A POESIA DE MANO MELO
LEBLON DOS BRACARENTES,JOBILADOS E GUANABARINOS
Acordo ao meio-dia no sábado de tempo bom.
Vou fazer meu périplo
Pelo bairro do Leblon.
Começo na Rio-Lisboa,
Com um suco, média tamanho triplo,
Um pão na chapa e um ovo no ponto.
Sobre a morena elegante que virou a cara
E fingiu não me notar,
Depois eu conto.
Mas tem a ver com um lance
Lá no Guanabara,
Em que devorou uma pizza horrorosa
De sardinha com lingüiça.
Custava os olhos da cara,
E quem pagou fui eu.
(Antes fosse o Alceu,
Aquele poeta -valença com alma de criança).
Depois do café,
Caminhar a pé
Do Leblon a Ipanema.
Cruzei com Maria Lúcia,
Uma artista de cinema
Tipo assim loura devassa,
Em plena temporada de caça.
Perguntou se eu tinha um baseado,
Ou mesmo uma bagana.
Me ofereci como seu amado,
Seu ursinho de pelúcia,
Sua onça sussuarana,
Seu rato de banhado,
Mas só podia lhe oferecer
Uma pinga com limão.
Ela respondeu: nordestinos não me despertam tesão.
Não armei nenhum barraco.
Enfiei a viola no saco
E fui cantar noutra freguesia.
Já passava das três horas,
Entrei lá no Bracarense,
Dei de cara com o Zequinha, o Popó e a Renata
Da Academia da Cachaça
(Pena que Annette Leibing foi morar em Toronto
Senão estaria entre nós).
O professor Eppinghaus conversava com o Queiroz,
O alemão Günther e um português de Figueira da Foz.
Kiki, Laurinha e o doutor Marcus Renato
Levavam um papo cabeça com o Pedro Arquiteto
E o Chico Granadero.
Chegou o carequinha Nélson Ricardo
E uma torcedora do Fluminense.
Que belo traseiro!
Seu nome? Maria Joana,
De vulgo Maria Fumaça,
Que escreveu na camiseta:
O que vier a gente traça.
Cumprimentei Ernesto, Chico e Dirceu,
Tomei um chopp e saí fora
Com Cláudio Lisboa e mais dois roteiristas do Renato Aragão.
Fomos ao boteco do Joaquim
Na Rua Cupertino Durão
(Alguns preferem chamar de Rua do Cu Pertinho do Durão).
Dali para o Tio Sam.
Estava lá João Ubaldo
Acompanhado daquela morena dançarina do Tchán.
Os dois discutiam sobre Lacan.
Ela pediu ao garçon: me trás um caldo,
Meu Rei!
O cara ficou tão nervoso
De ser chamado de Rei
Por aquela Rainha
Que ao invés do caldo
Lhe trouxe um osso
Mergulhado na farinha.
Depois saiu dançando numa perna só
Cantando a musiquinha da eguinha pocotó.
No Arataca da Cobal
Avistei o Carlos Magno,
Figura rara, magnânima.
Leu a minha sorte e fez meu mapa astral:
Depois que completasse sessenta
Eu realizaria todos os meus amores
E acenderia charutos com notas de mil.
Morreria aos cento e trinta
Nos braços de uma ninfeta de noventa.
Do Arataca ao Gabriel dos Açores.
Encontrei Saraceni , Soraya, Maria Gladys, Ricardo Ruiz,
Renato,Tavinho Paes, Dalmo Castelo,
João Fontes, Abel Silva, Antonio Pedro e Mano Melo.
Depois chegaram a Eliane e o Chico Caruso.
O papo estava confuso,
Mas todo mundo feliz.
Antonio Pedro discursava que o Leblon era uma selva.
Uma selva de pedra - completava o Abel Silva.
- Selva de pedra não,
A Ilha das Maravilhas,
Rebateu, exaltado, o Ruiz.
- Nem ilha nem selva,
Uma praia,
Discordava o Renatão.
- Uma praia carinhosa, uma prainha!
Fechou Tavinho Paes, comendo um naco de pão.
- Data Vênia! Data Vênia!
Anistia para o chopp de vocês!
Discursou, impoluto, o João Fontes:
- É preciso fazer leis
Para preservar nosso horizonte!
Dalmo Castelo batucou na mesa
E criou na hora um samba-exaltação:
Maria Gladys é a rainha
A quem o sol diz bom dia
E Soraya uma sereia
Cercada de tubarão.
Batamos os copos,
Brindemos olhando nos olhos!
Quem brinda sem olhar nos olhos
Passa sete anos sem trocar o óleo!
Já vi onde termina o babado
Deste sábado.
Menino,
Nesse andar da carruagem,
Meu bolso vai bater pino.
Se eu passar no Bar do Tom
Talvez o João Sérgio me ofereça umas cervas.
Ou vou lá na Argumento,
Compro o disco do Nelson Sargento
E lavo o estômago com aquele chá de ervas
Que eles servem no Café Severino.
Vou descendo a ladeira -
Sem marcar bobeira, extrapolar meus porres
Nem ficar bebum.
Encontro o Alfredo, aquele jornalista do JB
De sobrenome complicado.
Jurou por Deus e por tudo de sagrado:
- Deixei de beber.
E convidou para uma dose de rum
No Café Antonio Torres
Da Letras e Expressões.
Beleza! Assim poupo uns tostões
Para a saideira.
E saideira que se preza
Tem que ser no Jobi.
