sábado, julho 19, 2014

ENTREVISTA GERALDO CARNEIRO


GERALDO CARNEIRO - O nome de Geraldo Eduardo Carneiro me apareceu pela primeira vez por meio da obra musical de Egberto Gismonti, pelo início dos anos 80. Por isso, acompanhando a obra de Gismonti, a do seu parceiro parecia inevitável.

Pois bem, Geraldo Carneiro é poeta, escritor, letrista e roteirista mineiro radicado no Rio de Janeiro. Escreve para teatro, onde já apresentou vários de seus textos e outros em parceria com Millôr Fernandes, Bráulio Pedroso, dentre outros. Na música, Geraldo é parceiro não só do Egberto Gismonti, como também do Francis Hime, do Wagner Tiso, do Vinicius de Morais e do Tom Jobim, dentre outros. Também escreve roteiros para cinema e televisão. É autor de minisséries de sucesso, dentre elas “O sorriso do lagarto” e “JK”, dentre outras. Tudo isso sem contar que é um poeta elogiadíssimo e com uma poesia das mais representativas na contemporaneidade. Falar de Geraldo Carneiro é sempre muito pouco perto do que ele representa. Por isso, o melhor mesmo é ouvi-lo falar. Vamos ver?

LAM - Geraldo, você é um artista múltiplo que milita por diversas áreas: poesia, teatro, música, cinema, televisão, por aí. Inicialmente vamos para a pergunta de praxe: como se deu o encontro de Geraldo Carneiro com a arte?

Desde a infância me senti inclinado a procurar uma linguagem que pudesse expressar minha alegria e perplexidade diante do mundo. Sempre tive uma relação lúdica e carnavalesca com as palavras. Ao mesmo tempo, sempre fui fascinado pela música. Creio que essas duas divindades propiciaram meu encontro com a arte, que não sei se proveitoso pra ela, a arte, mas com certeza é proveitoso pra mim.

LAM - Você desde que nasceu um mineiro que se mudou pro Rio, que tem uma relação estreita com gente da melhor estirpe intelectual, isso contribuiu e influenciou sua formação? Quem foram as marcantes experiências que firmaram a sua opção pela arte?

Nossa família se mudou para o Rio em 1956, porque meu pai era secretário do presidente Juscelino Kubitsckek, o JK. Nosso apartamento em Copacabana era freqüentado pela fina flor dos músicos e escritores da época, além de personalidades curiosas das artes. Era possível encontrar em nossa casa o sertanista Noel Nutels, o poeta Paulo Mendes Campos e o músico Jacob do Bandolim. Claro que essa efervescência e essa celebração da beleza marcou pra sempre a vida minha e de meus irmãos.

LAM - No poema "Sombra" você se diz "Traficante de palavras". No "Insurreição" você diz: "Sou um animal em surto de poesia devoto das revoltas do lirismo essa loucura que nos foi legada por clandestinação e patrimônio". É assim que o poeta se mostra, forma como Geraldo Carneiro se vê na vida?

As idéias do "tráfico" e do "surto" são mesmo fundamentais. A poesia, pra mim, se constrói sempre no desvio. A ciência, por exemplo, produz conhecimento. Já a poesia produz o desconhecimento. Ou um conhecimento novo sobre algum conceito antigo. Se não tiver a volúpia do "tráfico" e do "surto" a poesia cai no beletrismo, repete as formas e conceitos da tradição, se torna meramente ornamental.

LAM - Num outro poema seu vem o verso: "(...) pelo mero prazer das consonâncias" e eu que acompanho sua trajetória desde parcerias com Gismonti, Piazzola, Wagner Tiso, Francis Hime e com seu irmão Nando Carneiro, demonstra o verso e a convivência com esses mencionados, sua grande afinidade com a música?

As consonâncias - pra mim, que sou escravo da música - claro que são fundamentais. Mas as dissonâncias são também fundamentais. É através da dissonância que você amplia o campo das representações. Quando Carlos Drummond, por exemplo, publica a imagem do "Anjo torto", em 1930, no livro Alguma Poesia, sacode o céu de toda a poesia anterior. Se você me permite um papo meio Lao Tsé, creio que o caminho para a Grande Consonância (com Deus, com Vishnu, com a metafísica, com os poderes do Universo, com as sobrancelhas da mulher amada etc.) passa pela Grande Dissonância. Aliás, vou guardar esse pensamento para um futuro manual de auto-ajuda, que escreverei no ocaso da existência. Isto, daqui a algumas semanas.

LAM - Uma curiosidade pessoal que acho que é curiosidade de muita gente a respeito de suas parcerias, especialmente com Gismonti. Poucas letras das músicas das suas parcerias, não só com Gismonti, bem como com o Piazzola, Wagner Tiso, Francis Hime, muitas delas, das letras, não são conhecidas, apenas as músicas, inclusive tomei conhecimento que algumas nunca foram gravadas, é isso mesmo? E, por exemplo: Palhaço, entre outras parcerias com Gismonti, se tem curiosidade para conhecer a letra, dela e de outras músicas, acaso publicada em algum lugar?

