POEMA LIMPO
A tempestade
permanece.
O vendaval aí
está.
Mas eu
permaneço.
Larga é a minha
esperança.
Longa ainda será
minha caminhada.
Inconcluso é
este meu ser.
Peregrino
ponteiro que olha adiante.
Mas para trás
também se olha.
Não é preciso
volver a face.
Fechar os olhos
relembra.
Sente-se o peso
dos passos sobre a terra.
O chão está aí
para isso.
Como sempre
estará.
Eu não deixo que
a minha chuva cesse.
Não vai de mim
este temporal que explode.
Acabo por
ouvir-me no próprio vento.
E vejo que
também sou ouvido por ele
do alto desta
montanha, que sou eu...
A caminhada
nunca terminará.
Sempre ando até
mim e me abraço.
Sonho com a
calma deste vento que me acompanha
concluindo que é
em vão querer livrar-me.
Então paro na
caminhada que é minha missão
mas logo vejo
que também é em vão.
Devo ir sempre,
como meus vendavais.
Vem e cura-me,
tempo só meu.
Sinto que a
palavra já não alivia.
Eu sou assim
como o abstrato feito deste poema limpo...
CIRCUNSPECÇÃO
Meus olhares são
sensatos.
Observo a sombra
que transmito.
Vejo minha alma
de perto.
Toco-a com minha
visão.
A sabedoria dos
meus olhos me convence.
Vejo em mim este
brilho de alma natural.
A minha sombra
que lembra escuridão
é a expressão
mais intensa daquilo que sou.
Vago em meus
brilhos sombrios.
Preciso do sol
para iluminar essa aura que me acompanha.
Pondero tudo
àquilo que chego a crer.
Preciso muito da
resposta que o tempo guarda.
O juízo que
aplico é de caráter consciente.
Busco na
escuridão de mim uma luz de sabedoria.
Meu
discernimento é como o de uma cachoeira.
Deixo que passe
por mim tudo o que vier sem que eu seja pedra nem desvio.
Pertenço às
coisas que meu semblante desconhece.
Mas se o tempo é
surpresa que não tarda
e os meus dias
não são meus e que passam logo,
hoje eu sou o
que nunca fui, sem destino nem caminho estreito.
Meu
discernimento é natural como alguma porta aberta.
Caminham até mim
incertezas e solidão.
Mas quando o
vento rodopia e enfim devasta,
recomponho-me
como um vendaval sem rumo e guia.
A gravidade de
me encontrar é algo simples.
Vejo-me, toco-me
e reconheço-me.
Abraço-me,
olho-me e juro que ainda não sou
o que devo ser e
que julgo necessário.
Veio de longe o
meu olhar, e por essas distâncias,
perdem-se largas
interpretações da minha mente.
Vejo-me por fim,
um eco agudo e de ano-luz.
Sinto-me enfim,
semente plantada, mas sempre em busca...
VENDAVAL
O vento se
dissipa,
mas eu sou o
próprio vento.
Vai de mim longa
tempestade!
Vago vendaval
humano...
Cai uma chuva de
brasa.
O vento se
transforma em melancolia.
As minhas
incertezas, todas se diluem.
Sou eu o vento
em brasa.
Sou eu brasa
humana quase apagada.
A minha
indecisão é olhar este sol
que hoje não
quis sair.
Vejo-me como
esta nascente
sem hora de
talvez, surgir...
A orla já não
existe.
Sou eu a própria
orla.
As minhas ondas
se desvaneceram
como esse dia
que se foi.
O clamor da
noite já se prepara.
Anoitecer de
poente triste
é o meu coração
talvez jazido
em lápide
florida em lodo.
Eu, o vento
longe, vago...
...fui-me talvez
sem horizonte
a refazer-me, a
recompor-me.
Fiz-me a cinza,
o pó, a bruma
para renascer da
alta chama...
FOLHA
A liberdade é
uma folha que caminha.
Vai-se pelo
chão, empurrada pelo vento.
Eu também me
vou.
Mas o vento não
me inspira.
A folha é quem
me desperta a liberdade.
É-me natural ver
a liberdade de uma folha.
As folhas são
livres!
Mais livres do
que muitos homens independentes.