Ó Paiva! reserva uma mesa
Para o meu chapéu.
Diz pra Melissa Mell
Que espere por mim!
SEXO EM MOSCOU
Quando comecei a passear meus dedos
Pela sua marighelazinha já ficando molhada
Ela teve medo e recuou na resitência:
- Stálin! Stálin!
Mas depois deu uma olhada
Viu meu sputinik pronto a entrar em órbita
Exclamou feliz da vida:
- Que vara! Que vara!
- Que nikita mais krutschev!
Eu era o sessenta
Ela era lunática rainha lunik 9
Me sentia como se estivesse dando um cheque-mate
o próprio Karpov
E por não ser nem fidel e nem castro
Lambi sua rosa de luxemburgo
E a linda bolchevique geminha tesudinha:
- Ai língua de seda,
Maravilhosa,
Me lenine toda, meu bem
Me lenine toda,
Todinha!
Arranhava minhas costas com suas unhas de mil caranguejos
E sussurrava entre beijos:
- Marx! Marx!
E o colchão de molas rangia:
- Mao tse tung! Mao tse tung!
Me chamou de seu tesão
Maiokovsky do sertão
Engels azul do meio dia
Poeta do real
Sua fantasia
Olhou-me nos olhos e disse:
- Tú és o meu Brejnev!
E ficamos por um tempão
Deitados no colchão de neve
E nos amávamos
Esperando o intervalo
Entre uma e outra greve
Trotsky! Ela tinha uma bezerra gregoriana
Que deixava lamarcas
E quando o êxtase atingiu ao seu máximo Gorki
Quando estava prestes a acontecer um orgasmo dissidente
Sussurou rangendo os dentes
- Chove dentro de mim,
Chove, chove,Gorbatchev!
UM PARNASIANO BILAC TEMPORÃO
Você é uma ânsia vermelha adoçada com mel de abelha
De uma doçura que chega a ser cruel
Me desperta sensações ancestrais de boleros e sambas-canção
Incorporado num parnasiano Bilac temporão
Tem gente que fala de amor como uma ameaça
Amor em pequenas dosagens com pesos e medidas
Existem coisas tuas que só para mim são nuas
Que ninguém mais acarinhou ou conhece
Uma parte de nós só pelo outro que será preenchido
Você me remoça
Me adoça
Me dá força
Me nasce outra vez ( mais uma)
E me chama de filho
Me chama de cavalo
Faz teu cabelo capim
Cavalga em mim
Me alimenta de milho
Me dá tua língua
Vem ser minha égua
Beber minha água
Abrandar tua sede
Me chama de porta
E atravessa a parede
MADONNA
Quem transou com a Madonna
Quando esteve no Brasil?
Não deu no New York Times
Nem no Jornal Nacional
Nem na Revista Gazeta
Nem no Jornal do Brasil
Quem papou aquela buceta?
Meteu naquele xibiu?
Colheu o botão de rosa?
Lambeu o favo de mel,
Na suíte esplendorosa
Do Caesar Park Motel?
Qual foi o brasileiro?
Quem foi que traçou a Madonna
Neste Rio de Janeiro?
O Repórter Isso informa em edição extraordinária
No mais completo furo de reportagem
Na mais absoluta primeira mão
Com quem Madonna dormiu
Quando esteve no Brasil?
Tchán tchán tchán tchán
Em verdade em verdade vos digo:
Foi comigo! Foi comigo!
Foi comigo e vou contar como foi:
Encontrei a Madonna na Praça Paz
Numa limousine Mitsubishi lilás
Calcinha preta peitinhos soltos botas de salto
Algemas na cinta corrente nos pulsos coleira no pescoço
E incrustado num boné de maruja que lhe cobria a cabeça
Um crucifixo de ouro com um homem nu
Abriu a porta do carro olhou pra mim
E disse assim:
- Entra aí, seu bunda suja,
Vamos tirar um sarro!
A Madonna tava demais!
Peruca sintética de cabelos vermelhos
E um caralho de plástico ornamentando os pentelhos
Se vestiu de Flamengo
Me amarrou nuns cordéis
E fez deste mameluco
O seu doce mamulengo
Despiu - se de anéis
Meias e ligas
Chamou mais cinco amigas
Cinco amigas que tavam na paquera:
- Aí, galera,
Vamos jantar essa fera!
E estalou o chicote:
Vopt vopt Vopt vopt
- Quem é tua dona?
Vopt vopt vopt vopt
- Quem é tua dona?
É a Madonna!
É a Madonna!
A Madonna estava muito louca
Ardia de febre uterina e furor no anel anal
Num gesto abrupto
Girou o pélvis
Me chamou de deputado
Sentou em cima do bruto
E disse que adorava uma trolha de político corrupto
Exigiu que lhe batesse lhe arranhasse
Lhe arrombasse lhe estuprasse
Lhe xingasse de marafona cafona
Musa de Museu Lacraia do colonialismo cultural
Mocréia da globalização
Decadente Bandida
Absoluta maravilhosa estrela
Deidade divina
ríbade Olímpica dos jardins de Zeus
Vênus castigadora
Diana dos Caçadores
Orgasmo-síntese de todos os amores
Clitemnestra do clitóris de seiscentos milhões de dólares
Deitou-me ao colo
Guardou-me na boca
E chamou minha piroca de sua leiloca
Seu baby consuelo
Baby do Brasil
E gritou: Rá! Rá!
