BORGES
& EUGÉNIO
A
palavra aberta
Como
reconhecer anjos?
Pelos
testículos cândidos
(as
veias da poesia nuas
o fêmur
do verbo exposto
a
fratura do espírito em riste)
a Bono
Vox (U-2_
Compêndio
neste volume duas coletâneas de poemas
(Borges
e Eugénio e Testículos cândidos) compostos
em
tempos diferentes: 2010 e 2011, que se assemelham
face
alguma singularidade temática, que favorece a
consolidação.
FUNÇÃO
DO POETA/FIM DA POESIA
À dor de
(não) dar realidade aos desejos
A Jomar
Muniz de Brito
Aos limites
cristalinos e lascivos do ser
Todos os
poemas já foram escritos
Resta reescrevê-los
(todos)
Até que
toso os poemas estejam escritos.
O tempo
suspenderá as sessões
Em seus
palcos
E seu
curso imaginário (a Bachelard).
Escritores
passam a vida repetindo palavras, cenas, situações
(cobrando
continuidades falsas)
Sempre as
mesmas palavras
Em situações
diversas (ou não)
Polindo-as,
repolindo-as (desfazendo-as)
Apartando-as,
desapertando-as
Do curral
da página
Em busca
da experiência definitiva e perfeita
(a
Unanummo).
AGONIA
DO POETA
Aqui começa
a decomposição do poeta
Pútrida erosão
de suas rimas (árticas)
E odor
malévolo das sextinas rústicas
Se espraiam
como infecção galopante
Pelas raias
do intestino (diverticulítico)
Pelos
lombos do tomo, pelos vales da página
Se espalha
como água que onda transporta
Narinas da
estrofe tumefacta
Aqui começa
torneio cruel
E infrutífera
queda das metáforas
Vitória grotesca
da metafísica da carne
Aqui começa
iodada e ininterrupta
(porque
perpétua, invencível)
Putrefação
dos eruditos (e suas graxas retóricas)
COGNOMINADO
POETA
Ele participa
com máscaras e fermentos
Da vida
E do
vigor desse jogo absorto e imaginário
Portanto
vil
Chamado poesia
Vem a
dor do ver assim o mundo
(de
cabeça para baixo a pútrida
Palavra que
o mascara)
Ele se
orgulha
De possuir
o mais perigoso dos dons
(e o
mais inocente dos ofícios ósseos do espírito)
Dono que
é de bens impunes (e herdados)
Persistentes,
inesgotáveis
Do espólio
da palavra
Ele sente
a profundidade antiga
(e a
profanidade viva)
Do insumo
que ao ente do sonho assedia
Ele sente
O que o
ilumina
De ilimitadas
ilusões
Ele é o
coração da verdade e sua vítima: poeta.
TERCEIRO
POEMA
Amor não
é onda
Vermelho
assome
Ou vingue
azul de náusea.
Amor é
quando
Paramos do
coração viram chamas
Ou ecos
do que sentes assim
Que rosas
se insurjam
Contra os
simulacros da primavera
(contra
as pátrias dos espinhos
Contra os
cravos, cavalos verdes, botinas, esporas
E trapos
mal-cheirosos do povo).
(Amor é cinza
Do que
restar de vivo
Após o
abandono).
Amor é o
de Píramo e Tisbe
(que o
vermelho da tragédia perpetua
Nas rosas
e páginas dos jardins sem édens).
RUÍNA DO
AMOR E INTERROGAÇÕES AZUIS
O tempo
corroeu mármores, corações
Arruinou
o amor
Desejo é
olvido, Baco vinho ambíguo
Sinfonia
de jacintos e andorinhas
Cópula
de margaridas e beija-flores
Coito de
rouxinóis e madressilvas
Boda de
magnólias e bem-te-vis
Melodia de
unguentos e canoros sêmens
Sinfonia
de repuxos e corações partidos
(Bruxelas
de luz ou cegas candeias de carne?)
Esculpir
do barro entranhas de pássaros
E decifrar
sombras do átrio de labirintos
Bálsamo sacrossanto
das bocetas morder
NOVOS
ÍCAROS
VOOS
REDIVIVOS
Eróticos
ícaros de ímpetos impiedosos
Suturados
de viço e cor acorriam
Ao coração
infinito, ao vertiginoso atanor
Heroicos
sem cesuras a eretos céus ascendiam
À liça
inabalável em prol da luz primeva
À imortalidade
do fogo (que Heráclito cuspia)
Ao crivo
infernal ou embraseado éden (gótico)
De embuçados
arabescos nutriam-se areias
Nimbos que
absorviam mágoas
E oceanos
de cera se formavam
Em torno
dos círculos de seu voo lateral (letal como a cera)
(e
sublime porque o impiedoso sol invejou)
Ante os
dardos flamejantes liquefez-se (o dom) ou fizeram-se
(o voo,
a cera, a astúcia, o diadema)
Da líquida
queda a vida os ampare
Ou o
poema os arremeta à eternidade.
AOS
AMANTES
Amantes acorrentam
a tarde
A suas
ânsias corpóreas
Aos cais
dos desejos acurados
Desembarcam
do porto dos abraços
Naus insensatas
dos sentidos ancoram
No mar
do corpo
Abeiram-se
a suas bocas de água
Enquanto
lua vaga sucumbe a seus gritos
Que gávea
dos orgasmos galardoa.
