido tem forma de
guarda-chuva fechado.
Cabe ao morto desenterrar o
uivo.
No coração do esterco jaz a
(fértil) verdade.
Bate pinos biela do
meio-dia.
Extasia nudez o vazio.
Sibila bate ponto em
Delfos.
Somos contemporâneos apenas
da morte.
Platão era menina (dos
olhos) de Sócrates.
Homero amava Penélope.
Sócrates era pedófilo.
Aristóteles gago (de
pedra).
Dionisio amou Adônis.
Shelley amou a morte.
Byron bebeu caveiras.
O minotauro amava Ariadne.
Ulissos deitou com
Polifemo.
OBS:
Amou o ciclope no leito de
pedra da caverna
Onde Platão semeara
sombras.
A TONA DA VERDADE
Pense nas dores disfarçadas
sob falíveis véus encobertas por palavras prenhes de ilusão
Pense nos aficionados a
rios tortuosos nos passeios dos suicidas
(e extremas cartografias
das platibandas do abismo que encaram)
Onde vamos sem prazer nas
noites desarvoradas
A remar contra maré de
muralhas
Da garganta da água buscar
refrigério a ver o barco ébrio afundar.
E o outono do seio que
outrora em tenros dedos enrijeceu
Súbitas e atrosas
aparecendo de suas aréolas trêmulas
Primaveras de redondos
hortos desabrochando
Rosa dos mamilos para o
pomar das mãos.
Cavo eco do mar sábios
vuzios quebrou em dúzias de líquidos vitrais.
Ciosas sereioas em ânsias
de Ulisses dilaceram-se.
E conchas marítimas
estriteceram vendo amantes fugirem para seus medos.
Quem tenha quintal sujo
nunca critique jardim alheio.
SAL DA LUZ
O poema é um mundo
enterrado num homem.
Cão interior late menos
quanto mais sal forneçamos.
Rumor de rã desagua do
tanque do jardim ruído escorre dos arredores de Pequim.
No frio cais sonolento
Caronte conta sombras.
Fatigado recolhe moedas do
que restou da boca dos mortos.
Quanto mais lama, mais
suínos
Quanto mais estrelas, maior
céu noturno
Quanto mais tempo, mais
eternidade.
RESPIRAÇÃO DA LEITORA
Clareira de fôlego,
alvorada branca para que a essência de trovar escuro apareça.
Oásis brancos para que a
sede não pare
E o leitor recupere o animo
ante o pântano da página que é o poema.
Exorto e digo o para quê do
poema e da canção noturna.
AS MÔNADAS DOS SÁBADOS
Aos cônsules inconsúteis
A Barros de Carvalho e Mello Mourão
Aos brâmanes persas
As mônadas dos brâmanes
São ondas de sombras
Bramantes tapetes
Rodas de carne
Odes de sabre, dobras
De súbitas corolas, obras
Da veloz passagem.
EXORTAÇÃO AO LEITOR
Leitor, faça alguma coisa,
Tome um conhaque com a taça
em riste
Devore vinho tinto e
sonâmbulo
Desista de conhecer o
poema, beba-o, morda-o com dentes parmenedianos úmidos
Liberte as grades do desejo
Incinere dores e pássaros
Faça voar a gaiola sem voo
dentro
Varra também o tapete (com
o poema
A água do banho da
gramática jogue)
Para bem onge do lixo,
amamente
Bois mecânicos, abismos,
galos coesos, mitos
Manipule pêsames brancos,
ossos de baunilha
Liças de abelhas desafie,
enfrente pusilânimes
Fabrique lenços para
adeuses provisórios
Com lágrimas incluídas
Incite máscaras de lástima
e nuvens
Para dias de nojo e enjoos
sujos
Corteje a sombra dos
gasômetros
Extinga cotonifícios,
precipícios alimente
Erga a chama farmacêutica,
o óbolo sublingual
Blide esperanças e mansões,
mas
Não deixe nunca ciar da mão
esquerda
A bandeira esfarrapada do
poema
(e nunca o abandone
Em meio a um aparente sem
sentido
Que beire a página ou o
delírio
De cujo lábio guarde o
contorno
Ou a máscara cosmética –
não o cosmo).
CANÇÃO NOTURNA
Flauta frigia ânimos incita
À ira, corrobora a guerra
lírica
A alma animal desarma
Ferrenhas virtudes dos
guerreiros apura
O bélico furor atiça contra
civis afetos
(que o possesso Platão
ensina)
E chama decante no fogo que
aterra
A lídia flauta cavas
exéquias
E lamentações das vítimas
modula
Extintas canções dóricas
copia
Hinos votivos ilumina
E a eclesiástica noite
incendeia
Enclausurada em pesadelo de
candelabros
Na veia das coivaras
injetada
Para glória da manhã que
denuncia.
Eis cortejo oloroso
De cinzas de rosas
No páramo deixando
Rastro de aromas
Pira de perfumes
Rendas de narinas
Olores de ouro e prata
Nos ermos intrincados da
alma
Nas furiosas veredas das
horas.