Depois se mandou
Abraçada com a Ro Rô
MANO MELO – Mano Melo é poeta, ator, roteirista, com diversos espetáculos realizados e vários livros publicados. É ator formado pelo Conservatório Nacional de Teatro e estudou filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Como ator, participou de vários filmes, dentre eles, André Cara e Coragem, The Bread (Holanda), O Cangaceiro Trapalhão, Os Trapalhões e o Mágico de Orós, Os Trapalhões na Serra Pelada, e O Homem da Capa Preta. É autor de sete livros de poesias publicados. E f ez curso de roteiro com Syd Fields. É autor de vários roteiros institucionais para projetos de educação da Fundação Roberto Marinho, e de dias temáticos para o Canal Futura. Em 2003, participou durante seis meses das Noites de Humor, com Chico Anísio, no Rio Design Center Leblon e Rio Design Center Barra, interpretando suas poesias. Atualmente participa da novela América (elenco de apoio), no papel de Severino, o porteiro do edifício de Alex (Thiago Lacerda).
No Teatro, seus trabalhos mais recentes são Guerreiras do Amor, de Domingos Oliveira, direção Jayme Periard, e Sonho de Uma Noite de Verão, de William Shakespeare, no papel de Puck, direção de Paulo Reis. E o monólogo de sua autoria O Lavrador de Palavras, espetáculo itinerante que estreou na Casa da Gávea, em 2000, e depois no Teatro Candido Mendes. Viajou por 10 anos pela América Latina, Europa, Ásia, África e depois retornou ao Brasil para interpretar seus poemas em teatros, tevês, rádios, bares, centros culturais, ciclos de poesia e congressos brasileiros, além de universidades, escolas, praças e praias em todo país. Recentemente, além de seu trabalho individual, fez parte do projeto de poesia Ver o Verso, junto com Pedro Bial, Alexandra Maia e Claufe Rodrigues. O grupo se apresentou durante três anos, de 1999 a agosto de 2002, uma vez por mês, no Rio de Janeiro, sempre com casa cheia, e percorreu várias cidades brasileiras, por teatros, centros culturais, feiras de livros e congressos de literatura, em São Paulo , Porto Alegre, Passo Fundo, Belo Horizonte, Tiradentes, Itabira, Salvador, Fortaleza, Maceió e Belém. Abriu os festejos do centenário de Carlos Drummond de Andrade em Itabira, MG, encerrando com histórico recital no dia 31 de outubro de 2002, aniversário de cem anos do poeta, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, junto com a orquestra Sinfônica do Theatro Municipal. Enfim, o poeta e ator Mano Melo mescla poesia e teatro numa estrutura simples: o poeta diante de sua mesa de trabalho, em diálogo sensorial consigo mesmo e com o seu público, trazendo para o contemporâneo a tradição viva da oralidade na poesia brasileira. Veja a entrevista que ele concedeu pra gente.
LAM - Mano, vamos para a pergunta de praxe: quando e como ocorreu a sua descoberta pela arte?
Luiz Alberto, começou bem na infância. Lembro que a garotada na rua brincava de circo e teatro, eu sempre queria ser o palhaço. Então decorava piadas, adaptava, roteirizava e levava ao palco do Circo Chicote de Prata, que funcionava na garagem de um menino vizinho, cinquenta centavos o ingresso. Devia ter uns oito anos. No jardim de infância, tive uma experiência frustrada de cantor. Foi um vexame, porque fiquei muito inibido com a presença do diretor da escola. Minha carreira de cantor terminou aí. Depois, conhecí uma menina tocadora de sanfona, ela cantava Beijinho Doce e parecia a Adelaide Chiozzo, fiquei perdidamente apaixonado. Ela era uns três anos mais velha, uma pré - adolescente e eu um fedelho. Que dizer, não me dava bola. Queria porque queria ter uma sanfona, aprender a tocar, para impressioná-la. Minha avó prometia no natal, no aniversário, mas nunca cumpriu. Segundo ela, se me desse uma sanfona eu ia virar um cara farrista, beberrão e mulherengo. Minha madrinha de crisma era macaca de auditório e me levava aos programas. Os cantores frequentavam sua casa e eu conhecia todos, até os que vinham do Rio, como a Angela Maria, que me pegava no colo. No quinto primário, tinha umas horas de arte na escola, um garoto mais velho interpretava poemas e eu ficava fascinado. Ele interpretava Ismália, trechos de Y Juca Pirama, O Estudante Alsaciano e A Morte do Cão ( eu tinha um cão, chamava-se Veludo...) Eu amava isso. E com uns doze anos entrei num concurso de programa de auditório de uma radio pra escrever e interpretar um texto. Ganhei o primeiro prêmio, em dinheiro. Daí um tio meu ficou maluco e umas três estantes com livros dele foram parar lá em casa. Devorei tudo, Zé Lins, Jorjamado, Graciliano, os regionais nordestinos me fascinavam, Menino de Engenho era meu livro de cabeceira, a descoberta da literatura foi como achar um tesouro. Como nunca fui nenhum galã, nem rico, e também nunca fui bom em jogar futebol, descobri enfim meu sortilégio de encantar as pessoas e ser aceito e admirado no grupo social. Escrever, inventar histórias, compor versos. Outra coisa importante também foram as chanchadas da Atlântida, filmes de Oscarito e Grande Otelo. Devorava todos. Aos treze anos, descobri o teatro, mas aí já são outros quinhentos...
