domingo, julho 15, 2018

A POESIA SALVA A ALMA, DE VITAL CORRÊA DE ARAÚJO



APRESENTAÇÃO VITAL

Poeta (não é fingido) é simulador de falsas palavras.
Isto é, de fingidos sentidos. E sentimentos turvos.
Produtor de gritos novos e messes cilíndricas.
Fazedor vital de falsos perfumes do verbo.
E de desaromas verdadeiros. Ao simular palavras
(ocas porque plenas do sal do silêncio ocas porque o abril
cruel de Eliot as fez assim) o poeta dá sentido ao caos do cosmos.
Formalmente objetiva o ser do verbo. E o verbo é o humano
Posto na página. O que restou da luz do sopro de Deus na terra.
EM SÍNTESE
Se há lógica na poesia é a da redução completa ao absurdo.
E se há crença na poesia é por ser ela absurda.
Crer na poesia é ser humano.
A poesia salva a alma.

DEFINIÇÃO DE POESIA

Poesia: máquina de moer ângulos
Esmagar catetos das hipotenusas azuis
E reviver pó a partir das cinzas do espírito
Forjar bobinas de abelhas cúbicas
Para turbinas esquizofrênicas.
Poesia: máquina de morder êmbolos
E pôr gritos diurnos nas bocas da noites como brisa.
Poesia: máquina para revigorar sono de pedra
E indefinir o esmo com o verbo deserto
E a palavra nômade.
Preciso de lama fria
Para emporcalhar o inferno.
Desordem? Uma palavra que significa divo caos.
No interior da alma ressoam
Silenciosos precipícios da existência
No interior do brancos ermos do mundo.

O POEMA ABSOLUTO

O poema absoluto na realidade é hipnótico. À primeira vista, estranho, tende-se a afastá-lo de si, dos olhos e mentes leitoras. No entanto, a reação é anti-hipnótica: quer-se livrar do efeito medusante, paralisante, devorador do ente fruto do verbo de barro. Sua complexidade penetrante, seu hermetismo atraente exercem um efeito seduzante, ao qual a primeira reação involuntária é evitar, porém logo o estranhamento torna-se encantamento. E algo irresistível leva-o (a leitor absoluto) a bordo do poema, a ir – como Rimbaud bêbado – embarcar na ébria barca dos sentidos.
Pode-se afirmar que o poema absoluto beira a linguagem do desejo oculto.

APELO

Não me entendam, por favor.
Se não me entedio.
Meus poemas não são pour épater... e nada mais.
Ou menos, tanto faz.
Faço poemas para mim (o outro mesmo).
Primo entre os pares fluo banalmente
Com a palavra em haste
Erguida contra céu riste.
Sem deméritos comigo mesmo
E sem benemeritismos inóspitos.
Ou hipócrita beneficentismo.
A prima face do meu poema doo a Narciso
Premier dos príncipes lacustres.
O que cortou o rosto
Com cacos de água.
Adendo: apelo aos Correios para que aceitem cartas de suicidas sem selos.

IRRESSURREIÇÃO

Há uma insurreição em mim
De antigos e devolutos textos
Não das terze rime, mas versos libres.
É uma irrupção verbal amorfa e plena.
Um treno (grego) em que noções
De antes e depois mirraram
Esplendorosamente as distâncias entre
Eu e eu, eu e outro, eu e o mundo partiram-se
Morreram e ressuscitaram
Agora no túmulo da lenda moram.
Se fundem o infinito e o fragmento.
Se inacaba o tempo e a lua não mais torna ao mundo vazio.
Silos de instante se avolumam
Transes e ritmos pulsam, sítios e átimos dançam
Hortas de hora a vida aduba.
O conhecimento vinho não me perturba.

DESOLHAR

As escarpas belas do teu olhar alpino
(olhar lateral é a da real
E insincera leitora)
Lábio sujo com úmida pertinácia
E atiço e acicato
Sentidos que não queiram delirar.

POEMA REDONDO

A terra exige seus direitos (inalienáveis)
Apregoa a pregadores suas mazelas
Desola Eliot
Que olha suas nervuras e trevos
E treina malmequeres em Álbion
As vacas sagradas dos empreendedores mugem
As veias devastadas dos jovens
Pela química desenfreada da alegria pétrea
Pelo êxtase comprimido em cachetes brancos ou róseos
Anseiam por ditirambos e renúncias democráticas
Hinos de cinza se erguem das taças de tório
Lábios plutônicos espiam vaginas de uranio
Bocas de césio anseiam por hecatombes goianas
Eitos de novalis se acumulam sob lua sonâmbula
Que fareja nos silos dos pounds de algibeira o limbo da palavra
Estéril herança, áridos legados, ócios e trapaças azuis
Imitações de falsos propércios cesários
Vendidas por frações de sestércios (e deuses de césar)
Cerdas para escovações viris, senis vassouras januárias
Lembranças de abortos, colmeias encantadas.

A POESIA SALVA A ALMAO livro A poesia salva alma (Autor, 2017), do escritor, jornalista, advogado, professor, conferencista e tradutor Vital Corrêa de Araújo, traz VCA salva a alma da poesia de Rogério Generoso e poemas A ver antes sem mais havê-lo. Veja mais aqui.