Eu não possuo a
liberdade de uma folha,
mas eu caminho
contra a direção dos ventos,
guiando meu
próprio destino.
Por trás desse
gesto natural eu me disperso...
...e fico a
procurar fora de mim
um sentimento
natural
que não seja
trazido pelo vento.
O meu caminhar é
sempre contrário.
Mas eu não
caminho contrariando-me.
É por isso que
eu não me rastejo
como a folha que
o vento leva.
Eu sigo
caminhando
contra ou a
favor dos ventos,
desenhando o meu
destino,
com ou sem
emoção.
É mais uma folha
que eu escrevo
e que este vento
não leva.
DECLIVE
A montanha não
se move,
e eu me encontro
aqui
contemplando
este monte, sem pressa.
Ponho-me a
imaginar a montanha se movendo.
[ A montanha sou
eu. ]
Do alto dela
vejo-me contemplando-a.
Minha cabeça é o
alto deste monte.
Daqui do chão
vejo sua altura.
Vejo que a
montanha também é chão.
[ Então piso-me
levemente. ]
Se eu chego ao
monte alto,
sinto o vento
mais forte.
Mas se fitá-lo
de baixo,
mais forte é a
minha emoção.
[ Quero
escalar-me. ]
Se eu paro no
meio do monte,
paro em mim
mesmo,
sentindo-me
percorrido,
vendo-me na
própria distância.
[ Desejo
caminhar até mim. ]
Diante de mim
vejo-me no
monte.
E diante do
monte,
vejo-me nele
próprio.
[ Sou este
eterno monte que desejo escalar. ]
AVE
O meu nome é
liberdade.
Eu sou aquela
ave que submerge as nuvens.
Assim saem de
mim as prisões celestiais.
Os meus voos
confundem-se com as minhas livres caminhadas.
Mesmo sem que os
meus braços
transformem-se
em asas
sinto-me nas
alturas
em elevação
humana.
Assim mais
próximo deste firmamento
sinto-me divino
na humana maneira de imaginar.
Vejo que sou
livre e que no alto eu me encontro.
A cada metro
deste chão reafirmo-me mais seguro.
Do alto, sou uma
ave que vaga e que busca
no céu, o chão
da liberdade que sobrevoa.
Eu fiz
uma trilha que é o meu “caminho-firmamento”.
Não vago triste,
pois sou este
que se liberta.
Surge de mim a
vastidão livre do mundo
enquanto voo
neste meu sonho precioso.
Do chão busquei
asas
que me fazem ser
sempre mais.
E sendo mais,
creio que há mais para ser.
Clama de mim
verdadeiro desejo de ser livre.
Nos céus eu me
ponho em liberdade que se renova.
É vasto o tempo
e imensa a minha busca.
É livre o meu
pensar
que encontra
aquilo que me completa
e me renova,
pois tenho asas
que me liberta.
O céu é largo,
mas ínfimo à liberdade.
VAPOR
Eu sempre me
desfaço como a água.
Sempre escorro
pelos lugares mais dispersos.
Faço-me um lago
de fendas sem rumo.
Adentro o chão e
evaporo para o céu.
Abro meus braços
como as asas de uma águia.
Tenho olhos
visionários, talvez, como os de um falcão.
Preso no céu a
terra parece evaporar-se.
A cada longo
caminho, a caminhada se renova.
Deixo para trás
tudo aquilo que me desfalece o espírito.
Sinto que um dia
ele fará como as águas.
E evaporando
para os limites dos céus,
encontrará no
vapor etéreo, a graciosidade do desconhecido.
Vingam em mim
contemplações da mente humana.
A cada marcha,
largo pelos caminhos minha essência e suor...
...que se
evaporam.
Contudo, a mente
prossegue,
mesmo tendo as
pernas amarradas.
Submerjo meus
olhares nos atos neutros.
Neutralizado,
penso em desvanecer-me enquanto há tempo.
Mas o tempo
também se evapora
e com o passar
dos dias, eu evaporo como o tempo.
Espero sempre
que a minha alma se recolha.
O silêncio
também dissolve em bolhas, em ar quente, meus pensamentos.
Mas sempre que
um pensamento se esvai,
logo um outro
chega, e sem que eu perceba, ele se evapora.