LAM - Quais as influências da infância e juventude que definiram pela formação e identidade de Mano Melo?
Tudo isto que falei antes. E mais os repentistas do Ceará, que ouvia quando ia passar as férias no sertão, na casa do meu avô. Mais os livros que me emprestava o Elano, um amigo de infância, alguns anos mais velho, que tinha um grande conhecimento de literatura. Nesta época lia mais os autores regionalistas. Mas também li Charles Dickens e John dos Passos. Com treze anos entrei num curso de teatro da Universidade, mas como ouvinte, porque não tinha idade ainda. Meu primeiro professor foi um cara genial chamado B. de Paiva. Ele encenou O Pagador de Promessas no Teatro José de Alencar. Um grande sucesso que marcou a história do teatro cearense, e a minha própria. Foi meu batismo no palco. Fazia uma figuração, entrava no final da peça com um colchão na cabeça pra entregar ao Zé do Burro, não falava nada, entrava calado e saia mudo. Porém esta convivência diária com o palco marcou tanto minha vida, que decidi que seria um artista, e pra ser artista tinha que vir para o Rio. Botei isso na cabeça e nunca mais tirei. Quando cheguei ao Rio, com 16 anos, eu era um típico garoto nordestino. O choque cultural foi muito grande. Frequentei muito teatro de comédias e revistas, quando conseguia burlar os porteiros por ser menor de idade. E como quase não conhecia ninguém nos primeiros tempos, me tornei cada vez mais um devorador de livros. Para aprender sobre a cidade, também me tornei um grande andarilho. Morava em Botafogo, ia até o Leblon a pé e voltava pelo Jardim Botânico, inteiramente enamorado pela cidade do Rio de Janeiro, me sentindo o máximo por estar aqui. Uma tarde, caminhando na Avenida Atlântica, deparei com um dos meus ídolos, o Zé Trindade, caminhando tranquilo em direção ao Posto 6, onde ficava a antiga TV Rio. Caminhei por quilômetros o seguindo. Até que criei coragem e o abordei. Me apresentei, timidamente, disse que assistia todos os seus filmes e que tinha recém chegado do Ceará, e fiz a pergunta que me martelava a cabeça: o que fazer para ser um artista? Ele foi muito carinhoso comigo, perguntou minha idade e se estava estudando, eu falei que sim. Ele disse então que quando eu tivesse idade e terminasse o colegial, se ainda estivesse querendo isso, procurasse uma escola de teatro. Não deu outra. Quando terminei o colegial, fiz vestibular pro antigo Conservatório Nacional de Teatro. Curioso é que quando estava no segundo ano da escola, fui contratado para fazer um filme alemão, rodado na cidade de Penedo, Alagoas. Fiquei quatro meses filmando lá, num ótimo papel, ganhando uma grana firme, salário alto mesmo, os deuses me sorriam. Quatro meses convivendo com atores experimentados, que me acolheram generosamente e me ensinaram muito. Grande Otelo, Paulo Porto, Jofre Soares, Carlos Eduardo Dolabella, mais os alemães Harald Dietl e Elga Zorbas. Foi um grande aprendizado. Por coincidencia, imagina quem chega pra fazer um show no Cine São Francisco, térreo do hotel onde estava hospedado? Ele mesmo, ninguém mais ninguém menos que o Zé Trindade, acompanhado de uma trupe de belas vedetes, com o show O Negócio é Mulher. Me empolguei, fiz propaganda, levei toda a turma do meu filme, atores e técnicos, alemães e brasileiros. No final do show, convidamos Zé Trindade e sua trupe para jantar conosco. Sentei ao lado dele e contei a história de como, menino chegando do Ceará, o abordei na Avenida Atlântica pra perguntar o que fazer pra ser artista e ele me disse pra estudar e buscar uma escola de teatro. Foi o que fiz, e agora estava ali, em Penedo, fazendo um filme e jantando ao lado dele, e de grandes nomes de nosso cinema. Sabe que ele ficou muito emocionado? Eu, mais ainda...
Bom, isso foi a parte de ator. Vamos á parte literária. Com 17 anos o marido de uma tia morreu. Ele era medico e um cara muito culto, que havia antes de medicina estudado filosofia. Foi uma grande influencia na minha vida. Quando ele morreu, minha tia me convidou pra morar com ela, seus dois filhos pequenos sentiam muito a morte do pai. Meu quarto passou a ser o quarto onde meu tio João tinha sua biblioteca, estantes que tomavam todas as paredes. Devorei aquilo tudo. Aí tomei contato com a chamada alta literatura, os clássicos, Dom Quixote, Goethe e Shakespeare, Herman Hesse, os filósofos gregos e, principalmente, com a Poesia, Heine, Rilke, Holderlin, Rimbaud, Baudelaire, Jorge de Lima, Paulo Bomfim, Deolindo Tavares. Ali foi que descobri Fernando Pessoa, aquele livro papel bíblia da Aguilar. Minha cabeça nunca mais foi a mesma. Passei a ler e escrever poesias compulsivamente.
LAM - Como você transita por diversas áreas, vamos começar pela Literatura. Você já publicou diversos livros, entre eles "O evangelho de Jimi Rango", "O vampiro Ciro", "Rio Acima", "Tratado geral sobre os amplos irrestritos" e "Viagens e amores de Scaramouche Araujo". Fala a respeito dessas experiências literárias.
