quarta-feira, abril 25, 2018

O CARA DE FOGO, DE JAYME GRIZ

O FANTASMA NEGRO DO BUEIRO DA USINA CUCAÚ – [...] Encontrado o dobrão de cobre, grande alvoroço da turma de trabalhadores e dos curiosos que apanhavam os trabalhos de derrubada da capela. Parou todo mundo de trabalhar e de ordem do cabo da turma, um sarará de Porto Calvo, que gritava mais para seus homens do que trabalhava, chegou por mãos de um preto um ferro-de-cova que por este passou a ser usado na escavação do lugar onde fora encontrada a moeda de cobre. A certa altura do trabalho do preto o ferro-da-cova bateu em qualquer coisa lá embaixo. Uma pedra ou um pedaço de ferro. Pareceu mais ferro do que pedra, pelo som da pancada. O preto estremeceu e parou no seu trabalho. Levantando a cabeça para os presentes, disse: - “É a botija!” E todos prorromperam em gritos: - “A botija! a botija!” E o sarará berrou: - “Quem não é da turma, fora daqui! Fora! Fica de longe!” Afastando-se os curiosos, prosseguiram os trabalhos. Foram arrancadas outras lajes em derredor do espaço escavado e depois, com o uso de pás, chegou-se finalmente ao ponto onde estava a coisa tocada pelo ferro-de-cova. O sarará fez parar os trabalhos e ele próprio desceu à escavação e examinou o que estava lá. E falou: “É uma caixa de ferro”. Outra vez prorromperam novos gritos: - “A botija! a botija!”. [...]. Trecho do conto O fantasma negro do bueiro da usina Cucaú, inserido na obra O cara de fogo (Museu do Açúcar, 1969), do poeta, jornalista, economista e folclorista Jayme Griz (1900-1981), analisado no artigo Lendas, crendices e abusões: alegoria e história em O Cara de Fogo, de Jayme Griz (Revista Entrelaces, Jan.-Mar, 2018, pelo bolsista PIBIC-CAPES do Departamento de Letras da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Ivson Bruno da Silva, sob orientação do professor João Batista Pereira, concluindo que: [...] Decerto, o conto de Jayme Griz ultrapassa as tentativas de ser enquadrado no âmbito dos pressupostos conceituais da literatura fantástica. A recorrência ao mito, ao folclore, à oralidade e ao mundo rural que o acolhe, além da singular e afetiva abordagem como ele transfigura o insólito, dificulta situá-lo nos condicionantes teóricos usualmente adotados para o estudo do gênero. Ao fim e ao cabo, permaneçamos com a essência do que suas histórias emulam: a capacidade de instituir a sabedoria por meio da memória e da tradição. Lembremo-nos de que os temas dos seus contos somos todos nós, são nossas histórias, mantidas vivas cada vez que são verbalizados repetidamente, necessitando sempre de quem as escute para não se perderem na escuridão dos tempos: “E como ouço ainda esses distantes ecos...”. Veja mais do artigo aqui e mais de Jayme Griz aqui e aqui.