segunda-feira, julho 09, 2018

CREPÚSCULO DO PÊNIS, DE VITAL CORRÊA DE ARAÚJO


SOBRE TÍTULO E CAPA
1 – O título Crepúsculo do pênis é bem atual
Diz respeito à decadência (e desvalorização) do falo na sociedade ocidental de homens sangrados, cabisbaixos, aposentados da volúpia, que se utilizam de um artificio, o Viagra, míssil químico, nada romântico, despropositado, que alevanta sua pobre genitália, preparando-os para o embate crucial. Os preparativos, as preliminares eróticas, o suor em forma de estrelas líquidas do esforço vital, toda aquela expectativa debruçada sobre a mulher amada substituídos por um cachete imbecil. Viva a ascensão da vulva!
2 – A capa é foto de arte do fotógrafo Leo Caldas sobre peça escultórica de Sílvio Hansen denominada Caralho de asa.
Ao mestre da diagramação, Marcus ASBarr exímio capista e inovador artista gráfico.

CREPÚSCULO DO PÊNIS
A Príapo (desmesurado)
E a Menelau (que o tinha muito maior que o de Páris, e mesmo assim Helena desprezou)

Ao pênis argivo de Agamenon
Que a vagina de Clitemnestua rejeitou
Ao falo de Egisto que premiou

Ao pênis metafisico de Parmênides
Ao sinuoso ventre de Safo
Ao orgasmo apodítico de Sócrates
Cercado de efebos e ninfas
Na Atenas noturna
Ensinando lascívia e filosofia
À juventude ática
Ao republicano gozo de Platão
E ao êxtase epistemológico
Que é gozoso ao extremo

O POEMA

Como se aportasse na aurora dos significados
E apressasse a identidade dos paramentos de seda
E os esses dessas insidiosas artes das serpentes
Como se pira abrisse braços das bênçãos
E épura das estrelas açoitasse mônadas distantes
Como se do olhar dos incêndios brotassem doze dilúvios
Ou dízimo de cruzes atravessasse o discípulo
E assim se consumisse num átimo de relâmpago
O fulgor de um dia de setembro em Recife.
Como se o alongamento dos penhores aquietasse
Dúvidas famintas, bolsos endividados
Como se o pão francês dos miseráveis fosse roubado
E Prometeu saísse das vísceras dos abutres brancos
(num pulo tal qual Pandora deu ao saltar do cubo ignoto
Para a trípode podre dos estadistas beligerantes).
Como se a vida fosse dom escuro
E o homem prosperasse sob sombra móvel dos B-52
Como se taça negada ao adepto fosse de pedra
E bênção de Deus de tório inclemente.
Como se rotineiro fosse aglomerado de tragédias
Galáxia de vidas dolosas (e inúteis)
Tragada pelo buraco-negro dos objetos.

DEDICATÓRIA FINAL

À Medusa de olhar e pedra decapitado
A Perseu condenado à vitória da vaidade
A Belerofonte devotado à vaidade da vitória
Ao alfanje irrefletido no escudo de espelhos
(ao esgar das serpentes em coma)
A Pégaso degolado pela Górgona
E a Cérbero cão que
À beira do Aqueronte te espera
Tola (e cara) leitora.

EXPOETA

Branco e ébrio papel mancha da mácula
Culpa da tinta
Ósculo da pena na página
Lauda de aço (na alma) páramo de relva passam
Horas em caravana lassa
Eu fico a ver-lhe o fluxo velho
Trânsito frágil e eterno
Imprescritível cadavérico
Vago deserto ermo armado de aleluia e silêncio alto
Vácuo desperto inviolável destino (parco)
Da página em branco reluzindo
Fervor extinto escândalo
(que parca comemora
Com alvura).
(Carta a Verlaine Mallarmé:
vi-me obrigado a fazer em momentos de fome
ou para aquisição de ruinosas canoas
trabalhos úteis e eis tudo
o de que convém não falar)
(porque trabalhos úteis diminuem o poeta).

ASPIRAÇÃO DO POETA

Aspiro comunicar-me com a solidão
Esse reduto – quase inacessível – do ser
(que não é ocidental ou dissimulado)
Onde te municias para dor ou amor.
(Essa terra de ningém
Ou ilha órfica
Lugar ignoto no coração
Chão de rebeldias e lampejos
Antro de devassidão, púlpito
De onde a alma se lança aos céus
E o corpo bebe
Dos solitários sais a imensidão).

OFERTA

Há gotas de rócio
Joias suspensas num escrínio úmido
(pepitas da bateia natural do paraíso)
Há lágrimas de magnólias
Pássaros que esgrimam com flores
Rosas digladiando com espinhos
Néctares trovejando dos céus, raios de pólen
Lírios do ramalhete dos olhos
Jardins despencando de ti.