O Evangelho de Jimi Rango. Este foi meu primeiro livro publicado, uma edição em mimeógrafo, produção independente. Existem várias curiosidades a respeito deste livro. Uma delas é que foi rodado no mimeógrafo da Casa das Palmeiras, instituição psiquiátrica dirigida pela saudosa Dra. Nise da Silveira, pessoa com quem tive o privilégio de conviver. Nesta época, aí por 1970, 71, não sei bem, eu monitorava um grupo de teatro na Casa das Palmeiras, fazendo assistência para o Fauzi Arap. Quando o Fauzi foi estrear o show que dirigia com a Bethania, Rosa dos Ventos, em Salvador, fiquei monitorando o grupo sozinho e foi uma grande subversão. Tanto que, ao voltar, Fauzi ficou com um dia pra ele e eu com um dia só pra mim, com supervisão dele, trabalhando poesia e teatralizando com os pacientes. Havia um pintor que fazia um grupo de artes plásticas lá, o José Paixão, que morreu há alguns anos atrás. Nesta época, ditadura Médici, eu queria desaparecer do Brasil antes que eles desaparecessem comigo. Como estudava simultaneamente a escola de teatro e a faculdade de filosofia e estava muito interessado em filosofia oriental, queria ir pra India mas não tinha dinheiro da passagem. Bolei reunir meus poemas, fazer um livro e vender, pra angariar fundos para a viagem. José Paixão fez umas ilustrações lindas e rodamos uma edição de cem exemplares no mimeógrafo da Casa das Palmeiras, ajudados por pacientes da casa. A dra. Nise nos emprestava a chave no final de semana e fazíamos um mutirão para rodar e colar as páginas. Outro detalhe curioso é que o Fauzi Arap promovia umas reuniões artístico-esotéricas no Teatro Jovem, em Botafogo. Um dia eu interpretei o poema O Evangelho de Jimi Rango lá, com plateia lotada. Quando acabou, uma mulher muito bonita chegou pra mim e perguntou se eu tinha aquele poema publicado e eu falei que estava rodando ainda em livro, mas em breve estaria pronto. Ela me deu seu telefone e disse que quando estivesse pronto, queria comprar um exemplar. Quando o livro saiu, telefonei pra ela e marcamos de eu deixar uma cópia em sua residência, que ficava na Rua Gustavo Sampaio, no Leme. Me lembro muito bem, era uma tarde de verão no Rio de Janeiro, ela me recebeu na biblioteca de sua casa, ofereceu um chá. Uma pessoa muito bonita, linda mesmo. Foi muito gentil, simpática. Tinha uns olhos claros, se bem me lembro, azuis, que pareciam enxergar tudo em volta, por dentro e por fora. Assim como o olhar de um felino. Passei umas duas horas falando sem falar, excitadíssimo, porque já havia comprado a passagem para a Índia. Ela, uma escritora por quem tenho até hoje muita admiração, foi de uma paciência e de um carinho que jamais vou esquecer. Um dos meus orgulhos é saber que existe um exemplar do Evangelho de Jimi Rango em alguma prateleira de suas antigas estantes. O nome dela era Clarice. Clarice Lispector. E se Clarice Lispector comprou o livro do jovem poeta e disse que seus poemas eram bons, foi o maior incentivo que este jovem poeta poderia pedir à vida. Desde aí, nunca mais parei.
Tratado geral Sobre Os Amplos Irrestritos fala sobre a anistia, foi meu livro da chegada de volta ao Brasil, depois daquela viagem à Índia que se estendeu por quase dez anos através de 21 países. Rio Acima veio logo depois, misturando poemas inéditos. Todos produção independente. Os primeiros livros que fiz em parceria com editoras, foram O Lavrador de Palavras e Viagens e Amores de Scaramouche Araújo. Scaramouche é o primeiro romance, personagem que criei para contar as vicissitudes dessa longa viagem que fiz.
LAM - A Literatura seria o veiculo da criação para utilização da identidade autoral de suas múltiplas expressões artísticas?
Literatura, poesia, teatro, tv, cinema. Em algum ponto, tudo se entrelaça. Não sei onde principia o poeta e o ator. Acho que existe uma simbiose entre as duas coisas. Quando interpreto no palco ou no cinema, interpreto como um poeta, enfatizando a poesia do texto e do contexto dramático. Quando interpreto poemas ao microfone, também. Sinceramente, entre o poeta e o ator , não sei onde começa e termina um e outro. As coisas comigo foram sempre acontecendo naturalmente, sem forçar barras. Quando fiz meus primeiros livros, sempre de forma meio artesanal, independente, logo percebi que para escoar a produção, chegar ao público, sem meios de distribuição, se dependesse apenas de deixar em consignação nas livrarias, estava fudido do primeiro ao quinto. Comecei então a utilizar minha experiência teatral, meu lado ator. Inventava shows e recitais, para vender livros. Minha poesia ficou muito popular por causa deste contato com o público, nos espaços mais diversificados possíveis, do Theatro Municipal do Rio aos bares e praças públicas. Falando meus versos para as pessoas já viajei quase o Brasil inteiro, do Rio Grande do Sul ao Acre, além de Portugal, Cuba e Argentina. Foi o truque que encontrei para escoar a produção. Viver de poesia não é fácil, só sendo mesmo muito perseverante - pra não dizer teimoso. Mas posso te dizer que nada se compara ao prazer de interpretar os próprios versos no palco, e os deuses me concederam o dom de brincar esta brincadeira com uma certa eficiência.
