ULISSES
TAVARES – O escritor, jornalista, professor, compositor letrista, dramaturgo
e publicitário Ulisses Tavares já publicou mais de 74 livros e concedeu essa
entrevista pra gente conhecer melhor o seu trabalho:
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Luiz - Como você descobriu a poesia?
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Ulisses
- Hiii, faz muito tempo. Como fui o que hoje se chama de criança super
dotada, mas, na época, apenas chamavam de pentelho- porque eu gostava mais de
ler e escrever que brincar de bola- encontrei logo na poesia o refúgio para
minha sensibilidade. Mas me encantei mesmo foi por volta dos 9 anos. Como
estou com 52, foi no final da década de 50, século passado. Havia grande
agito com movimentos de poetas
declamando seus poemas em ruas, praças e faculdades. Assisti aquilo e resolvi
ser como eles. Comecei a declamar em público e expor meus poemas em varais
nas praças. Agora, uma outra motivação mais prática e prosaica é que eu era
tarado pela professora do primário e ela se encantava com os poemas daquele
garoto precoce, seu aluno. Não comi a professora, mas continuei fazendo
poemas e nunca comendo ninguém por causa disso. A maioria das garotas, ontem
como hoje, de coisa escrita gosta mesmo é do valor que você é capaz de
escrever num cheque. Demorei décadas para conhecer as exceções. Tem uma
música das Frenéticas que resume isso: "quanto mais a mulher jura/gostar
de homem erudito/tanto mais ela procura/um tipo burro e bonito."
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Luiz - Só poeta lê poeta? Como se dá isso a seu ver?
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Ulisses
- Não é nada difícil de entender. O mundo está mais democrático no acesso a informação,
mas também a maioria é cada vez mais abrutalhada e insensível. Metade do
planeta é shopping center, a outra metade um templo religioso medieval. Com
algumas ilhas atlântidas, faróis, aqui e ali. Cúmplices e vítimas ao mesmo tempo, um jogo milenar e cruel da
humanidade. Carinha que cresceu ouvindo pagode quanto tempo vai levar para
aprimorar o ouvido para melodias mais ricas e elaboradas, seja clássico, jazz
ou dodecafônica? A poesia é, assim, pragmaticamente falando, mais acessível
aqueles que a praticam e a lêem. No jogo do mercado, então, nem tem
discussão: entre um Paulo Coelho da vida e um poeta- por melhor que ele seja-
fica-se com o que dá lucro imediato e certo. Principalmente aqui no Brasil
onde tem uma massa de pessoas que precisa de dicionário para entender a
revistinha da Mônica. E boa parte de nossa elite é analfabeta por opção. O
que me faz otimista é que parece que está vindo uma nova geração que é
estimulada a curtir poesia desde cedo. Meu livro de poesias para crianças, o
Viva a poesia viva, da Editora Saraiva já vendeu mais de 50 mil exemplares.
Também, anteriormente, o Caindo na real, da Brasiliense ficou mais de ano
entre os mais vendidos e o Aos Poucos Fico Louco, da Editora Globo, esgotou
rapidinho. Sem contar o Livro/Agenda da Tribo, voltado para os jovens e no
qual colaboro há 13 anos, que nunca tira menos de 150 mil exemplares. Agora,
alcançar o povão mesmo, fica na nossa utopia: o pão da carne é uma
necessidade, o pão do espírito, a poesia, portanto, um luxo que pode esperar.
Ainda bem que temos dois olhos. Um vê o futuro, o sonho, e sorri, o outro vê
a realidade e chora.
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Luiz - A poesia pode tornar a vida suportável ou isso é apenas um
jogo de palavras no desvario poético?
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Ulisses
- Qualquer coisa em que a gente acredite, bote fé, curta, pode tornar a vida
mais suportável. Poesia, como tudo, também é droga, também vicia. O velho
Freud chamava isso de sublimação. Eu prefiro chamar de paixão. A natureza é sábia: nem tudo que a gente quer
a gente consegue, mas tudo que a gente sonha é possível. A poesia é a
corporificação/materialização do sonho. Orgasmo não existe apenas através dos
genitais. É algo tinhoso e amplo que pode até nos acontecer por algo
imaterial como a palavra escrita. Poeta que é poeta não goza apenas com o pau
e buceta, goza até com a caneta. Êpa, acho que cometi um poema.
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Luiz
- O que você imagina que aconteceu com a poesia, foi a banalização ou você
atribui uma outra causa para que ela esteja, digamos, tão ausente do alcance do leitor?