VERDADE
APODÍTICA
Se fôssemos
incinerar
Toneladas
de falsa poesia
Que se
publica no Brasil
A cada
ano o fogo
Eterno seria
suficiente?
VERÃO
ANIMAL
À praia
de Boa Viagem
berço de
meus filhos
náutico
sítio de minha adolescência
Verão,
limiar do pecado, estação
Dos
desejos desencadeados
Animal
claro, a veia
Latejando
como abelha de cambraia
Enxame
de luz acossando o corpo
Escuro
do passado
Verão
que a pele arde
Sonha
com mordidas
Seu
rumor ardente
Já se
flagra
Contra
toda indolência
E
qualquer máscara
O verão
abre seu curso preclaro
Sua
nudez de pássaro e geometria
Nas
areias que ardem
Da praia
de Boa Viagem
E traz
seus potros ávidos
De luz e
sal para dentro
De
nossos rostos árticos
SIMULACRO
DE LUZ
Ao
crepúsculo do ídolo a razão perde
Substancia
e sensibilidade
Brilhos
de pântano simula
Com suas
perdas e lápides
Impiedosas
vozes oferece ao sigilo
Emaranha-se
de mudos utensílios
E esvai-se
a lapidar vãs pérolas escuras
A rés do
ocaso que ergue seu triunfo
Simulacro
das cores abandonadas do meio-dia
A alma
vã não perde por esperar
O afã de
quando acorde
Ao som
orgiástico do corpo em festa
Blasfema
com ela
Cansaço da
esperança
Faz presente
incansavelmente
Na sina
humana
Que carniças
deixa a aurora
Pinos que
o meio-dia abandona
Lixões de
cores do crepúsculo
Legado à
noite de Deus (dará
Abandono
do Criador
O desprezo
humano?)
DESESPERA
(todos
os poemas já foram escritos
resta reescrevê-los)
Vocábulos
de cavalo e ternura me chegaram
De súbito
se empoleiraram
No varal
imaginário
Deparei-me
no papel com a urgência da vertigem
(branco
do papel linho do céu continha
Oculto texto
de loucura relva sem juízo)
Esperei na
página a montagem
O vórtice
dos sintagmas (fúria verbal sincera)
Expus a
nu o pensamento (e a doença
A cura e
a loucura)
E rol
louco das palavras veio de súbito
Assombro
para úmido tom caligráfico, mancha pura
Esperei a
paciência e o tempo transpassa-lo
(com seu
alfanje selvagem confrontá-lo)
Até recobrir
impiedosa pátina
(de
horas e lodo do limbo e da alma)
E revela-los
à página desesperada
E calarem
todos os cavalos do vocábulo
(de
horas e lodo do limbo e da alma)
E revelá-los
à página desesperada
E calarem
todos os cavalos do vocábulo
Patas,
trotes, crinas, consoantes labiarem-se
Como se
fossem vogais dos lábios
Do desejo,
salivas da sede do corpo
Da carne
da alma.
VASO DE
CINZA
As
cinzas de Fênix foram
Religiosamente
recolhidas
Depositadas
num vaso cinéreo bege
E jogadas
no prado ático
(páramo
da ressurreição órfica
Elemento
do poema terrestre)
(guardados
da boceta de Pandora?)
RETICÊNCIAS
E SILÊNCIO
Quando as
frágeis galáxias se cansarem
De seu
périplos cósmicos intranquilos
(ou de
suas rotações irresponsáveis)
De seus
náufragos e gratos brilhos estagnados
E luzes
perpendiculares (e cursos enlouquecendo) quando
A face
úmbria da lua iluminar-se de dor
Quando o
vasto empíreo arrefecer-se
Entropia
devorando intestinos celestes
(com os
dentes das energias coaguladas)
Quando cometas
e suas rápidas cabeleiras
Aproximarem-se
dos barbeiros buracos-negros...
EU
CONFESSO
O que
vou dizer não ouça (leitora tola e última).
Se ler,
cale, ó tonta amiga. És a última (esperança)
Leitora desse
conto íntimo, cavo hausto
De palavra
ébria, náufraga, ázima.
Vou narrar
aventuras da alma. Alma
Que atravessou
vísceras sem data e crepúsculos tantos
Que transitou
pela espessura dos séculos.
E ronda
pela eternidade deserta (sem guia
Abrigo,
oriente, morte, endereço, azimute, lenço)
Pelos ermos
da carne vaga ofuscada
Por ecos
de outra estrada.
Onde se
perde o nunca. Onde
O quando
perambula, o agora pende, onde
O antes
passará após o depois.
Move-se
rumo ao íntimo.
Da volúpia
do espírito. Bússolas
De sal
sinalizam a alma exilada
Da carne
(seu úmido paraíso), oriente escuro
Itinerário
real da sombra da sombra da sombra do poema.
BORGES & EUGÉNIO – O livro Borges &
Eugénio (Bagaço, 2012), do escritor, jornalista,
advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, traz epígrafes
de Eugénio de Andrade: um dos maiores poetas do século vinte, Arte Literária, a
obra dividida pelas partes Pontos dos Is traços dos Tês, Incrédulo verbo, A
verdade é frágil a perfeição inflexível, Noturno de Boa Viagem e poema último,
Testículos cândidos (poemas) o (verdadeiro e sincero) sexo dos anjos – como reconhecer
anjos? Por seus testículos cândidos. Os anjos são machos! -, Canto a minha ou a
tua morte & Sobre Borges e A cada um negue odre de sede. Veja mais aqui, aqui e aqui.