LAM - Você também é roteirista. Seria o canal para confluência entre a sua literatura e o seu teatro?
Esse lance de roteirista surgiu meio por acaso. Porque sempre entendi que o escritor tem que escrever e dominar os vários segmentos de sua arte. Pelo menos, sempre pensei assim. Uma vez um cara me contratou pra fazer um roteiro de um filme dele. Aceitei, fiz a pesquisa, ralei pra caramba, foi filmado, peguei também um papel como ator. Não é que o filme tenha ficado ruim, mas foi um trabalho sem unidade. Por exemplo, o cara pegava um fotógrafo, que ficava trabalhando uns três meses sem receber, e quando pintava dinheiro da Embrafilme, levava calote e ia embora puto da vida. Aí vinha outro fotógrafo. Assim, só de fotógrafo, o filme teve uns oito. Levou cinco anos pra concluir, sempre na base do calote. Não podia dar certo. Não é que tenha ficado ruim, mas não fez o mínimo sucesso. Passou em alguns circuitos alternativos e olhe lá. Não digo o nome do filme nem do diretor porque essa figura era muito desonesta e caloteira, nunca me pagou pelo meu trabalho, que foi estafante, um esforço federal que consumiu mais de um ano, com extensas jornadas de trabalho. Do total que combinamos, ele pagou só uns dez por cento, num momento em que minha esposa estava grávida e eu estava precisando muito do dinheiro. Ele pegava a grana da Embrafilme e não pagava a ninguém. Fez o filme todo assim, na base do calote. Depois, quando fiz como ator O Cangaceiro Trapalhão, num papel inexpressivo, mas prazeroso de fazer, fiz um roteiro e tentei negociar com o Renato Aragão. Ficou na gaveta, acho que ele nunca leu. Mas gosto muito desse roteiro, se tivesse dinheiro, eu próprio produzia. Então eu vi uma reportagem no jornal dizendo que vinha um roteirista de Hollywood, o Syd Fields, dar um curso de roteiro no Brasil, financiado pela Motion Pictures. Para ser escolhido, tinha que mandar as primeiras vinte páginas de um roteiro já pronto. Mandei as primeiras vinte páginas do roteiro dos Trapalhões e fui um dos escolhidos. O único que não escrevia roteiro para a Globo, os outros todos eram autores de novelas ou programas da Globo. Durante o curso, escreví o Chanchadas na Atlântida, que acho ótimo, mas sou suspeito pra falar. É um filme caro de fazer, não tenho tempo nem saco de procurar financiamento, não é minha praia. E depois que levei aquele calote, tenho um certo pé atrás com esse pessoal de cinema. Mas a partir daí começaram a surgir de vez em quando convites para colaborar em algum roteiro, curtas metragens, programas de TV, institucionais. Trabalhos sobre encomenda, que gosto de fazer, alguns mais, outros menos. Tem uma coisa boa e, para mim, inédita até então, que é o prazo de entrega. Isso te obriga a uma certa disciplina. É relativamente bem remunerado e, quando acontece, alivia nas contas.
LAM - Você transita entre a Literatura e o Teatro, participando de grupos e projetos, como Ver o Verso e Poesia Faz Escola, bem como realizou o "Mano Melo Recital Show" e "Mano a Mano". Fala então a respeito dessa sua expressão e como você concilia essas atividades.
Ver o Verso surgiu meio por acaso. Um amigo do Pedro Bial e do Claufe Rodrigues, depois meu amigo, o Delfim Fujiwara, abriu um restaurante japonês e um bar no Planetário da Gávea. O lugar se chamava Copérnico, hoje se chama 00. Bom, ele era um amigo nosso, um grande sujeito. Então o Pedro Bial e o Claufe Rodrigues lançaram a ideia de fazermos um recital de poesia lá, o Pedro, o Claufe, eu e a Alexandra Maia. Fizemos o recital, com mais uns atores e atrizes de convidados, não me lembro quem. Foi um grande sucesso. A imprensa começou a falar do Ver O Verso , como se fôssemos um grupo, aí assumimos. Ficamos um tempo fazendo a cada quinze dias, sempre com um grande sucesso de público, e com convidados especialíssimos, artistas ligados à poesia, como Fernando Montenegro, Cássia Kiss, Camila Pitanga, Maria Fernanda Cândido, Rosamaria Murtinho, muita, muita gente, que fica extenso relacionar aquí. Começaram a surgir convites para apresentar em outras cidades, em teatros, em bienais, e a coisa foi num crescendo. Lançamos um livro com poemas de nós quatro, esgotou-se num abrir e fechar de olhos. O Ver o Verso foi um prazer enorme, enquanto durou. O apogeu foi no aniversário de 100 anos do Carlos Drummond de Andrade, quando interpretamos poemas dele no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, junto com a Orquestra Sinfônica do Theatro, regência do maestro Silvio Barba to, recentemente falecido naquele desastre com o avião da Air France destino Rio-Paris. Interpretar Drummond junto com a Orquestra Sinfônica foi um dos momentos mais emocionantes de minha trajetória. Depois, as coisas foram conspirando para o afastamento, Claufe teve que voltar ao jornalismo diário, Alexandra se casou e teve uma filha, foi trabalhar com produção de cinema, Pedro tá aí emprestando seu talento ao BBB, eu tou aquí fazendo minhas coisas. São amigos muito queridos. Meu coração se rejubila sempre que nos encontramos aí pelas esquinas.