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Ulisses
- Isso que chamamos de leitor, a indústria cultural chama de consumidor de
literatura. A poesia, dentro dos gêneros literários, hoje é o patinho feio
que, mesmo sendo cisne, fica no seu cantinho, hostilizado pelos demais. Já
foram os poetas mais apreciados, é certo, mas isso foi na Grécia antiga, na
revolução russa, no império islâmico do tempo em que eles não espalhavam
bombas e ignorância pelo mundo.
Bobagem, a meu ver, ficar preocupado com isso. Melhor e mais efetivo é colocarmos a pouca leitura da poesia onde ela deve estar: no contexto da política e da educação do povo. Não dá pra poesia concorrer, e vencer, em uma cultura de bundas, materialismo, consumismo e comunicação de massa. E, também, relax: se os políticos e os membros da elite dirigente fossem como os poetas, que batalham, discutem e se preocupam pra caralho, tudo estaria melhor. O tempo que nos coube viver é assim mesmo, mudanças e trevas, bem misturadinho. Talvez um dia a revista Caras fotografe a biblioteca de alguém e esse alguém se declare orgulhoso pela biblioteca e não só pela riqueza, bíceps e silicone acumulados. |
Luiz
- O que você observa da poesia depois que Adorno sentenciou que não podia
mais haver poesia depois de Auschwitz?
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Ulisses
- O ser humano é maior que seu
pessimismo, mesmo quando tem uma visão deprê como quase todas de
Adorno. Aquilo que denominamos poesia talvez seja a aspiração maior e mais
plena do melhor que existe em nós. O homem é, sempre foi e será, uma grande
tragédia e uma grande esperança. E também uma grande piada, claro. Lamentamos
por Auschwitz mas não vamos deixar de fazer e apreciar a poesia por isso. Se
fosse assim, a poesia teria acabado na primeira guerra e ou na primeira
peste. E foram tantas, né?
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Luiz - A seu ver, arte pela arte ou um engajamento
na atitude do poeta?
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Ulisses - Engajar, colocar, a poesia pró ou contra
qualquer movimento social é sempre um risco para qualquer artista. A poesia,
e a arte como um todo, é fortuita, gratuita e doidivanas. A causa pode ser
boa, meritória, polarizadora, o escambáu, mas o que importa é que a poesia é
que tem de ser boa, enquanto literatura, independente de seu momento ou
objetivo. Pessoalmente, quanto mais leio e escrevo, mais me convenço que, de
todos os métodos de comunicação, a poesia é a mais fraquinha para mudar
alguma coisa na história humana. Melhor o ensaio, o jornalismo e até a
propaganda, esta sim, eficiente, infelizmente. Poesia não é remédio, não
precisa de rótulo e bula.
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Luiz - Você é bem versátil, transita por diversas
áreas. Como você concilia poeta, escritor, professor, multimídia?
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Ulisses - Atualmente, fiz minha opção Robin Wood,
pelos pobres, e o mais pobre que posso ajudar e conheço de perto sou eu
mesmo. Vivo de/para literatura 25 horas por dia. Meu padrão de vida
despencou. Ando com um Fusca 75, mas vivo de meus direitos autorais. De vez
em quando, a vida material me obriga a voltar a exercer uma das minhas sete
profissões. Daí eu vou, faço palestras, treino executivos, dou aulas, crio
campanhas publicitárias, escrevo artigos e crônicas para revistas e jornais
etc. mas volto cada vez mais rapidinho para minha paixão maior, que é
escrever. Escrevo muito, agito sempre - estou com mais de 74 livros
publicados. Venço pela insistência. Se os leitores não curtiram um livro,
lanço outro, sobre outro tema. Meu lema é igual daquela churrascaria de
Arkansas, famosa por servir o maior bife do mundo: "Se não gostar, pode
comer outro grátis", he, he. Dou graças a Deus por ter sido riponga. Não
preciso de muitas coisas materiais para ser feliz. Nem de ter livros. Alugo
ou empresto de bibliotecas.
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Luiz - Que experiência você traz das alternativas
que você usa desde a geração mimeógrafo marginal até o advento da Internet?
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Ulisses - A principal experiência é que,
seja mimeógrafo ou internet, trabalhar e divulgar poesia nunca é fácil.
Embora seja um entusiasta da Internet (já sou um dinossauro da web- afinal
fui estrategista do segundo provedor brasileiro, o SBT On Line, e ocupante da
primeira cadeira de pós-graduação em web na América Latina (na Fiam)- acho
primordial se ler poesia em silêncio, naquela coisa mágica que só o papel
proporciona. A vantagem, hoje, é de escala. Eu coloco um poema novo na rede
e, em instantes, ele é quintuplicado em inúmeros blogs, chats e sites.
