POEMA DOS
SEIOS
Regatos
Eu os sorvo
Milhos túrgidos
Eu os debulho
Cordas
violáceas
Eu as vibro
Vibro, vibro
Vibro.
REVISTAÇÃO
Numa casa
Estavas
Nas paredes
No balde
Dos açides
Amontoados
Trapos
De
Mim
Dispersamente
Fui velho
Para ser
infância
As minhas
amadas,
Elas não me
amavam
Fui infância
Para ser
velho.
INPS DO POETA
Assino o ponto
da poesia,
Dou o exato
expediente do verso,
Faço petições
rimadas,
Memorandos
metrificados,
Avisos-livres.
Recebo
remuneração de improviso
E doo liras ao
instituto.
Decreto
sonetos, legislo loas.
Pago taxa do
verso previdente,
Tenho diploma
de ritmo
E adoro o odor
da flor do Lácio.
Sou poeta laureado
por concurso
E tenho minhas
atribulações constitucionais.
Primo ser
poeta aposentado,
Pois passei a
vida toda
Feito canção e
acordando as manhãs.
Peticionarei
ao poeta presidente,
Pois tenho
tempo de serviço na poesia.
DIDÁTICA DOS
DOGMAS
Creio na cremação,
Nas
santíssimas engrenagens,
No imaculado
dos maquinismos,
Nos alicerces
dos edifícios,
Nos astros do
poço,
Nas salsichas
conjunturais.
Creio na
cromação,
Na pria, no
chumbo, nos autos e nos acessórios,
Nos epitáfios
dos vândalos,
No
apodrecimento dos eruditos,
Na volúpia do
vanádio,
No amor
plástico,
Nos ofendidos
e nos humilhados,
Na veemência
dos mutuários,
Nas escrituras
registradas.
Creio na vida
eterna,
Na morte
certa,
Na liquidação.
CACTOSCÂNTICOS
Cactos cantos
Secosáridos
Dos sertanejos
Poemas e
cardos
Espinhos e
litígios,
Agruras,
Dedos acúleos,
Olhos sem fim,
Como a
planície morta
Secas, cismas,
Perdidão:
Sertão
Raízes de
ruinas
Futuro de
graveto,
As chamas do
presente,
Antes de tudo,
a fome
A fome,
Depois a fome,
A fome
Antes,
A dor de cada
dia,
A lágrima, a
alegria
É seca a face
O céu é seco,
É seco o rio,
O rumo é seco,
É seca a sina
E a cacimba
Que também
deixou de chorar.
A CONSTELAÇÃO
DO PÚBIS
Entre coxas,
A constelação
do púbis,
A savana, o
alfenin, a sede
Entre sebes,
A senda de ti,
A rosa oclusa,
a semente futura
Entre rios,
As mãos, o
fio,
A fonte das
sedes
Entre seios,
Violo, mordo,
sugo
Lábios e vias
lácteas
Entre coxas,
O sexo de
plástico,
O orgasmo de
náilon
Entre cactos,
A madona de
xiquexique,
O sexo
xerófito
Entre seios,
Sóis siameses,
Sou incedios
Entre coxas,
O estilete no
regaço,
O estigma, o
enigma de músculo
Entre forjas,
A orgia
industrial,
O sexus, o
plexus, o nexus
Entre pernas,
Joelhos
seculares,
Séculos
ajoelhados
Entre coxas,
O nu, a luz, o
lábio,
A rubra sede,
o sonho e o silêncio
Entre sêmens,
O secreto de
mim,
Eu segrego em
ti
Entre alpas,
O açude
rupestre,
A cisterna, a
cacimba
Entre vales,
Seares e segas
E sexo
sazonado
Dentro de ti,
Astros
esplêndidos,
O fruto, a
fome,
O infinito
Entre coxas,
A constelação
do púbis,
Em teu corpo,
A cimitarra e
o lume.
EM TEU CORPO
DE CARNE E CLARIDÃO
De carne e
claridão,
À sanha dos
desejos das mãos,
Esplende teu
corpo e eu espero
Teu corpo,
Mar e leme,
Ilha, solo
úbere de gaivotas,
Campo de
espigas, enigmas,
Teu corpo,
Uma água
esbatendo o cais,
Salpicando-me
As mãos que te
desejam e sangram
Em luz e
madrugada,
Lavradoras da
terra
Onde és
plantada,
Até a
eternidade dos frutos deflagrados.
O desejo é ter
mãos ou sonhos?
O desejo és tu
ou este desespero de poema?
Em teu corpo,
Prende meu
desejo e navega,
Além das mãos
No aquém-mar
do ventre.
Teu desejo,
esse meu incêndio,
Ilha e
solidão?
Sêmen ou
semeação?
Meu amor
É maior que a
tua sede,
Meu corpo de
pescador perdido
Procura os
horizontes e o peixe,
Com quem divides
E desvendas o
mar
Teus seios,
Aves
gotejantes dos céus,
Cumes atiçados
por voos
E eu,
Plástico
amante telúrico,
Enraizado
entre pedras
Nascidas na
planície.
O amor lavrou
a morte
E minhas mãos
te escavam inutilmente.
Chobia na
terra escurecida,
A tarde espiava
Os últimos
visitantes de teus púbis,
Eu te expiava
E fiquei
submerso
No sonho tão
pássaro,
Como pedras
que corroem
As mãos do
náufrago.
E corri em
busca da brisa,
Na sede de
partilhar
Do teu corpo
alisio.
Eis a
tempestade,
As distancias
desencadeadas,
E o meu teu
corpo mutilado em mim.
Fugi de teu
corpo,
As mãos são
partidas
E eu espero
A frutificação
dos dedos, o desejo,
A esperança
tornada pedra,
O gesto de te
tocar eternizado,
Eu te espero
em todas as manhãs
Para o embate
indomável dos corpos
Amantes e
desesperados.
Eu espero
novas primaveras
Renascerem em
teu ventre,
Eu espero
Teu corpo
Me espera.
PÃO
Jamais te
dedicaram
Um simples
verso,
A voracidade é
maior
Do que o
lirismo
Devoram-te e
não te veneram
Mas doravante,
pão,
Terás poemas
Penetrarei
Com pinças de
Virgilio
A tua cereal
entranha
Irei,
Além da
tostada forma,
Do conteúdo
Alto-proteico
Viajarei,
Além do vulgar
Nível
alimentar,
Ultrapassando
as fronteiras
Da padaria
Não vale a
filosofia do padeiro,
Nem a
metafísica do merceeiro
A sociologia
de tua massa
É tão sublime
Quanto a das
multidões
Irei, além,
pão,
Do nível comum
Do
entendimento ávido
Dos a quem te
doas
Heroico,
desprendido,
Suicida,
alimentar
E tocarei a
última
Substância do
trigo,
O germe
ínsito,
A própria
Consciência
cereal,
A paônica
essência
Ó pura
concepção de Ceres,
Farei um verso
Ao teu
criador,
Escultor,
pintor, talhador,
Que te forja
perene
Em gesto e
fogo
Da espiga,
Brotou nutrida
A civilização
Ter
Ou não ter
pão,
Eis a questão
E após a lira,
O joelho
respeitoso
Ante a
Congregação de
espículas
Que se faz
espiga
E humana
substãncia
Ó espírito
moído
Dou-te à
devoração
Este poema
faminto.
TÍTULO
PROVISÓRIO - É o primeiro livro do poeta e crítico literário Vital Corrêa de
Araújo, Prêmio Othoniel Menezes de Poesia, publicado em 1977, pela Fundação
José Augusto, de Natal – RN. Veja mais aqui, aqui e aqui.