Poesia faz escola foi um projeto que fizemos em escolas públicas do Estado do Rio. Um trabalho lindo, que incluia a edição dos melhores poemas dos alunos, culminando com um concurso de poesia falada com prêmios em dinheiro para os primeiros colocados, melhores poemas e melhor intérprete. Alunos do interior, tinhamos verba para trazer ao Rio, com direito a acompanhante, com passagens, hospedagem, alimentação. Percorremos várias cidades do Estado do Rio, fazendo recitais, eu, Claufe Rodrigues, mais poetas e atores convidados, como Salgado Maranhão, Cássia Kiss, Cláudia Alencar. No torneio de Poesia Falada, apresentei a finalíssima com Camila Pitanga. Salgado Maranhão, Cássia Kiss e Antonio Calloni estavam de jurados. E já que surgiu o nome de Antonio Calloni, quem não sabe ainda, saiba que além de excelente ator, é um grande poeta e escritor, com vários livros no currículo, contos, poemas e romance.
Mano Melo Recital Show e Mano a Mano, foram artimanhas que inventei para apresentar poemas novos, escoar a produção. Sempre com alguns convidados que muito me honram. Dia 28 de janeiro inauguro um novo projeto, Mano Melo Convida, na Barra da Tijuca, com convidados especialíssimos, Nonato Buzar, Isadora Ribeiro,Cristina Bethencourt, Jorge Ventura, Mu Chebabi, Claufe Rodrigues, Monica Montone, Karla Sabbah, Bia Provasi, parceiros, poetas, atores e músicos do meu círculo de amizade e admiração.
LAM - Vamos falar especificamente de Teatro. Você já apresentou o seu monólogo "O lavrador de palavras". Fala a respeito dessa experiência.
Pela primeira vez estava lançando um livro de poemas por uma editora, O Lavrador de Palavras, que foi bancado pela Bapera Editora. Estava amando isso. Então pensei assim: o pessoal de música, quando lança um CD ou DVD novo, faz um show de lançamento. Então porque não fazer um show de lançamento para meu livro, uma peça de teatro? Daí fiz um roteiro de poemas do livro para um espetáculo teatral, em formato de monólogo. Comecei a ensaiar sozinho, me autodirigindo. Numa outra etapa, convidei alguns atores amigos para assistirem ensaios e me darem dicas. O primeiro foi Antonio Grassi, que me deu dicas essenciais. O mesmo com Camilo Bevilacqua, que fora meu companheiro de elenco na novela Mandacaru da Manchete. Na reta final, veio Luciana Borghi, uma jovem atriz genial, que respira teatro. Fiquei maravilhado com seu pique e seu talento, então combinamos de eu assinar a direção e ela a direção de cena. Chamei minha amiga Liane Monteiro, artista plástica, para bolar um cenário. Ela fez um totem de papelão, belíssimo. Concebí com o mínimo de material de cena possível, um espetáculo de bolso fácil de transportar pra todo lugar, inclusive em viagens. Viajei muito com O Lavrador. Estreei no teatro da Casa da Gávea, temporada de um mês. Depois mudei para o Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, onde fiquei por três meses, com ótimo retorno de público. A partir daí, virou espetáculo itinerante, até hoje faço de vez em quando. Rodei pelo interior de Minas, São Paulo e Estado do Rio, levei para Cuiabá e Fortaleza. Ainda hoje, de vez em quando, se alguém quer contratar pra fazer eu faço. Isto foi ótimo para a venda do livro, que vendeu mais no mão a mão nos teatros do que nas livrarias, onde ficava escondido entre milhões de best sellers americanos pagos a peso de ouro pelas editoras brasileiras, que pouco investem em autor nacional. Pode ver, basta pegar os jornais. Pegue os dez mais vendidos no Prosa e Verso do Globo, ou de qualquer jornal de São Paulo ou do Brasil que tenham lista dos dez mais vendidos. Dos dez na lista de ficção oito são best sellers americanos, mais uns dois europeus, Harry Potter, essas coisas. Quando aparece algum brasileiro é um Paulo Coelho, ou um João Ubaldo ou Rubens Fonseca na semana de lançamento, aí entre a quinta e a décima posição. Claro, os caras vão pra feira de Frankfurt, compram um Sidney Sheldon da vida pagando milhões e precisam recuperar o investimento. Então estes livros têm que ocupar o lugar mais visível das livrarias, aparecer anúncios em cores nos jornais, contratar resenhistas a peso de ouro para falar bem. Nada mais venal que a crítica de literatura, contam-se nos dedos críticos sérios, um Salvyano Cavalcante de Paiva, um Ivo Barroso. A maioria é comprada pra ajudar a vender lixo. Alguns autores brasileiros aparecem no setor de auto-ajuda. Livros de poesia, nenhum. Nécas de pitibiriba. Eles alimentam o mito de que poesia não vende, o que é uma mentira deslavada. Manoel de Barros vende muito, qualquer Drummond reeditado vende muito. Mano Melo e Elisa Lucinda também vendem muito, mas nos teatros, Fernando Pessoa vende pra caralho. Enquanto isto, as livrarias estão tudo falindo. Digo, livraria pequena, não atreladas a grandes redes. Aqui no Rio, este mês, só no Leblon, bairro de ricos letrados, fecharam duas, a Letras e expressões e a DaConde . Sobrevivem apenas as megastores nos shoppings, as Saraivas da vida, que investem na prioridade de vender lixeratura. Quero fazer uma nova edição do Scaramouche, já esgotaram as duas primeiras edições, mas quero distribuir pra vender em bancas de jornais, a preços acessíveis. Não compreendo porque aqui no Brasil livro tem que ser tão caro, se os salários são tão baixos. Livro no Brasil custa mais caro que na Europa ou nos Estados Unidos. Mas os salários, ó! Como diria meu mestre Chico Anysio. Só um imbecil como Gláuber Rocha pra chamar o Golbery de gênio da raça, puro puxasaquismo, só porque o tal do Golbery era um milico fascista atrelado ao Poder e esse pessoal de cinema vivia de mamar verbas. Quer dizer, não acho o Gláuber um imbecil, um cara que fez Deus e o Diabo não pode ser um imbecil, mas chamar Golbery de gênio da raça é uma imbecilidade. O verdadeiro gênio de nossa raça é o Chico Anysio. Digo isso, assino embaixo e assumo. Vai demorar ainda uns vinte ou trinta anos para que os críticos e a pseudo inteligentzia descubram isso. Como levou décadas para que reconhecessem o talento e a genialidade de um Oscarito, de um Grande Otelo, de um Wilson Grey, de um Nélson Rodrigues. Porque estão bitolados num modelo americano ou francês, por isso na poesia exaltam os neo Rilkes, expressão tão bem cunhada pelo Geraldinho Carneiro. Rilke é genial, já os neo rilkes, abomináveis ietes das letras. O que atrapalha a verdadeira literatura do Brasil são as bárbaras heliodoras assexuadas educadas nos conventos das carmelitas sem calças. Ou sem calcinhas.
