MEU
CORAÇÃO
Meu coração
está ébrio e delira
Navegando
pelos escolhos da tristeza
Na busca
de qualquer porto bêbado
Para abrigo
de suas dores e medos
Meu coração
está embriagado e gargalha
Na proa
dos sonhos mais antigos
Porque os
novos já naufragaram
Batidos pelos
ventos do terceiro milênio
Ele está
bêbado e alegre
Como uma
menina
Atacado pela
ilusão do brinquedo
Que é a
vida.
PERMANÊNCIA
DO POENTE
Ao decadente
ocidente delicado
Da soberba
alvorada ímpeto
Dos pássaros
cortante grito
A garganta
de clarim dos galos
As metalúrgicas
hastes da claridade
A imensa
iluminação das manhãs
Suas metálicas
luzes de madrepérola
Da aurora
o renovado útero
A álvara
parafernália
Todo o
fulgor do alumínio matinal
Ou o
lance de pinos do sol
Na mesa
do meio-dia
Tudo junto
ou não
Jamais abolirá
o acaso.
VÊNUS
VEM
Vênus vem
do sumo
Do sumo
nu
Da nudez
magnânima
Que anima
o homem
A dor marítima
acalma
O amor
rochoso
E o
rumor submerso da graça
Ela traz
para o sigilo
Para a
cantata que dobra a boca dos pássaros
Sino alado.
Seu olhar
modela a concha
Do coração
humano
Convoca todas
as febres
Todas as
vertigens conclama
Leva prosélitos
a todos os desatinos
(do seu
olhar militam dores
e cinco
gestos nele se debruçam
dele
nascem ares desabitados)
Abre a
veia de todas as solidões
Liberta âncoras
Do jugo
de marés e sargaços
E das
pétreas ondas leva
Os desejos
para a tona
Onde a
espuma espera.
GOZOZO
GOZO
A íris
selvagem, o rebelado fulgor
A volúpia
do olhar incendiando o outro
Maduros cios
habitando o seio
O torso
do candelabro imerso
No incêndio
do corpo, a chama pálida da alma
Iluminando
o êxtase, a lâmina dos olhos
A navalha
da carne (o sulco da noite suja escorrendo)
Abrindo as
ébrias paisagens do gozo
Mamilo em
riste, falo endoidecido
Do breve
leito lençóis lascivos salpicados
Por úmidas
estrelas de gozo
O céu das
ancas (e o éden do púbis)
Me enlouquecendo,
acendendo-me tão noturno
A nudez
da água, o fogo voluptuoso
O ereto
instante parco e supremo
A pequena
morte atiçando os olhos
Coração disparado
como vulcão hebraico.
(Estremece
a mão, a tonta alma arfa
O alento
corporal cresce, fruto que rebenta
Átomos bêbados
da luz lascívia
Mordem-se
como cães esfomeados: o amor).
MANIFESTAÇÃO
SOBRE O POEMA
Poema
Sopro estagnado
Coagulo de
palavras na página
Louvor à
noite escura dos sentidos
Júbilo das
veias fechadas do texto
Festa das
manhãs abertas da alma.
OLHOS DO
TÚMULO
Quem era
o morto
Não pergunte
à lapide
A memória
do mármore é vã
Falível ata
a dos homens
Os olhos
do túmulo contemplam
Duas datas
fatais (e não falam)
Nomes também
vão ao pó
Com as
pedras da lápide
E os
olhos do túmulo.
DA
CRIAÇÃO
Lições
de asas, cinzas de ervas
Vazios exatos,
rostos reconstituídos
Com a matéria
das últimas máscaras
(destroços
do irrevelado ainda)
Barro edênico
e solitário
Paraiso sem
nome ou palavra
Ruinas do
nume, sopro inominado.
Tantas rosas
efêmeras
Tornam eterno
jardim.
(assim é
a poesia deste tempo
Sem mim).
D’ÁGUA
DIGO
“O cervo
é um vento escuro”
Agua estagnada
Goteja para
o nada
Assola o
céu coalhado
Nuvens grávidas
Salta sobre
moendas de sal
Como sapo
da lapela das estrelas
E se
persiste (o mó)
Oca a
pedra
Greta abre
na rocha
Eterna da
noite
Rio (de
almas e luzes) embosca a pedra
Presa (e
íntegra) e a líquida em saboques
E só
cinza de reflexos, eco
Do porvir
(vaso) trincado, salva
E se
água sucumba ao lábio estremece como
Espelhos atraiçoados pelo som opaco (e inóspito)
POEMA
Cristal irredutível
A um
grito de luz
A um
átomo do espírito
A um
vítreo fulgor do gesto
A um
mágico rigor da água
A uma molécula
do tempo
A um
espasmo do ar nosso
(núpcia
de pena e tinta
Abraço de
céu e treva
Num enlace
da palavra argentina)
Poema,
cristal irredutível
A uma
harpa de orvalho
A uma
seiva de granito
A um
sopro de barro
(num
cálice de basalto recolhido).
(Poema,
íntimo humo cavo
Fôlego sem
limite do verbo
Corpo de
palavra, antro do espírito)
(Ainda
que sonhes
Não verá
o sangue
Do cristal
ferido)
PERDA DO
ROSTO
Perde o
rosto
Para o
tempo (infinito) o homem
E para a
morte (que é eterna)
E torna
o rosto
Faminto pasto
de vermes
Unguento
de incansáveis gusanos
Ceia fera
(eficaz banquete)
Que ébrias
sombras testemunham
(de alto
a baixo)
ORA PRO NOBIS SCANIA VABIS - O livro Ora pro
nobis Scania Vabis (Bagaço, 2010), do
escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital
Corrêa de Araújo, possui prefácio de
Rogério Generoso (A estética da poesia moderna), O que torna moderna a poesia
moderna?, do próprio autor, Ouvida de poetas, Approach critica com base nas
ideais de Os signos em rotação, de Octavio Paz, Suma de Rogério Generoso,
Manuel Florentino Corrêa de Araújo Poeta, e é dividido das seguintes partes:
Cântico branco, A morte e o rosto, Mandíbula eleata, Educação pela palavra
poema, Coração de barro barroco coração e Estou (meditação de pedra), com
posfácio Poeta hermético, e daí, de Cláudio Veras, Ex Positis. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.