Curiosamente, a melodia de Palhaço foi composta sobre uma letra que eu tinha escrito previamente. Primeiro a canção foi gravada por Olívia Byington e só depois disso ganhou as belíssimas versões instrumentais do Egberto. Aliás, quando a música tem grandeza, acho que a letra tem o papel de servir como um fixador fotográfico, pra permitir que ela tome conhecimento da sua configuração e em seguida saia voando por aí em liberdade, rumo ao céu onde moram as grandes canções. E se de vez em quando algum saudosista das palavras resolver devolvê-las à moldura da melodia, tudo bem.

LAM - Vinicius de Morais, Tom Jobim, dente outros, já gravaram e cantaram trabalhos seus. Além de você ter sido parceiro de gente super-peso da música contemporânea brasileira - sem falar do Piazzola -, pessoal esse, em sua maioria, mais da música instrumental. Então fala da sua relação com a música e como é dispor sua poesia em músicas de um pessoal que está mais para a instrumental?

Acho que a palavra serve para criar uma moldura conceitual para a melodia. Depois, a melodia se torna autônoma e sai voando sozinha por aí. Foi assim, por exemplo, com a música Palhaço, escrita ´pelo Egberto sobre versos meus. Primeiro, a canção foi gravada com a letra, pela Olívia Byington. Depois, vimos que era tão lírica em si mesma que passou a prescindir das palavras. Mas considero minha relação, tanto pessoal quanto profissional, com os grandes compositores do meu tempo uma prática fundamental pra ampliação dos nossos sonhos artísticos.

LAM - Como você vê o cenário da música brasileira atualmente?

Magnífico. Nâo há mais mercado. Isso significa que cada de um de nós faz exatamente o que quer. Hoje me pego escrevendo letras que ninguém teria coragem de musicar no passado, quando se tinha como perspectiva o padrão de entendimento médio, ou até mesmo alto. Hoje, até James Joyce poderia fazer canções.

LAM - No teatro você tem trabalhado há vários anos, inclusive com traduções de Shakespeare, dentre outras. Como é essa ligação poesia, teatro e música, se articulam ou cada coisa a seu tempo?

Essa relação é extremamente enriquecedora pra mim. Outro dia escrevi um poema que fala disso:

toda beleza é sempre uma alegria.
eu sei, não foi bem isso que o John Keats disse,
mas cada língua escolhe as afeições
e imperfeições que lhe compete ser,
o ser da ´língua sendo seu amar
o mar com cada qual sargaço seu
o espaço que se sonha na amplidão.
um sonho vai fundando um outro sonho
até talvez um horizonte, ou não.

O poema continua por mais alguns versos, mas acho que a resposta básica à sua pergunta é essa: um sonho vai fundando um outro sonho.

LAM - Além do teatro, você é roteirista de cinema e televisão, inclusive autor de minisséries de sucesso, uma delas do "Sorriso do Lagarto", baseada na obra do João Ubaldo Ribeiro e veiculada pela Globo, dentre muitas outras. Como é essa tarefa e militância por áreas com linguagens tão próprias, particularizadas, até díspares, como teatro, cinema e televisão?

Adoro mudar de assunto e mudar de área. Aliás, gosto de fazer, deliberadamente ou não, em cada área aquilo que não seja próprio das perspectivas mais comuns, da "gramática" dessa determinada área. Adoro, por exemplo, fazer poesia na televisão, cinema no teatro etc.

LAM - Você possui um programa "O canto de Geraldo Carneiro", que é veiculado pelo Canal Brasil, na TV a cabo e também uma coluna, Comentário Geral, para a TVE. Fala desses projetos: o que é o "Canto de Geraldo Carneiro"? E o "Comentário Geral"?

São programas em que sou chamado a dar depoimentos mais ou menos pessoais sobre diversos temas. Como passei e passo a vida dando palpite, me divirto muito com essas encomendas. Outro dia mesmo passei cinco minutos especulando no Canal Brasil sobre a minha teoria do Efeito Bacalhau: todas as nações elegem seus pratos prediletos, símbolos nacionais de gastronomia, a partir de ingredientes ao alcance de suas mãos ou de de seus pés. Só Portugal elegeu como iguaria-símbolo, o bacalhau, cujos melhores espécimes são originários nos mares do norte, se não me falha minha precária geografia. Assim, segundo a minha tese lelé, todos os desvios e as mancadas do mundo luso-brasileiro têm origem no Efeito Bacalhau, desde as repetições d'Os Lusíadas até as besteiras ditas por nós. Em suma, me divirto.

LAM - Você também realiza um projeto que é uma oficina livre de poesia, no Centro Cultural Cartola, que é o "Rosas que falam". Fala pra gente o que é este projeto.

Fui convidado pela Nilcemar Nogueira, neta da Zica e do Cartola, pra coordenar uma oficina de poesia. Dei a ela o nome de Escola das Rosas que Falam, em homenagem ao Cartola, que visitei duas vezes em sua casa da Mangueira e a quem sempre admirei como um deus.Nos últimos dois anos, tenho promovido esses encontros, pra falar de todos os temas caros à poesia.

LAM - Quais os projetos que Geraldo Carneiro está preparando e futuramente desejando realizar?

Nâo me atrevo a enumerar todos os meus projetos deste ano. Se acontecer metade das coisas que estou planejando, vai ser um ano do balacobaco.

Obrigado, Geraldo. E para conhecer mais sobre Geraldo Carneiro, acesse: http://www.geraldocarneiro.com/

Entrevista concedida em 2009 pro Guia de Poesia