O FANTASMA NEGRO DO BUEIRO DA USINA CUCAÚ – [...] Encontrado o dobrão de
cobre, grande alvoroço da turma de trabalhadores e dos curiosos que apanhavam
os trabalhos de derrubada da capela. Parou todo mundo de trabalhar e de ordem
do cabo da turma, um sarará de Porto Calvo, que gritava mais para seus homens
do que trabalhava, chegou por mãos de um preto um ferro-de-cova que por este
passou a ser usado na escavação do lugar onde fora encontrada a moeda de cobre.
A certa altura do trabalho do preto o ferro-da-cova bateu em qualquer coisa lá
embaixo. Uma pedra ou um pedaço de ferro. Pareceu mais ferro do que pedra, pelo
som da pancada. O preto estremeceu e parou no seu trabalho. Levantando a cabeça
para os presentes, disse: - “É a botija!” E todos prorromperam em gritos: - “A
botija! a botija!” E o sarará berrou: - “Quem não é da turma, fora daqui! Fora!
Fica de longe!” Afastando-se os curiosos, prosseguiram os trabalhos. Foram
arrancadas outras lajes em derredor do espaço escavado e depois, com o uso de
pás, chegou-se finalmente ao ponto onde estava a coisa tocada pelo
ferro-de-cova. O sarará fez parar os trabalhos e ele próprio desceu à escavação
e examinou o que estava lá. E falou: “É uma caixa de ferro”. Outra vez
prorromperam novos gritos: - “A botija! a botija!”. [...]. Trecho do conto O
fantasma negro do bueiro da usina Cucaú, inserido na obra O cara de fogo (Museu
do Açúcar, 1969), do poeta, jornalista, economista e folclorista Jayme
Griz (1900-1981), analisado no artigo Lendas, crendices e abusões: alegoria e
história em O Cara de Fogo, de Jayme Griz (Revista Entrelaces, Jan.-Mar, 2018, pelo bolsista PIBIC-CAPES do Departamento de Letras da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Ivson Bruno da Silva, sob
orientação do professor João Batista Pereira, concluindo que: [...] Decerto, o conto de Jayme Griz ultrapassa as
tentativas de ser enquadrado no âmbito dos pressupostos conceituais da
literatura fantástica. A recorrência ao mito, ao folclore, à oralidade e ao
mundo rural que o acolhe, além da singular e afetiva abordagem como ele transfigura
o insólito, dificulta situá-lo nos condicionantes teóricos usualmente adotados
para o estudo do gênero. Ao fim e ao cabo, permaneçamos com a essência do que
suas histórias emulam: a capacidade de instituir a sabedoria por meio da
memória e da tradição. Lembremo-nos de que os temas dos seus contos somos todos
nós, são nossas histórias, mantidas vivas cada vez que são verbalizados
repetidamente, necessitando sempre de quem as escute para não se perderem na
escuridão dos tempos: “E como ouço ainda esses distantes ecos...”. Veja
mais do artigo aqui e mais de Jayme Griz aqui e aqui.