SOBRE
TÍTULO E CAPA
1 – O título
Crepúsculo do pênis é bem atual
Diz respeito
à decadência (e desvalorização) do falo na sociedade ocidental de homens
sangrados, cabisbaixos, aposentados da volúpia, que se utilizam de um
artificio, o Viagra, míssil químico, nada romântico, despropositado, que
alevanta sua pobre genitália, preparando-os para o embate crucial. Os preparativos,
as preliminares eróticas, o suor em forma de estrelas líquidas do esforço
vital, toda aquela expectativa debruçada sobre a mulher amada substituídos por
um cachete imbecil. Viva a ascensão da vulva!
2 – A capa
é foto de arte do fotógrafo Leo Caldas sobre peça escultórica de Sílvio Hansen
denominada Caralho de asa.
Ao mestre
da diagramação, Marcus ASBarr exímio capista e inovador artista gráfico.
CREPÚSCULO
DO PÊNIS
A Príapo
(desmesurado)
E a
Menelau (que o tinha muito maior que o de Páris, e mesmo assim Helena
desprezou)
Ao pênis
argivo de Agamenon
Que a
vagina de Clitemnestua rejeitou
Ao falo
de Egisto que premiou
Ao pênis
metafisico de Parmênides
Ao sinuoso
ventre de Safo
Ao orgasmo
apodítico de Sócrates
Cercado de
efebos e ninfas
Na Atenas
noturna
Ensinando
lascívia e filosofia
À juventude
ática
Ao republicano
gozo de Platão
E ao
êxtase epistemológico
Que é
gozoso ao extremo
O POEMA
Como se aportasse
na aurora dos significados
E apressasse
a identidade dos paramentos de seda
E os
esses dessas insidiosas artes das serpentes
Como se
pira abrisse braços das bênçãos
E épura
das estrelas açoitasse mônadas distantes
Como se
do olhar dos incêndios brotassem doze dilúvios
Ou dízimo
de cruzes atravessasse o discípulo
E assim
se consumisse num átimo de relâmpago
O fulgor
de um dia de setembro em Recife.
Como se
o alongamento dos penhores aquietasse
Dúvidas
famintas, bolsos endividados
Como se
o pão francês dos miseráveis fosse roubado
E Prometeu
saísse das vísceras dos abutres brancos
(num
pulo tal qual Pandora deu ao saltar do cubo ignoto
Para a
trípode podre dos estadistas beligerantes).
Como se
a vida fosse dom escuro
E o
homem prosperasse sob sombra móvel dos B-52
Como se
taça negada ao adepto fosse de pedra
E bênção
de Deus de tório inclemente.
Como se
rotineiro fosse aglomerado de tragédias
Galáxia de
vidas dolosas (e inúteis)
Tragada pelo
buraco-negro dos objetos.
DEDICATÓRIA
FINAL
À Medusa
de olhar e pedra decapitado
A Perseu
condenado à vitória da vaidade
A Belerofonte
devotado à vaidade da vitória
Ao alfanje
irrefletido no escudo de espelhos
(ao
esgar das serpentes em coma)
A Pégaso
degolado pela Górgona
E a
Cérbero cão que
À beira
do Aqueronte te espera
Tola (e
cara) leitora.
EXPOETA
Branco e
ébrio papel mancha da mácula
Culpa da
tinta
Ósculo da
pena na página
Lauda de
aço (na alma) páramo de relva passam
Horas em
caravana lassa
Eu fico
a ver-lhe o fluxo velho
Trânsito
frágil e eterno
Imprescritível
cadavérico
Vago deserto
ermo armado de aleluia e silêncio alto
Vácuo desperto
inviolável destino (parco)
Da página
em branco reluzindo
Fervor extinto
escândalo
(que
parca comemora
Com alvura).
(Carta a
Verlaine Mallarmé:
vi-me
obrigado a fazer em momentos de fome
ou para
aquisição de ruinosas canoas
trabalhos
úteis e eis tudo
o de que
convém não falar)
(porque
trabalhos úteis diminuem o poeta).
ASPIRAÇÃO
DO POETA
Aspiro comunicar-me
com a solidão
Esse reduto
– quase inacessível – do ser
(que não
é ocidental ou dissimulado)
Onde te
municias para dor ou amor.
(Essa
terra de ningém
Ou ilha
órfica
Lugar ignoto
no coração
Chão de
rebeldias e lampejos
Antro de
devassidão, púlpito
De onde
a alma se lança aos céus
E o
corpo bebe
Dos solitários
sais a imensidão).
OFERTA
Há gotas
de rócio
Joias suspensas
num escrínio úmido
(pepitas
da bateia natural do paraíso)
Há lágrimas
de magnólias
Pássaros
que esgrimam com flores
Rosas digladiando
com espinhos
Néctares
trovejando dos céus, raios de pólen
Lírios do
ramalhete dos olhos
Jardins despencando
de ti.
O
BILHETE DA ÚLTIMA VIAGEM
Impresso
na póstuma retina
Estampado
na alma
Ainda pálida.
