FERNANDO BRANT – Conheci a poesia de Fernando Brant na
voz de Milton Nascimento. Pois, foram exatamente as parcerias musicais entre
ambos, a exemplo de Travessia, Maria Maria, Canção da América, dentre tantos
outros sucessos da dupla, marcando as letras poéticas do compositor que embalam
desde a década de 60 até hoje a alma brasileira. Também conheci sua verve
poética noutras parcerias, como com Joyce, Wagner Tiso, Lô Borges, Beto Guedes,
Toninho Horta, Tavinho Moura, dentre outors. Ele é mineiro de Poço de Caldas,
poeta, letrista e roteirista formado em Direito pela UFMG. Já foi repórter de O
Cruzeiro e é o atual presidente da União Brasileira de Compositores – UBC. Gentilmente
concedeu esta entrevista exclusiva. Com vocês, Fernando Brant.
LAM: Fernando, vou começar com a pergunta
de praxe: como e quando ocorreu o seu encontro com a arte?
Vivi, desde menino, cercado de música e
literatura. Por influência de meus pais, de meu irmão mais velho, de colegas e
do colégio. Crescendo, fui me envolvendo com tudo que se referisse às artes,
estimulado pelo que o cinema, o teatro, os livros e a música iam me
proporcionando. Sou filho de uma escola pública, no tempo em que escola pública
era o que havia de melhor.
LAM - Quais influências marcaram na sua
infância e adolescência contribuindo para sua formação?
Na infância, o que ouvia no rádio,
principalmente a Rádio Nacional, que tinha muita música e novelas tipo “
Jerônimo” e “ O Anjo”. Quando meu irmão mais velho ganhou seus primeiros
salários, ele comprou um toca-discos e uma série de Lps de música brasileira,
americana e clássica. Acompanhei, ainda, a pré- Bossa Nova, pela Rádio
Inconfidência. E tive colegas que, pelo tamanho de sua cultura, me incentivaram
a conhecer tudo o que eles conheciam.
LAM - Você é um dos fundadores do Clube
da Esquina. Que avaliação você faz desta reunião de pessoas que levaram de
Minas Gerais a voz e a alma para o mundo?
Foi uma reunião que ocorreu naturalmente.
Belo Horizonte era uma cidade bem menor, os pontos de encontro eram poucos.
Éramos jovens que se interessavam pela cultura e artes em geral. Para que eu
entrasse, especificamente, na música, o encontro e a amizade com Milton
Nascimento foi essencial. Escrevíamos, compúnhamos e cantávamos as nossas
crenças, a nossa vida. E é o que continuo fazendo até hoje.
LAM - Você também escreveu acerca de um
outro grupo. Fala pra gente o que é o Clube dos Gambás?
O “Clube dos Gambás” é do mundo e vai bem
explicado numa crônica que faz parte do livro com o mesmo nome, publicado pela
Record.
A crônica: Os gambás.
Quem chegou com essa conversa foi o Veveco.
Poeta da arquitetura, amigo desde não sei quando, ele trazia mais uma de suas
criações a respeito da vida e da amizade. Não era um clube estabelecido, com
normas e estatutos, o que ele nos apresentava. Era algo inusitado e lógico. As
pessoas de sentimentos e interesses semelhantes fatalmente se procuram, se
encontram, se afinam. No lugar onde moramos, escolhemos sempre freqüentar os
espaços ocupados por gente da nossa espécie. Viajando pelo Brasil e pelo mundo,
é inevitável que acabemos topando com alguém que foi feito para conviver
conosco. E aí se estabelece um vínculo que atravessa os anos e que faz com que
não nos sintamos estrangeiros em cidade em que viva alguma alma irmã.
Um gambá cheira o outro. Esta a filosofia
do clube dos gambás, agremiação informal que congrega gente de todas as
profissões. Sua sede é o mundo. E as inscrições se fazem automaticamente, basta
o gosto pelo mesmo tipo de literatura ou filme, o conhecimento das mesmas
canções, o embriagar-se sem culpa pelas coisas boas da existência. Para onde um
vai, olha a fila de irmãos abanando o rabo e indo atrás. Ser gambá é entender
que vivemos para compartilhar. Estamos juntos no trabalhar e no festejar. Todos
os melhores pensamentos do planeta passam por nossas conversas e mesas. E costumamos
ser absolutamente solidários.