O BILHETE DA ÚLTIMA VIAGEM

Impresso na póstuma retina
Estampado na alma
Ainda pálida.
(O estampido do tiro
Que travessou Hemingway
Ainda em mim ecoa).

SOBRE HORAS DE DEUS

Sobre horas debruçaram-se
Hostes do espaço estacionadas
Nos ombros Atlas
Das sacras fontes das mãos de Deus engendradas
Horas são martírios dos homens
Passam, levam-nos aos cães
Trazem as cãs (e o trânsito)
Deixam rastro sujo dos anos
Deus criou o tempo cárcere do espírito
Navalha (oca) infinita, rato rocambolesco
Arado incomensurável, trator incontido
Aparato de desespero, foice imortal sedenta
Coivara vândala lâmina certeira impiedosa
Para revolver o rosto do homem
Com soberba perícia retalha-lo
Contra todas as cosméticas
Reduzi-lo a náusea
Pó, lodo
Nada.

POESIA: LOUCURA DAS PALAVRAS
POEMA: A PALAVRA ENLOUQUECIDA

Ela ouvia aromas vermelhos
Gritando da boca do éter
Nos planos côncavos do céu
Tocando abril no trombone da pálpebra
(tuba canora, violino de vespa)
Por varas e comarcas ressoando
Bebendo róseo silêncio das pétalas
A salmodiar partículas de preces
Recolhidas do adro amaro da alma
Entre pulcras películas cobrindo
Púlpito do tímpano (harpa ladrando)
Galope a estribo e martelo batido
Acossado por ímpios sinos ósseos
Sinuosos como sonoras cátedras
De narinas brancas avermelhando-se
Cosmética da aurora chegando
Pós rubros, cremes álvaros reinando
E máscaras cremosas assaltando
Páramo do rosto desejo
Da imortalidade facial plena
Juventude eterna do capital
(o sonho da produção mundial
Todo o produto cosmético bruto
A reluzir nos balanços da náusea
Na cútis da usura bem cuidada).

ANGÚSTIA DE CUTELO

Quem imagina
Da angústia do cutelo
Ao tombar sobre fatal
Pescoço da novilha?
Ou sobre extremo e grácil
Torso de uma corsa
Na inocente sombra
De uma tarde?

COITO DE VOCABULÁRIO

Ninguém imagina vertigem da sílaba
Para cruzar com consoante bonita
(hum homoamor linguístico)
E dar inicio à palavra (do feto sílaba)
Que amasiada com outras
Produza futura
Prole do poema.
(No úbere da página
Sintagmas mamando).

GOSTO SE DISCUTE

Gosto de mocinhas macias
(como maçãs vermelhinhas)
E das calcinhas de úmidas moçoilas
(para refrigério de lascivas narinas)
Gosto de paragens comedidas
Invernos insuportáveis
Imitações da realidade (fiéis)
E apoteoses nuas
Além de Nova Iorque nevada
A maçã polvilhada de capuchos plásticos
Neve falsa bailando
Dentro de vidritos agitados.
(Suvenires idiotas
Arquiridos com candura
A preço de banana ianque)

SENTIDOS VERBAIS VIVOS

Galgo silêncio, salto
Limites, alço-me ao ouvi
Sobre desamparo uivo vivo grito surdo
Candura do abismo toco apalpo, acuo
A beira do precipício (inocente borda me abisma)
Vejo o cismo quando ardo sobre muro
Medito cada minuto que humilho (o mais me alenta)
Olho o fôlego (seu périplo pela laringe cilindro de som)
Passos de queda trilho
Sou poema escuro estribilho unjo
Sujo as rotas rotas do mundo.
Sonambula vértebra
E lento omoplata trago
Para liça do discurso
Combato o dado com escudo do sintagma
E riste da alma.

VIOLINOS DE PUNHAIS

Rigor de azul e de horizonte.
Lá onde rosna minha solidão
Está a dor
Esperando quem não virá.
Nunca mais deixes sangrar no coração
Esse violino de punhais
(a que chamam de solidão).
Quando a noite me ame onde
Sombra paste-me o rosto.
(de Quando onde)


CREPÚSCULO DO PÊNIS O livro Crepúsculo do Pênis (Autor, 2012), do escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, é dividido pelas partes Poemas Novos, Quântico de louvor à vida, Eufonia do fonema, O mundo vicia, Creio em Lezama sobre tudo, Cálice de culpa e sal, Ritmo Vital, Sentenças azuis (dísticos intestinais) – Coniunctio Solis et Lunae e Sete Confissões, além de traz textos do autor Forma poética, A poesia segundo Valéry, Nossa Senhora a Linguagem, Poesia: Rumor de cristal e chama, Explicação Vital e Leitura (Correta) de Poesia, Vital qualidade sônica e Ritmo Vital por Cláudio Veras, e capa do fotógrafo Leo Caldas sobre a arte de Sílvio Hansen. Veja mais aqui.