Eis cinzas dos sonhos
Que vida ferina
Em coivaras tornou
Corroendo a útlima
Rua do mundo
Intimo confim expondo
Para coroa espúria do fim
Para leito da morte de
mármore
Olhos estilhaçados
apontados
Escuridão recortada em
marfim.
Que buscas peregrino da
aurora
Cavalgando ginete de
estrelas
Por estradas que a luz
avassala
E a árida coivara sempre
devora
Quando o rastro da hora
coagula
O gesto náufrago da avenida
nua?
Busco o rosto que Narciso
toldou com seu orgulho
E espelhos para mirar-te
antes de partir
Para a mansão noturna e
arredia.
Há gotas no rocio
Joias suspensas dum
escrínio azul
(pepitas do parnaso
natural)
Há lágrimas de magnólias
Que esgrimem com rosas, com
espinhos digladiam
Caindo do ramalhete dos
olhos
Do jardim do rosto despencando.
Troque ócio pelo verso rima
pelo vício
Cure com poesia enfermidade
do tédio.
Drágeas da imaginação
prefira aos barbitúricos da vida
Longe da cocaína da inveja
E do ópio da lisonge
alongue seus dias.
Não há melhor
antidepressivo
Nada ultrapassa o remédio
De um soneto de Waldemar
Lopes ou Camões
Dedilhado ao longo de uma
tarde de larga poesia
Acantonada num copo de
uísque,
Sob batuta do desejo
vespertino.
À ESSÊNCIA NUA DO TROVAR ESCURO
O poema acontece.
A imagem brota do nada ao
encontro
Da palavra em jorro breve,
largo, lépidos flashes crassos
Ou puros, mas descontínuos
e lassos, adjetivos.
O poema não nasce
classicamente, não é a recolha
De uma messe de letras,
algo que vindo em semente se assemelhe
A um fervor agrícola, a um
molho de semestres
(ou motim equestre)
Cereal do verbo que
plantado emirja (pão undécimo)
Sob égide de uma estrutura,
voo de baunilha
Sob pátio de uma história,
esquema hábil
Em aritmética e música,
partida dobrada de emoção diurna
Como soem ser “poemas
despoietizados”.
Acontece, súbito relâmpago,
voragem
Que escurece o jugo das
palavras
Presa do dínamo narrativo,
catraca do sentido
Poema acontece sob trilhos
próprios do tempo (a esmo do sentid)
Descarrilha antes de
sujeitar-se à estação da gramática.
Nas rédeas insolentes do
inútil e da intriga
Perde abrigo, ganha
refpugio
Do tugúrio do sintagma
Desconexo habiuta, nas
minúcias
De um espaço passivo
inacabado sempre demoníaco
Talvez imóvel (semovente)
Como um sino antes do
primeiro repique
Como eco prisioneiro do
bronze.
O poema surge e ressurge e
incorpora-se à paisagem
Do tempo como a lava de um
vulcão à geografia do olho
Encarna-se na passagem do
fruto como a boca do mundo.
Emerge dado, acontecido,
fato de palavras construído
Por parcas porfiosas
tecido, por gestos irremediáveis alinhado, penélope a Penélope, a trama do
inverso vertido
Fruto da epifania do verbo
do projeto da página concebido.
Vêm os poemas do repudio da
suspensão do temor
Da carne do incomunicável
(do comunicável não é preciso)
Fluem do imanente, mas desprezam
talvez o contudo
E toda a transcendência do
palavrosos abominam.
Vêm com
As hostes do gerúndio para
república do verbo edificarem sobretudo
(com pás de palavras,
arados de adjetivos, martelos
Para temperar metáforas,
alicates, metonímicos).
Do frutífero inconsciente,
do prolífero critério
De imagens suínas (e
grupais inclusive) é fruto também.
Adota o infecundo e a
intempérie como símbolos
E as carnes da prosa para
sua fome metafórica
Para sua glória meteórica.
O poema ergue-se de um
reservatório de escombros
De uma legião de dores, de
um cesto de torsos arcaicos
De uma usina de sombras
fecunda e dínamos solares
Para a claridade da
palavra, para o foco da essência, íntima, vasta.
Advém o poema de uma zona
cega (ponto morto)
Perigosamente impura
Estranhamente nua.
Vem a poesia ao poema em
fragmentos de mundo
(o que o obus da palavra
deteriora e salva), em forma de olhar
De termores, de dias
sobambulos, de vazios intenso.
A poesia depende do
silêncio acúleo do poeta
Que fere a palavra, deixa-a
dizer-se
Fazer-se em poema insensato
Arrastar-se até a página,
leito ou útero de sua rebentação imagética.
O poema vive às expensas de
porfiosa Ariadne
Fricativa, fina frágil
sílaba de fonte e mistério, guia
E amoroso caminho, indefesa
luz
Abandonada gema.
Se o poema não tem a
aparência do que vem feito
Sua essência é falsa
fabricada por máquina de prosa
Engrenada a discurso
diesel.
