terça-feira, agosto 07, 2018

FERNANDO PESSOA E O MAR, DE ADMMAURO GOMMES



GIRASSOIS QUE MORRERAM

Sei que meu corpo fala
E denuncia décadas
De girassóis que morreram
E nuvens de flores
Que rasgam o sol
Cada manhã...
Depois de tantas eras.

DÚVIDA

A dívida da dúvida
Pode ser uma dádiva.
Dá-se que uma suspeita
Ainda não confirmada
Aponte o endereço de uma Diva.
Ziguezagueando caminham os trens
Procurando o destino
Que se esconde na volta do vento.

LABIRINTO

Um mundo dentro do mundo
Segredos não revelados
Nas trapaças do destino
Nas luas que inventei.
Se alguém seguir a trilha
Que tracei em agonia
Pode se perder em rios
Atalhos pelo caminho.
Decerto, rasguei o mapa
Que mostrava a saída.
Se quiserem novo nome
Com travo de absinto
Tenho mais um heterônimo:
Labirinto.

PLUFT

A vida definha-se
A cada amanhecer
Que se deixa engolir
Pela noite densa.
Pulveriza-se
Mesmo pedra.
Desmancha-se frágil
Bola de sabão
Que navega
Em vãs ventanias.
E mesmo antes do tempo
Pluft!

UM MAR DENTRO DOS OLHOS           

Tem um mar dentro dos teus olhos
Que banharia a ilusão de um homem
E atiçaria
Toda e qualquer saudade;
Há uma luz que provoca
A mais séria ambição em quem sofre
E promete liberdade
A quem não sofreu de amor.
São bolas de cristal os teus olhos
Que enfeitiçam
Os sonhos mais impossíveis
De um guerreiro vencido.

UNIVERSAL

Universal é o mar como as manhãs.
Todo dia teremos água e maravilhas
Assim na terra como nos céus!

TUDO VALE A PENA

Nesta vida tudo passa
Como as ondas do mar
Como as do amar
Quando o vento transpassa.
Mas “tudo vale a pena”
Quando se volta a amar
Quando se volta do mar
“se a alma não é pequena”.

PESSOAS QUE PARTEM

As pessoas que partem
Parecem que partem
Alguma coisa dentro de nós.
Como algo de cristal
Continuam preluzindo
Reluzindo
Luzindo
Zindo
Indo..
Até transformarem-se em saudade.

ESCREVO

Escrevo porque as palavras
Procuram-me
Provocam-me
Perseguem-me.
Não posso fugir da briga.
Não tolero desaforo.
Luto.
Luta desigual.
Às vezes penso que venço.

INVENTÍVEL

Precisa-se de um poeta
Que invente palavras
Para dizer o indizível
Que arborize ideia
Que tire mel de colmeia
Invisível.
Que faça chover raios de sol
Em nuvens de pétalas
Que seja tão abstrato
Que veja coisas concretas.
Que fale sempre de amor
Que afugente a tristeza
Que não seja obrigado
A fugir da natureza
E não faça necessário
Rimar beleza com mês
Mas que tenha sempre dúvida
Enquanto tiver certeza.

CONTEMPORANEIDADE

Escrever para o meu tempo
Eis a dificuldade de fazê-lo.
Como dizer o que eu quero
Sem dizê-lo?
Que palavra usar que se leve
No bolso de cada pessoa
E se entenda pensamento
Perdido em metáforas?
Se é pra falar à posteridade
Que eu não diga coisa com coisa
Simplesmente acene
Com meu olhar de futuro.
Os que hão de vir
Dirão qualquer letra de mim.
Que me importa a tradução
Duvido que me descubram.

OUTROS POETAS

O poeta é um cidadão do mundo
Do mundo das palavras
Ilógicas góticas nórdicas
Qualquer coisa de tácito
Tudo que não se pode medir
Cabe no poema
E no coração do poeta.
O seu olhar mastiga o signo
E um sol de neve
Explode a cada novo som.
Depois deste mundo
Tem outras galáxias
Que pertencem a outros poetas.

O RIO QUE CORRE NA MINHA ALDEIA

O rio que corre na minha aldeia
Corre por dentro de mim.
Tem cristais de aroma
E peixes azuis
São águas de néctar
Em primaveras líquidas.
Banha as margens
Onde uma criança navega
Por lembrar os primeiros mergulhos
Na vida.
Um rio ainda corre na minha aldeia.


FERNANDO PESSOA E O MAR – A obra Fernando Pessoa e o mar (Autor, 2015), do poeta e professor Admmauro Gommes, traz o prefácio Admmauro Gommes: do melhor poema do poeta maior, por Vital Corrêa de Araújo, e é dividido em duas partes: Fernando Pessoa e o mar e Um século depois: 2015 em Pernambuco. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.