Gambás foram Carlos Drummond e Mário de
Andrade, cujas cartas saem agora em livro. São vinte anos de uma
correspondência que revela o íntimo do pensamento de dois homens que fizeram a
história da cultura brasileira no século passado. E que permanecem conosco,
perfumando o caminho daqueles que, hoje, são tocados por suas lições de vida,
poesia e amizade. Nem é necessário lembrar que, no lançamento, esta semana, a
gambazada estava toda lá.
Mas gambá não é uma qualidade elitista.
Está espalhada por todos os cantos. Os operários da construção civil que, findo
o árduo trabalho diário se lavam e se ensaboam antes de voltar para casa,
também escolhem, entre os seus, os mais afins. Ao vê-los passar diante de minha
janela, vejo que saem em pequenos grupos. O dia não pode terminar sem um papo
final e um aperitivo com os mais chegados. Só aí, a volta ao lar.
Falando em lar, não há gambazice maior do
que o jogo de sedução entre homem e mulher, moça e rapaz. É um olhar-se, um
flertar-se, um paquerar-se, um namorar-se, um conhecer-se. E um arriscar-se
nessa aventura suprema do casar-se. Acasalar-se. E na troca de odores e
sabores, de flores e temores, de pendores e ardores, os gambás se multiplicam.
Ser gambá, enfim, é ser parceiro no amor e na amizade.
LAM - A sua composição tem uma forte
carga poética nas parcerias musicais. É por meio da música que você mostra a
sua poesia? ou você faz distinção entre poesia e letra de música?
É através da música que, na maioria das
vezes, que eu mostro o que penso e sinto. Letra de música, principalmente a de
alta qualidade que é feita no Brasil, e poesia são, no mínimo, primas. São
maneiras diferentes de trabalhar com palavras.
LAM - Você escreve regularmente para
jornais, além de roteiros e letras para balés, cinema e teatro. Como se dá a
conciliação dessas atividades no seu trabalho?
Uma coisa completa a outra. Gosto de me
expressar em vários meios, expor minhas ideias para meus conterrâneos e
contemporâneos. Eu trabalho, enfim, com palavras, acompanhadas ou não de
música.
LAM - Você é membro da União Brasileira
de Compositores - UBC. Como é que você a questão do autor e os direitos
autorais na era da internet?
Estamos numa fase de transição, mas o
mundo digital e a chegada de novos meios de difusão e comunicação não acabam
com o direito autoral, que é um dos direitos humanos. Dentro de pouco tempo,
existem estudos que acompanho há quase quinze anos, as pessoas poderão usar as
obras de criação, remunerando os autores. Será mais barato, por ser uso
universal e sem intermediários. O acesso de todos continuará, mas os autores
não morrerão de fome. O ponto justo está para chegar.
LAM - Você participou da trilha do
musical "A fogueira do Divino", onde é abordado a questão da formação
por 3 raças da Nação brasileira.
Eu escrevi todas as palavras da “Fogueira
do Divino” e o Tavinho Moura
criou todas músicas. O espetáculo foi encenado no Palácio das Artes, em BH, com orquestra sinfônica, nove cantores-intérpretes, um coral de quarenta vozes e mais cinco músicos. O cd foi lançado pela Dubas Musica.
criou todas músicas. O espetáculo foi encenado no Palácio das Artes, em BH, com orquestra sinfônica, nove cantores-intérpretes, um coral de quarenta vozes e mais cinco músicos. O cd foi lançado pela Dubas Musica.
Obrigado, Fernando. Conheça mais do trabalho de Fernando Brant na
UBC e veja, também, a entrevista feita com Milton
Nascimento ().
Entrevista concedida em 2009 para
o Guia de Poesia.