TEMPO
NÃO FOGE, ABOLE
Por mais
que o tempo não fuja de mim
Em debandadas
horas
Abandonem-me
as veias (e capilares horários)
Ou percorram
meu corpo
Endiabrando-se
pelos ínvios
Caminhos
da vente (saltos
E cachoeiras
de sinapses selvagens
Estremecendo-me
a alma
Que acredite
em édens)
E se
imiscua da carnadura das idades
Como o
sangue de um soneto
Ou de
hecatombe cem agonias
(decretando
a sucumbência do coração)
Resta algo
a perder sempre.
(Este
poema que continua
Na
próxima página
Foi composto
após
O sétimo
uísque com gelo (single malt)
No numinoso
terraço em ele
Da casa
da montanha)
Não que
sumidouros morressem.
Não que
sílabas estivessem cansadas
Não que
alma não mais ululasse
Como antigamente
(latim do corpo).
Não que
os lamentos se petrificassem.
Não que
saudade fosse só rastro
Ou mentia
(meio que encantada).
Não que
domingos perdessem o branco.
Ou juros
o ábaco.
Não que
luar caísse como pedra ou coroa
Sobre jardim
fúnebre (ataviado de cravos de lamúria).
Não que
sangue da estrelas coagulasse olhos
E o
leite da constelação rastejasse.
Só porque
hoje é sábado.
E a vida
ainda dorme
Enquanto
eu não sobrevivi
À sexta-feira
sem paixão
(após
quarta-feira
De cinzas
acesas).
PARA
ENTENDER POESIA É PRECISO
Para
entender poesia é preciso
Que leitor
não ignore as constelações
Nem estigmas
que crepitam
Na página
branca
Onde poetas
derramam seus delírios amarelando.
Onde erram
licores
E rios
atentos urram
Em busca
das rimas d’água
De sonetos
afogados
E baladas
sonâmbulas.
ESCREVO
POESIA POR QUÊ
Eu escrevo
poesia porque vou morrer.
Porque a
eternidade existe para a pedra
E não
para a carne.
Porque o
espírito é de barro.
Eu escrevo
poesia para que não amanheça nunca
Para que
meu rosto termine logo.
Para que
eu não seja.
E o
mundo me esqueça.
Para que
tigres
Lambam meu
féretro.
Para que
fúnebre cravo
Rosa dissoluta
Lírio absoluto
Rastejem
em meu rosto.
Extinto.
POEMA EM
FRENTE E VERSO
(FRENTE)
Do limiar
de pássaro projeto
Meu voo
ao Averno
Minha lídima
vinda ao inverno
Meu périplo
direto ao acervo
(dos
ossos das utopias e dentes combalidos do ardor)
Meu ir
para o que volto projeto
Para o
quando do rosto acordo
Enquanto
manhã agoniza olhos
Sobre tratado
monetário debruço
Último juro
e injúria usurária
Compêndio
do absurdo
Ao lado
do leito coalhado de solidão
Arrumo com
a lentidão dos gestos finais
E jogo o
resto do devaneio (e dúvidas que sobrarem).
VERSO
Parâmetro
de meu porvir de prata e dano
Vive da
escavação de meu ego tíbio
Financeiro
(e culinário) a pastar o abrupto
Além de
viver da ração de orgasmo diário
A ouvir
a dor vir do interior para o horizonte de si
Exterior
que violenta o lírio, a alma, o sono
E joga-os
contra as jazidas esquecidas do sal
Onde átimo
de seiva cavo
Para adubo
íntimo do mundo
A tudo
devoto o nome alicerce vital onde
Sílabas esculpo
com hiato e buril, túneis pronuncio
Para fortaleza
do ânimo em ruína
E termino
por enterrar o sono no lençol de pedra do id
Que é
meu pronome final.
ALMA TEM
NOME E DANO
Também
morre o barro
A ébria
luz do olhar branco
O sopro
cega
A dor
não ensurdece o grito que ela elabora
O betume
se apossa do espírito
O deserto
arde como a alma
Tão perto
da autora e da pedra
E da
perda do nome para a terra.
