APRESENTAÇÃO VITAL
Poeta (não é fingido) é simulador de
falsas palavras.
Isto é, de fingidos sentidos. E sentimentos
turvos.
Produtor de gritos novos e messes cilíndricas.
Fazedor vital de falsos perfumes do
verbo.
E de desaromas verdadeiros. Ao simular
palavras
(ocas porque plenas do sal do silêncio
ocas porque o abril
cruel de Eliot as fez assim) o poeta dá
sentido ao caos do cosmos.
Formalmente objetiva o ser do verbo. E o
verbo é o humano
Posto na página. O que restou da luz do
sopro de Deus na terra.
EM SÍNTESE
Se há lógica na poesia é a da redução
completa ao absurdo.
E se há crença na poesia é por ser ela
absurda.
Crer na poesia é ser humano.
A poesia salva a alma.
DEFINIÇÃO DE POESIA
Poesia: máquina de moer ângulos
Esmagar catetos das hipotenusas azuis
E reviver pó a partir das cinzas do
espírito
Forjar bobinas de abelhas cúbicas
Para turbinas esquizofrênicas.
Poesia: máquina de morder êmbolos
E pôr gritos diurnos nas bocas da noites
como brisa.
Poesia: máquina para revigorar sono de
pedra
E indefinir o esmo com o verbo deserto
E a palavra nômade.
Preciso de lama fria
Para emporcalhar o inferno.
Desordem? Uma palavra que significa divo
caos.
No interior da alma ressoam
Silenciosos precipícios da existência
No interior do brancos ermos do mundo.
O POEMA ABSOLUTO
O poema absoluto na realidade é
hipnótico. À primeira vista, estranho, tende-se a afastá-lo de si, dos olhos e
mentes leitoras. No entanto, a reação é anti-hipnótica: quer-se livrar do
efeito medusante, paralisante, devorador do ente fruto do verbo de barro. Sua complexidade
penetrante, seu hermetismo atraente exercem um efeito seduzante, ao qual a
primeira reação involuntária é evitar, porém logo o estranhamento torna-se
encantamento. E algo irresistível leva-o (a leitor absoluto) a bordo do poema,
a ir – como Rimbaud bêbado – embarcar na ébria barca dos sentidos.
Pode-se afirmar que o poema absoluto
beira a linguagem do desejo oculto.
APELO
Não me entendam, por favor.
Se não me entedio.
Meus poemas não são pour épater... e nada
mais.
Ou menos, tanto faz.
Faço poemas para mim (o outro mesmo).
Primo entre os pares fluo banalmente
Com a palavra em haste
Erguida contra céu riste.
Sem deméritos comigo mesmo
E sem benemeritismos inóspitos.
Ou hipócrita beneficentismo.
A prima face do meu poema doo a Narciso
Premier dos príncipes lacustres.
O que cortou o rosto
Com cacos de água.
Adendo: apelo aos Correios para que
aceitem cartas de suicidas sem selos.
IRRESSURREIÇÃO
Há uma insurreição em mim
De antigos e devolutos textos
Não das terze rime, mas versos libres.
É uma irrupção verbal amorfa e plena.
Um treno (grego) em que noções
De antes e depois mirraram
Esplendorosamente as distâncias entre
Eu e eu, eu e outro, eu e o mundo partiram-se
Morreram e ressuscitaram
Agora no túmulo da lenda moram.
Se fundem o infinito e o fragmento.
Se inacaba o tempo e a lua não mais torna
ao mundo vazio.
Silos de instante se avolumam
Transes e ritmos pulsam, sítios e átimos
dançam
Hortas de hora a vida aduba.
O conhecimento vinho não me perturba.
DESOLHAR
As escarpas belas do teu olhar alpino
(olhar lateral é a da real
E insincera leitora)
Lábio sujo com úmida pertinácia
E atiço e acicato
Sentidos que não queiram delirar.
POEMA REDONDO
A terra exige seus direitos
(inalienáveis)
Apregoa a pregadores suas mazelas
Desola Eliot
Que olha suas nervuras e trevos
E treina malmequeres em Álbion
As vacas sagradas dos empreendedores
mugem
As veias devastadas dos jovens
Pela química desenfreada da alegria pétrea
Pelo êxtase comprimido em cachetes
brancos ou róseos
Anseiam por ditirambos e renúncias democráticas
Hinos de cinza se erguem das taças de
tório
Lábios plutônicos espiam vaginas de
uranio
Bocas de césio anseiam por hecatombes
goianas
Eitos de novalis se acumulam sob lua sonâmbula
Que fareja nos silos dos pounds de
algibeira o limbo da palavra
Estéril herança, áridos legados, ócios e
trapaças azuis
Imitações de falsos propércios cesários
Vendidas por frações de sestércios (e
deuses de césar)
Cerdas para escovações viris, senis
vassouras januárias
Lembranças de abortos, colmeias
encantadas.
A
POESIA SALVA A ALMA – O
livro A poesia salva alma (Autor, 2017), do escritor,
jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de
Araújo, traz VCA salva a alma da poesia de
Rogério Generoso e poemas A ver antes sem mais havê-lo. Veja
mais aqui.