Eternamente, as
minhas conclusões são feitas de vapor.
Logo que as
retiro de mim ou das coisas, perco-as.
E enquanto
vejo-me, assim, disperso como a folha seca que cai da arvore,
concretizo meu dia
como o canto de um pássaro quando acaba.
De contínuo,
como tudo se perpetua, sigo atravessando com os dias, ideais.
Prontamente,
concluo-me como um calendário passado.
Logo tenho a
certeza que fui vapor, e ainda assim, evaporarei...
...como o gás
emanado da metamorfose da água.
ARTE
Eu sempre
desenho a vida escrevendo.
Mas para isso eu
devo sentir-me vivo.
Desconhecer a
vida em si não é tarefa minha.
Por isso eu não
pinto a vida.
Eu escrevo-a
vivendo intensamente.
Jamais coloco
fatos nas páginas do meu destino.
Ele representa
para mim
um desenho
natural.
Nunca rabisquei
um dia
Ou uma semana
para vivê-la.
Por isso eu crio
a obra executando-a
como quem fala
sem meias palavras,
como quem vive,
vivendo...
Esta obra composta
por mim
é a minha
existência vivida profundamente.
Meu gesto mais
forte em vida é compor.
O meu ato maior,
o cerne em si de viver.
Viver para mim é
sentir-se vivo,
achar-se pleno,
ver-se no amanhecer,
que renasce,
ressurge...
...como se um
sol vivo dentro de si explodisse.
Nunca reprovei
um gesto meu de criação.
A vida para mim
é uma constante poesia.
Uma arte
derradeira que renasce a cada ato.
As minhas ações
não perecem quando findam,
pois de pronto
surge um novo ato
fazendo renascer
a vida nova
diante de mim e
de tudo mais...
DESENHO
Descrevo-me como
a natureza.
Ela faz o sol se
pôr.
Eu me ponho em
muitos lugares
e concluo que
não brilho como o sol.
Sempre observo a
noite vertendo escuridão.
Estrelas rompem
a penumbra celestial.
Madrugada serena
origina o silêncio.
Mas interrompo o
silêncio com a poética que emana
do meu
silêncio-metamorfose.
O amanhecer me
abre os olhos.
A luz do dia
ergue-se me erguendo.
E enquanto a
fome encoraja passarinhos a voarem sem destino,
vou acordando os
meus dias.
E com todos já
traçados,
não há como
descarregar deles, incertezas,
para redesenhar
o esboço da obra,
e deitar sobre a
moldura, recompostas pinceladas,
com iguais cores, mas de profusos sentidos.
Calma é sintoma
quando a alegria de algum dia me invade.
Mas a alegria
dos dias sempre existirá.
E é para todos.
E me define,
como qualquer tristeza,
que carrega o
sintoma que também desenha
e redesenha
qualquer um que se faça triste,
ao inquietar-se,
em tormento,
ao abrandar-se,
quando sossega.
É justo
desenhar-se.
Redesenhar-se é
retidão.
Ainda a
natureza, igualmente, é mutante,
em ascensão e
declínio,
configurando-se
por direito
no declínio ou
na ascensão.
Somos natureza,
que precede e incide,
letárgica e
ressuscitada.
Natureza humana
e Santa Natureza
a quem o mundo
glorifica e profana.
Cultivemos
seringais!
É preciso
coragem!
Todos nós
precisamos de borracha...
Eu caminho em
direção ao tempo,
Mas recuo.
Abro a janela do
destino,
buscando-me a
cada dia, procurando conhecer-me,
inconscientemente.
O lado oposto da
estrada
é o meu lado do
coração.
A reta contínua
do destino confunde-me,
mas prossigo.
Vejam: há
adiante caminhos eternos.
Todos eles me
constituem.
Por isso
percorro-me.
Sou de
profundeza singular e de caminhos plurais.
O mesmo eu
reproduz-se.
Mas insurgem de
mim vastidões de egos.
Sou as estradas
que percorro,
a curva, a reta,
as direções sem
fim...
Eu sou o
destino.
Sempre perto,
sempre longe.
Alegre e triste.
Acontecido e
para acontecer.
