segunda-feira, junho 18, 2018

CONFISSÕES DE VITAL CORRÊA DE ARAÚJO


Confissões (de mim e dos outros)
Ou do cabide da memória
Onde dependuro meu ego vão
Ou ideias brotadas utilmente
Da bacia do inconsciente (desbordada)
Tina que aduba de água cônica
Messe líquida
Horta do outro em mim
Para que frutos não se compadeçam
Da insignificância
Do meu ego portátil
Inviril, alcochoado
De ilusão estéril
Como um não...
Ou o sal. Como um cão.

PRIMEIRAS CONFISSÕES

Ébrios deuses aportam do meu rosto volúvel
Começam ruidosa empresa
De acordar rios e veias
Fluindo de mim.
Adio sílaba pressaga, unto
De argumentos macios ferida
Que palavra abra no poema
(porque poesia é a palavra enlouquecida
E a loucura verbal não cessa
Com morte transitória do poeta).
Quilha da insânia aponta
Para mar do amanhecer impuro
Água sóbria não a governa
Apenas desancora
Do cais da jugular da página
(do poema Desâncora viva)

REIVINDICAÇÕES PARA MORRER

Estradas da vida são escuras
Estreitas sendas do ar ermo da alma
Caminhos são de abrolhos sólidos
E hóstias compulsivas destoam
De cada passo passageiro que doas
A quem morra na hora antes de ti
Mapas foram apagados
Com pegadas dos deuses ardendo
Gesto não é potável
Geografia está morrendo
Coração queimado
Como círio abandonado no escuro
De um átrio sacrílego
Os domingos soçobram no ambíguo

A TONA DA VERDADE
(A um trago de single single malte)

Do copo de uísque a meio
(duelo de água e malte) florescem cravos
E rosas sem ânimo, flores estéreis
Do iluminado cálice dos seus lábios pálidos
(que silêncio habita de parede e treva).
Como sal e arruinado sol
Estou escuro em meio
À brancura ímpia do abandono.
Viola estiolada, urge derramando-se
Da boca dos incêndios sou eu
Ouro carnívoro devorado
Como hóstia de mentiras
(e falsos desvelos)
A beira da verdade é escura, seu fundo sem fim.

VOLÚPIA LÍQUIDA

De um bunquer poético
Da praça culinária do Skyllos
No texto de operações saborosas (teatro de saliva)
Do Shopping Center Recife
Cercado de taças de amendoim
E certeiros nacos de filés
Cortejados por batatas esplêndidas
Atiro súbito tragos de single single malte
Acerto a própria boca trêmula
Sinto vibrar a alma
Com o prazer do corpo.

TESTEMUNHOS SEM VENTRE
(OU PERDÃO)

O homem é um poente vivo
Noturno orvalho o ilumina
Sua pátina e pranto de pedra.
Sobrevêm dores, trevas o consolam
Com sais insurrectos ou desnudos
Como pátria escura do corpo traída.
Rios de sede morrem
A cada noite árida da alma
A cada instante último
Do íntimo convulso.
O que drena a sede
O que dura a sede
Voragem decide.

ÚLTIMAS CONFISSÕES
(ESTE POEMA PROPÕE OU SUGERE QUE CADA FORMA CONTENHA UMA ALMA)

Luzes se alvoroçam contra céus escampos
Ângulos de vidro e transparentes épuras
Submetem o espírito à tortura lúcida.
Céus épicos são convertidos em orações de pedra
A escatologia da luz oferece-se aos olhos
Como prêmio escuro.
A geometria da transparência
Seu atravessado prisma, imagens de deidade
Sua luz vidrada afugentam sombras inadiáveis.
Ave cristal cruza
Ermas estepes do espaço
Em orações de minucioso quartzo.
Dos seus olhos pulsam lumes de aço
(com cedilha e cansaço).
Translúcidas geometrias, ângulos de cristal impoluto
E achas de luz não fétida
Comandam a vida escura da terra
(do homem inútil de Deus).
(Geometrias de sombra o Criador
Exponencial, triédrico espalhou
No olho do homem como papoulas no campo).
(Sonha-se por uma luz higiênica – e diva
Que lave
Os olhos e não os cegue mais).

INSONETO DE 2012 (NOV)

Inscrições se precipitam
Do rosto das runas hínicas.
Venho de outros tempos do verbo
Para a pátina do presente insubmisso.
Meço volumes de ser
E ângulos de sede. Com varas de água.
Faço pássaros
De voo indecifrável.
Caixas de música infinita
Doo ao tímpano de ovelhas bíblicas.
Conjugo o verbo futuro
Em busca da palavra por vir.
O infinito estar vazio
É próprio de mim.
E assim feche esse sonho de soneto.

TRISCONFISSÕES

Fiz amor nos bordeis de Maceió.
Deixei translucidas manchas do sêmen vital
Nos lençóis dos sábados perto da Praça do Bar alagoado
E nacos de carne amada
Na tábua de sal gemendo depois da lua.
(Marca dos gozos nos colchões ainda geme).

HOMOCOITO (CONFISSÃO ROXA)

Por um triz
Homorrelação não fiz
(e rimou).
E por dois trizes reticências.
Fiz sexo com a mãe de Édipo
Ontem.

CONFISSÃO NUA

Sinto-me causada por elementos sem corpo
Por vésperas de feitos ressuscitados
Por hinos de outono, por falhas de acanto
Alento foi-me fuzilado como uma bofetada
Dos pulmões ávidos de espaço e fluxo, ar
De que devoto e sôfrego fogo necessita
Para fender a pedra, chama líquida
Odre empedernido, caixa de pássaros, lume
Varre a terra, desola a alma, fuga infinita
Falo da palavra, hímen do poema escavo
Sombra de mostarda, fuga para o éden renato busco.

CONFISSÕESO livro Confissões (Autor, 2012), do escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, traz Nota & Confissões de Vital Corrêa de Araújo por ele mesmo, Prefácio de Cláudio Veras com A poesia de Vital Corrêa de Araújo, Desvalor poético (ou a forma desprovida da ratio artística por Vital Corrêa de Araújo & (Meu poema é para os não habituados. Para os habituados não é poema) & Apresentação de Murilo Gun. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.