POEMAS
Não te
quites com o que virá
Não te
comprometas com céus
Não te
consoles com piedade ou véus
Não acostumes
teus olhos
A miragens
ou promessas de luz (falsa)
Não comercies
indulgências baratas
No mercado
bursátil da providência vale a farsa
Não condescendas
com sinas amenas
Pois o
esplendor do abismo é vivo.
Nem todo
lume é falso.
Nem toda
razão inútil.
Gramaticas
não são dádivas edênicas.
A sintaxe
é a paralisia da palavra.
Reio. Rédea
insana. Maldição do verbo.
DESGOSTO
DE DEUS
Quando tudo
ainda estava-se criando
E o
Senhor ocupado suava da lida inútil
Do infinito
esforço vão
As divas
mãos já muito gastas
De tanto
amaciar o barro
E modelar
a vida
Com a
argila da imaginação oleira
(oficio
desse Ser Artista tão Alto)
Forja ainda
incompleta
(a usina
do Demiurgo plena)
O distante
domingo apenas uma meta
Ele a
meditar ainda no profundo cálculo da borboleta.
Sentiu de
súbito
Num relâmpago
do divo pensamento
A inutilidade
de tudo aquilo
O desperdício
do sopro (divino)
Mas não
desistiu (infelizmente).
CAMINHO
MORTAL DO POEMA
Pelos lábios
do dicionário
E becos
sintáticos
E ciladas
da gramática sigo
Em direção
ao centro do poema
Em busca
do sentido perdido.
Atravesso
pupilas das moscas
Exército
indecoroso dos gusanos gramaticais
Sempre a
postos em todo o percurso
Alçando o
âmago do ômega
A linfa
alfa morro.
COITADO
LEITOR
O leitor
de poesia – por vício ocupacional
Do texto
parnasiano (sobrevivente
inusitado)
que aqui
se chamou de romântica
tende
(ou continua) a procurar conceitos
no poema
e não imagens. Então, quebra a cara.
Escorrega,
desliza pela página como um parque
Aquático
Passa ridículo.
Segue em, branco, longe da verdade.
Por isso
a poesia detém sua verdade.
Ínsita,
soberana, peculiar (apodítica).
A atitude
desse leitor ignato
É decifrar
conceitos (e se embasbacar com imagens)
Descobrir
definições, fechar silogismos.
É viciado
em exegese, como um advogado. Por
Instinto
ou definição.
Busca o
sabor da ostra poética
Sobre a
crosta. O acepipe lógico.
O bônus
gramatical. Coitado!
POEMA:
VEIA DA PALAVRA
A poesia
respira pelos pores e cones (cubos e ícones)
Dos fragmentos
das frases.
A frase
íntegra é o pulmão da prosa.
A poesia
conta a história da palavra
Sua odisseia
filosófica, narra
O desvario
de seus sentidos (nada óbvios).
A prosa
usa a palavra como bucha de canhão.
Mix de
vozes e sílabas
Compõe o
poema.
A poesia
é o conhecimento do obsceno (verbal).
POESIA
Poesia casulo
de palavras
Antro de
proliferação de fragmentos verbais
Prole de
sentidos rimbaudianos
Usina de
sintagmas onde demiurgos
Siderurgiam
vozes do amálgama de aço das palavras
Extraem sentidos,
multiplicam imagens
Engenho da
imaginação da linguagem
Ostra de
significantes, concha
De vivas
sílabas reluzindo
Como amapolas
ou nenúfares perfeitos.
(cinamomos
azuis, anêmonas gentis, asfódelos hirsutos)
É nácar
a mãe da pérola do verbo.
É níquel
a alma (e o corpo) do vocábulo.
A poesia
é um casamento de palavras (amasiadas).
Poesia casamata
de verbos sublevados.
Plúmbea,
púbica, alquímica verdade do mundo.
HÍMEN DE MALLARMÉ – O livro Hímen de Marllarmé (Autor,
2013), do escritor, jornalista,
advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, é dividido
pelas partes Sal noturno, Alfa, Beta, Delta, Teta, Gama e Ômega. Veja mais aqui.