ESPERANÇA
A noite decai
sobre mim.
Mas eu sou a
própria noite.
Abandona-me,
escuridão celeste.
Vasta
inquietação humana.
Hoje a
tempestade não veio.
Mas a correnteza
continua seu trabalho.
O ponteiro não
para, seu ato é externo.
E a minha sombra
continua e me acompanhar.
O vento também
semeia do céu as aves.
Esta é a sina de
cada estação.
Existir não é
uma questão de querer.
Ouvir-se é o
primeiro passo.
O farol do meu
templo é de grandeza perpétua.
Portas se abrem
com a arte de sonhar.
É intenso partir
sem olhar para trás.
Cada pedra
existente é o desenho da esperança.
Busco em um
outeiro o reflexo da luz do meu horizonte.
Mas sei que logo
o ocaso voltará.
Cada
circunstância da vida deixa resquícios atemporais.
Por isso a
estrada é o espelho de toda caminhada.
Cada gesto da
natureza é uma metamorfose constante.
Por isso chove e
eu sei que sou a própria chuva.
Cessa e
deixa-me, vendaval dos tempos.
Faz-me folha
livre, mas que o vento não me guie.
A escultura de
cada estação é feita de destino.
Descobrir-se na
escultura é achar-se arte humana.
Amanhece em mim
a expressão do pensador
me eternizando
como o mar que não evapora.
Não há retorno
de tempo. Tudo é chama.
Cada dia que
surge é uma passagem derradeira.
Ser e estar são
o mesmo que ouvir-se e existir.
Verte-se o vapor
que a expressão dos olhos lança.
O futuro estar
no agora que será qual folha que vento leva.
É ilimitado este
presente que se procria.
O princípio
deste agora é o que se vive.
“Esperança não é
vir, é não dissipar-se quando for...”.
Mas a noite se
debruçou.
Sinto-me por fim
essa escuridão.
Mas logo serei o
intenso amanhecer.
Infinita
luz de vida humana...
TEMPESTADE
Despedaça a
tempestade.
E eu escorrendo.
Anda em mim
terremotos,
chuvas, imagens
deste céu que
aniquila
trovões...
Relampeio na solidão
noturna.
Vejo meu brilho
que rasga o silêncio.
Sou a luz que se
esconde.
Sou a voz que
não fala.
Vendaval de
dilúvio que se prepara.
Gotas temporais
saem de mim vorazmente.
Meu segredo é
saber ser esta tempestade.
Algo diz que meu
céu só desaba desgosto,
que de mim
despontam tufões e extensas ventanias.
Por fim cessa a
tempestade.
Cessa porque
preciso dormir.
Estanco estes
invernos estrondosos
sempre que
choro-me.
E quando minhas
lágrimas sustam
esta tempestade,
este eu-temporal
se esvai.
EU, DENTRO DE
MIM...
...mas eu vago
na noite que é longe e que passa.
Esta é a
natureza das coisas.
Passo por esta
noite como o vendaval.
E fico na
memória de um só dia.
Não me sinto
chama como o fogo alto.
Basta-me a
liberdade de andar em meu declive.
Sou substância
humana que não cessa
como este vento
que traz tempestades.
O que pensar
diante do próprio ego?
Dentro de si nem
sempre nos achamos.
Perder-se do
próprio ser é sempre a pior tragédia.
Prisão não é
estar preso é não querer ser livre.
Mas mesmo sendo
peregrino,
- “o caminhante
de cada estação” -,
encontro em mim
meu eu em liberdade
capaz de ser meu
principio eterno,
terno ser, de
começo sem fim...
FÁBIO DE
CARVALHO - Poemas extraídos da obra Poema limpo: eu, dentro de mim (Amazon,
2017), do poeta, historiador, professor, arte-educador, compositor e músico Fábio
de Carvalho Maranhão. É idealizador do projeto Lançando Poetas, desde 2010, com
lançamento de 16 poetas na antologia Um tiquinho de cada (2010), e 31 na
antologia Palavras da Vida: poemas que ensinam a viver (2010). É editor dos
blogs Poeta Fábio de Carvalho, A crônica da semana & outras prosas &
Toda Opinião. E veja muito mais aqui.