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Luiz - Você acha que a Internet tem contribuído
para a difusão da poesia? Ela tem melhorado, tem possibilitado reconhecer
novos poetas?
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Ulisses - Claro que sim, indiscutívelmente. A
Internet, ao contrário do que achavam os profetas do apocalipse, vem
ampliando a capacidade e necessidade de todo mundo, principalmente os jovens,
de terem um melhor vocabulário, escreverem fluentemente, de aprenderem a ler
e escrever, enfim. Mas, não nos iludamos: quem gosta de poesia, vai ter mais
facilidade de encontrar poesia na net. Quem não gosta, vai fazer o que faria
sem a web: procurar bundas e paus. Não há tecnologia, por si só, que faça um
upgrade imediato das cabeças e espíritos. E poema ruim com flash é apenas um
flash bem feito.
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Luiz - A seu ver, o que há com o poeta que ele não
consegue atingir melhor o público, ficando restrito às rodinhas que ainda se
renova mas as caras que são as mesmas sempre em recitais, em saraus? Como
ampliar esse universo? Essas práticas são antiquadas e o poeta precisa buscar
novas fórmulas ou é a poesia mesmo que não chega?
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Ulisses - Já fiz, e faço, trocentos recitais de
poesias, de todo tipo, em todo lugar. Com música e sem música. Com teatro e
sem teatro. Com pintores e performáticos e a seco. A verdade/realidade é
chata mas é isso aí: poesia é coisa para iniciados. Quem não gosta, ou não
está acostumado, vai preferir mesmo é um forró, um bailão, uma outra atração
qualquer. Recital de poesia é igual teatro alternativo: ninguém é contra, mas
ninguém vai nem amarrado. Quem tem saco pra ouvir poeta declamando, de duas
uma: ou é poeta, e está louco por uma chance de mostrar também seu poema, ou
é alguém que de fato curte poesia. Se é que consola, quem vai a um recital de
poetas está pronto para achar aquilo bonito, e isso é bacana. Não sei
sinceramente, nem como marketeiro e publicitário, como aumentar esse
universo. Acho que temos tentado de tudo um pouco- misturar com vídeo, som,
pintura, performance, body art etc. Mas lutamos contra um fato intransponível
no atual momento: poesia ainda não dá ibope e pronto. Quem sabe, queira Deus,
os ventos da fortuna mudem. Mas, dái, o mundo também terá mudado. A seu ver,
o público é conservador ou a vanguarda que não encontra base em suas utopias?
Vanguarda tem que ser, claro, vanguarda. Mas não deve ser prepotente. A
vanguarda entende e interpreta muito bem o que a maioria, a retaguarda, não
consegue entender e interpretar, nem bem nem mal nem mais ou menos. Como
esperar, então, que o povo coma hoje, já, agora, os finos biscoitos que ela
fabrica? Paciência, humildade e compreensão, pois, mais caldo de galinha.
Quem aposta na utopia tem que esperar a viabilidade da utopia. A seu ver, que
atitude ou compromisso deve ter o poeta do nosso tempo? De preferência,
nenhum. O compromisso do poeta é com sua poesia. E já é o bastante se
conseguir cumprir. O resto é cosmética, jogo de mercado, veleidade, ego. O
que você destaca como uma excelência poética hoje? Poderia citar,
literalmente, dezenas de nomes. Leminsky, Antunes, Frederico Barbosa, Ademir
Assumpção, Glauco Mattoso, Bráulio Tavares, Drummond e tantos outros. Mas,
quando comparo ao que se fez antes, bem antes, um Bocage, um Arentino, um
Dante, um Virgílio, acho tudo muito pobrinho e tôsco. Poesia é soda mesmo.
Quanto mais eu leio, mais exigente fico. Tanto que, até dos meus mais de mil
poemas, eu só dou nota 5 para dois ou três no máximo.
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Luiz - O que você teria a dizer aos que estão
entrando hoje, engatinhando ainda, na senda da poesia?
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Ulisses - Ufa, finalmente uma pergunta fácil:
escrevam o que quiserem, publiquem e apresentem como quiserem, inclusive
aproveitando as facilidades de edição e exposição de hoje. O único conselho
que posso dar, depois de tanto tempo brigando pela poesia, e pode ser válido
e ajudar é: fodam-se! Quem mandou escolherem a poesia como alternativa de
vida? Poesia é a coisa mais fácil e complicada que existe. Quem quer moleza e
sucesso imediato que vire cantor sertanejo. Ou político. Ou traficante. Ou
coma baratas num big brother da tv.
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Entrevista concedida em 2009 ao Guia de Poesia.