segunda-feira, julho 02, 2018

KANT NÃO ESTUPROU A CAMAREIRA, DE VITAL CORRÊA DE ARAÚJO


NOTÍCIA DO TÍTULO E CAPA

Sobre coleção de poesias “Kant não
Estuprou a camareira (foi firula de Lampe)
E Ler VCA causa AVC
Este (sub)título tem por alvo desfazer quaisquer
dúvidas que pairassem por ventura
quanto à honra (perpétua como a paz) e integridade
solar de Immanuel Kant, meu filósofo
de bolso, em relação ao fato (aleivoso) dele ter
estuprado a camareira.
A bem da boa verdade (apodítica inclusive): Kant
nunca  estuprou uma camareira sequer. Na sua
venerável residência em Konishberg (hoje, cidade russa).
Tal calúnia não teve autoria real estabelecida.
Atribuem-se a Lampe, seu fiel mordomo por cerca
de cinquenta anos.
Seria lorota, firula, parola a cruel autoria?
Não de um Lampe revoltado por ter sido despedido.
O serviçal kantiano, seu camareiro, confidente,
enfermeiro, devotado cozinheiro do exigente e
enjoado Kant para se alimentar, filosoficamente
ingerir os carboidratos apropriados a fazer funcionar
mente tão desmesurada, e acompanhante íntimo
(isto é, da intimidade de um mordomo) por
cinco décadas, estaria despeitado – e colérico,
pelo fato injusto de Kant tê-lo dispensado,
sem nem ao menos aviso-prévio (que
não existia à épca) sem mais nem menos?
Colocado abrupto, de inopino, ao pelo da rua,
Lampe foi de armas e bagagem morrer
num asilo de esmoleu.
Portanto, no olho da rua, de uma hora para outra (sem
prévio aviso ou proteção mínima) viu-se em sarilhos,
não viu solução para sua vida, se não recolher seus ossos
a um asilo público. (Ia dizendo púbico).
Na época (sem Getúlio Vargas konisgberguiano) não
havia direitos trabalhistas, fundo de garantia, carteira
assinada, essas coisas; não se acreditava em
previdência (e a Providência era indiferente). E
Lampe saiu leso e liso, lesado direito
para um asilo solitário.
Faço questão de estampar o desmentido no
título desta coletânea para que não sobrassem
dúvidas acerca da integridade moral e sexual de Kant.
E na capa soasse: Kant não estuprou a camareira.
(Isso pode ser coisa de Lampe)
A capa é um magnifico poema visual de
Silvio Hansen, criação visual concebida com a maestria e argúcia
gráficas de Marcus ASBarr;
SH consciente do cabalismo hermético hieroglífico
e enigmático de minha poesia pé-cabeça bolou
o genial e bem (ou mal) intencionado aforismo:
Ler VCA causa AVC.

CONFISSÃO (SINCERA) DO POETA

Sob postes de octaédricas luzes
E sombras circulares estaciono
Com a cadeia de lado, coleira ávida em riste
A ouvir vasos angulares uivarem
E crivos pitagóricos inúmeros
(como coisas kantianas) bradarem
Das veias de Sócrates que cicuta acatam
Religiosamente.

VEIO DE DEUS

Do embate de catracas primitivas com sílabas
Da forja do tempo com infinito comungados
Em coito incontrolável
Da empedernida cópula do espaço e da eternidade
Da boda do que não cessa com o que não acaba
Veio Deus.

PALAVRA NAVEGA
NO MAR PICADO DO POEMA

A palavra naus singra seios
Entre claustros frios lua pasta
Silêncio rural
Tormentosas ondas gritam
Da garganta encrespada do mar
De abril abdominável.
A palavra navega ancora na página.
(O poema brota da palavra nau
Encapelada de sílabas
Enquanto as vozes do cais
Demoram como pássaros intrincados).

SOMBRA DO BARRO
(a morte também é de barro)

O que sobra do barro sombra leva
Em inefável caravana por senda escura.
Voa para além da tênue sepultura
Sopro que ao morto abandona
E feito pássaro assoma a cimos lentos
Que a noite modela com veloz minúcia.
Vai-se o rosto no vórtice supremo
E no mármor eterno deixa apenas
Traços furtivos de aroma tão raro
Que a memória preserva com usura.
Até que incerto rumor corrompa
As puras vozes da espera
E na argila que reste treva esculpa
As frias legendas de sua injúria.

(O FUTURO NÃO VIRÁ: EIS A SENTENÇA)

Profeta plúmbeo me ordeno
Pedra proferindo escuro
Grito encarcerado
Na garganta do futuro
Deserto perora
Orações de areia vento cria
Nada o que seja humano
Ao poeta será estranho
(para que ele me empobreça com honra
E não o estranhe tempo vivo)
Humano é o que industrial seja
Comercio, perda, ganho
Corpo, alma
Tudo é humano
Menos o poema.

(DAS ASAS FRIAS DAS GUITARRAS)

A sonata das folhas finda
(quando a queda termina
Os alados trompetes adormecem)
A orquestra recolhe
Os delicados instrumentos
Que amealham a alma
Frio rumor invade a cena
A umidade abre as asas
E tudo pluvial
Clarinete de capricórnio ecoa
Os idos de março preparam
Acordes de água (e líquidos bemóis
Em forma de abruptos albatrozes)
Quando vem a inundação consoladora das guitarras.

POMAR DE FRÁGUAS

O tédio de tudo criar-se de onde havia somente
Fúria de saber-se absoluto, uno e morto
Semente sem ventre, cansaço, vago, úmido
Havia somente vasta incerteza, expectativas nuas
Além do som que o pranto do tempo (incriado também)
À terra prometia, música de sal, tambor vital
Urro cósmico presa da garganta de Deus
(como fráguas inacessíveis e férreas
Brotando do esôfago das criaturas).

ÚTERO E TIMBRE

Desertos espaços sem nome ou corpo erravam
Quando ainda nenhum deus tinha sido criado
Do caos, reinava o inaudito, a incerteza plena
Absoluto vazio e abismos puros pairavam
(império insolúvel, elétrons dissociando-se
Em violenta catálise
Íons sem ventre, cátions utópicos)
Do rosto do nada, ao léu do acaso das coisas
Sem alento, sopro criador de deuses
Não exalara (nem ao menos cogitara)
Tudo estava suspenso num vidro cínico
(das bactérias apenas tênue espasmo
Ouvia-se do fim da eternidade úmida).

KANT NÃO ESTUPROU A CAMAREIRAO livro Kant não estuprou a camareira (Bagaço, 2012), do escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, traz ilustrações da artista visual Cyane Pacheco e é divido nas partes Ímpeto e Tempestade, Candelabro e Pesadelo, Verbo de Barro, Elegias Recifenses, Pomar do Apocalipse Poema 21 G F Pergunte a Pound, Elégias Gravataenses (Meditações de Cacto) e Arte Poética. Veja mais aqui.