O poema é dínamo movido por
musas atadas
(deuses estanques)
Ao subconsciente do mundo
À inconsciência da coisa
que o ilumina elevado
Por oficio rebusca,
rubrica, denuncia ou afaga
A palavra dicionária.
Todo poema é sonambulo sob
pena de ser narração
Do nada, doença do sono,
dor da vigília, artificio da alma.
(se o poema não passa do
limite da página em branco
Publique o mundo
Urre por ratos urbanos
Suicide-se com o alfanje da
palavra
No pescoço do sentido).
Mas nunca diga que poeta é
um fazedor de signos cegos
Artesão de metáforas
encaixotadas em urnas sonoras
Em diapositivos de música
ou um reles fingidor
Do mundo de que se demite.
SETE POEMAS SEM CAUSA
Oásis são conveses das naus
de areia.
Gáveas ninhos das nações do
vento belvederes azuis, cenáculo para desfile dos elementos.
Gaivotas sonoras estrelas
marítimas, águas voando.
E o coração âmbito de
delírio.
Sob tempestades ou calmarias
de palavras poetas sucumbem ou se salvam.
As estações do amor estão
fechadas.
Para demolição. Definitiva.
Rações de vento para
sôfregos.
De água para náufragos.
De ira para deserdados.
De ódio para derrotados.
De dor para desamados.
Tudo para nada.
SÊMEN E FUGA
São Luís lambua à luz do
amor em ágape profundo (sorvo imundo)
Escrófulas dos súditos e
aos centos corrente pus sorvia
(As via como pêssegos vivos
ou melancias).
Na Babilônia fornecia-se
ácido muriático para quem sofresso dor ciática.
No percurso da acácia há
inválido rumor de luar, jorros de cevada.
(Além do cavalo
apocalíptico à tardinha).
Crédito vale mais que
credo.
Amor também é abjeto.
Toda masca inspira-se num
rosto.
Cegas luzes da melancolia.
Vida feita de ruinas
brancas, demolições lentas, opções frágeis como uma cereja ou um bordel e
dilemas como o verme ou a rosa.
MONADA?
(O ÁTOMO DE LEIBNIZ) – Pequeno protozoário (de onde viemos, da monera
primitiva, dixit Darwin) de um só flagelo. Que possuía sumultaneamente
qualidade de matéria e espirito. Átomos da natureza, elemento vital das coisas.
As mônadas, na teoria monodológica de Leibniz, são impenetráveis (muito além
dos himens comuns) a toda ação exterior, guardando similitude com minha teoria
poética de que as palavras no poema devem resistir a toda força hermenêutica
que a elas se imprima ou sujeite. A todo esforço (vão) de decifração de
críticos e leitores (não mais desavisados) que caem como lobos sobre cordeiro
da poesia, da pele do poema, para devorar sem piedade ou demora. Devemos (neopoetas)
negar-lhes esse triunfo fágico. Que quanto mais sofrerem e mais suor exegético
derramarem, melhor (críticos e leitores). Mônadas poéticas diferem dos átomos
mecânicos dos versos tradicionais, assim como Demócrito de Max Planc. Ou das
antigas moléculas parnasianas da poesia. Mônadas deriva de monos (só, único).
Ente simples, unidade vital (substancial) de que, segundo Leibniz, são formados
todos os seres. Equivalente ao átomo Demócrito.
BANDO
DE MÔNADAS – Poemas extraídos da obra
Bando de mônadas (Bagaço, 2011), do escritor, jornalista, advogado,
professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo. Veja mais
aqui e aqui.
MÔNADA/MONADOLOGIA – [...] Os
corpos materiais, por sua resistência e impenetrabilidade, revelam-se não como
extensão mas como forças; por outro lado, a experiência indica que o que o que
se conserva num ciclo de movimento não é – como pensava Descartes – a
quantidade de movimento, mas a quantidade de força viva [...]. Trecho
extraído da obra Os princípios da filosofia ditos a
Monadologia (Abril,
1979), do filósofo, cientista, matemático, diplomata e
bibliotecário alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716), na qual o
autor a partir da noção de matéria como essencialmente atividade, chega à ideia
de que o universo é composto por unidades de força, as mônadas, noção
fundamental da sua metafísica. Essa noção, contudo, não se esgota na adição do
atributo força ao conceito de matéria, formulado por Descartes. Ele chega à
noção de mônada mediante a experiência interior que cada indivíduo tem de si
mesmo e que o revela como uma substancia ao mesmo tempo uma e indivisível. As
notas que caracterizam as mônadas leibnizianas são a percepção, a apercepção, a
petição e a expressão. Os princípios do conhecimento assim formulados levaram a
uma concepção oposta ao cartesianismo, uma vez que este formulava uma concepção
geométrica e mecânica dos corpos, enquanto Leibniz construía uma concepção
dinâmica, explicando os seres não como máquinas que se movem, mas como forças
vivas. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.