(O
estampido do tiro
Que travessou
Hemingway
Ainda em
mim ecoa).
SOBRE
HORAS DE DEUS
Sobre horas
debruçaram-se
Hostes do
espaço estacionadas
Nos ombros
Atlas
Das sacras
fontes das mãos de Deus engendradas
Horas são
martírios dos homens
Passam,
levam-nos aos cães
Trazem as
cãs (e o trânsito)
Deixam rastro
sujo dos anos
Deus criou
o tempo cárcere do espírito
Navalha (oca)
infinita, rato rocambolesco
Arado incomensurável,
trator incontido
Aparato de
desespero, foice imortal sedenta
Coivara vândala
lâmina certeira impiedosa
Para revolver
o rosto do homem
Com soberba
perícia retalha-lo
Contra todas
as cosméticas
Reduzi-lo
a náusea
Pó, lodo
Nada.
POESIA:
LOUCURA DAS PALAVRAS
POEMA: A
PALAVRA ENLOUQUECIDA
Ela ouvia
aromas vermelhos
Gritando
da boca do éter
Nos planos
côncavos do céu
Tocando abril
no trombone da pálpebra
(tuba
canora, violino de vespa)
Por varas
e comarcas ressoando
Bebendo róseo
silêncio das pétalas
A salmodiar
partículas de preces
Recolhidas
do adro amaro da alma
Entre pulcras
películas cobrindo
Púlpito do
tímpano (harpa ladrando)
Galope a
estribo e martelo batido
Acossado
por ímpios sinos ósseos
Sinuosos
como sonoras cátedras
De narinas
brancas avermelhando-se
Cosmética
da aurora chegando
Pós rubros,
cremes álvaros reinando
E máscaras
cremosas assaltando
Páramo do
rosto desejo
Da imortalidade
facial plena
Juventude
eterna do capital
(o sonho
da produção mundial
Todo o
produto cosmético bruto
A reluzir
nos balanços da náusea
Na cútis
da usura bem cuidada).
ANGÚSTIA
DE CUTELO
Quem imagina
Da angústia
do cutelo
Ao tombar
sobre fatal
Pescoço da
novilha?
Ou sobre
extremo e grácil
Torso de
uma corsa
Na inocente
sombra
De uma
tarde?
COITO DE
VOCABULÁRIO
Ninguém imagina
vertigem da sílaba
Para cruzar
com consoante bonita
(hum
homoamor linguístico)
E dar
inicio à palavra (do feto sílaba)
Que amasiada
com outras
Produza futura
Prole do
poema.
(No
úbere da página
Sintagmas
mamando).
GOSTO SE
DISCUTE
Gosto de
mocinhas macias
(como
maçãs vermelhinhas)
E das
calcinhas de úmidas moçoilas
(para
refrigério de lascivas narinas)
Gosto de
paragens comedidas
Invernos
insuportáveis
Imitações
da realidade (fiéis)
E apoteoses
nuas
Além de
Nova Iorque nevada
A maçã
polvilhada de capuchos plásticos
Neve falsa
bailando
Dentro de
vidritos agitados.
(Suvenires
idiotas
Arquiridos
com candura
A preço
de banana ianque)
SENTIDOS
VERBAIS VIVOS
Galgo silêncio,
salto
Limites,
alço-me ao ouvi
Sobre desamparo
uivo vivo grito surdo
Candura do
abismo toco apalpo, acuo
A beira
do precipício (inocente borda me abisma)
Vejo o
cismo quando ardo sobre muro
Medito cada
minuto que humilho (o mais me alenta)
Olho o
fôlego (seu périplo pela laringe cilindro de som)
Passos de
queda trilho
Sou poema
escuro estribilho unjo
Sujo as
rotas rotas do mundo.
Sonambula
vértebra
E lento
omoplata trago
Para liça
do discurso
Combato o
dado com escudo do sintagma
E riste
da alma.
VIOLINOS
DE PUNHAIS
Rigor de
azul e de horizonte.
Lá onde
rosna minha solidão
Está a
dor
Esperando
quem não virá.
Nunca mais
deixes sangrar no coração
Esse violino
de punhais
(a que chamam
de solidão).
Quando a
noite me ame onde
Sombra paste-me
o rosto.
(de
Quando onde)
CREPÚSCULO DO PÊNIS – O livro Crepúsculo do Pênis (Autor,
2012), do escritor, jornalista,
advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, é dividido
pelas partes Poemas Novos, Quântico de louvor à vida, Eufonia do fonema, O
mundo vicia, Creio em Lezama sobre tudo, Cálice de culpa e sal, Ritmo Vital,
Sentenças azuis (dísticos intestinais) – Coniunctio Solis et Lunae e Sete
Confissões, além de traz textos do autor Forma poética, A poesia segundo
Valéry, Nossa Senhora a Linguagem, Poesia: Rumor de cristal e chama, Explicação
Vital e Leitura (Correta) de Poesia, Vital qualidade sônica e Ritmo Vital por
Cláudio Veras, e capa do fotógrafo Leo Caldas sobre a arte de Sílvio Hansen. Veja mais aqui.