LAM - Além do teatro, você também atua ativamente no cinema e na televisão. Fala dessas experiências e das distinções de linguagens na expressão do ator, cada qual no seu lugar ou se complementam?
São técnicas diferentes, todas elas formas muito prazerosas de criação. O teatro é mais visceral, porque defronte ao público, uma interpretação que só existe ali mesmo e nunca se repete, cuja eternidade está em ser efêmero, existir apenas para o momento aqui agora. A resposta imediata do público, a cumplicidade, a intimidade entre público e ator, isto é insubstituível. No cinema e na TV você representa para as câmeras, é uma relação mais fria. O estudo dos gestos, dos movimentos, são mais elaborados. Teatro é artesanato, cinema e TV, indústrias. Estar no set de uma grande produção cinematográfica é muito emocionante, com toda aquela equipe enorme concentrada ali, o movimentos dos carros, dos caminhões, a preparação de cada cena. O tipo de concentração é diferente. No teatro, você tem que expandir-se em gestos, em voz. No cinema e na TV, você tem que zerar a expressão, qualquer gesto ou expressão mais larga imprime falso na câmera, soa exagerado. Porque a lente está ali, te penetrando a alma, a máquina está te observando por fora e por dentro. Por vezes, gravando TV, uma novela, algo assim, quando entro no Projac me sinto assim como um operário dentro de uma fábrica, a estrutura é muito grande. Por um lado, é emocionante, toda aquela movimentação, aquele clima de fábrica de sonhos. Eu adoro esta adrenalina, é muito envolvente e emocionante. Tive oportunidade de contracenar com atores realmente grandes, embora sempre fazendo papeis menores. Mas como muita gente me conhece e reconhece como poeta, sempre tive uma relação especial com os colegas, porque muitos dos atores são vorazes leitores de poesia. Tive oportunidade de contracenar com grandes atores, André Mattos, Murilo Rosa, Lima Duarte, Sérgio Britto, pessoas que sabem tudo sobre o veículo, que fazem no reflexo, num sexto sentido, todos eles atores geniais. As novelas são uma expressão latina, netas e bisnetas das novelas de rádio. A TV brasileira adquiriu um grande know-how em fazer novelas, por isso estes programas fazem sucesso no mundo inteiro. Por outro lado, é sempre uma repetição do mesmo, os autores de novelas, grande escritores, estão fazendo a mesma coisa há mais de quarenta anos, Aguinaldo, Manoel Carlos, Silvio Abreu, Gilberto Braga, todos no mercado pelo menos há uns trinta ou quarenta anos, não existe renovação. Então é muita mesmice, é sempre mais do mesmo, na verdade o verdadeiro programa de TV são os anúncios, o programa é o intervalo entre os anúncios, é arte pra vender sabão, uma espécie de sopa empacotada. TV é que nem fast food, comida de lanchonete. Os americanos cunharam uma expressão genial para isso: soap opera. Toda a força de criação, toda a estrutura da fábrica, está direcionada para medidores de audiência, para vender anúncios. Então tem uma linguagem própria que não permite grandes experimentações. O texto tem que ser assimilado pela garota moderna do Rio, São Paulo e das grandes capitais, e pela camponesa que mora nos grotões da Amazônia, onde mal tem energia elétrica, vidrada na sua TV preto e branco com imagens de chuvisco.
LAM - Esse tempo de internet tem contribuido para a difusão de seu trabalho?
Muito. Internet veio pra facilitar, e isso é definitivo. Tecnologia é libertação. Por isso, imprensa tradicional, editoras tradicionais, gravadoras tradicionais, estão todas em crise, á beira do abismo, viajando na maionese, escorregando na falência. Eu sou de um tempo em que, para divulgar qualquer projeto, tinha que ir até às redações, Jornal do Brasil, Globo, tirar um crachá na portaria, me apresentar ao jornalista e pedir uma força, meio mendigo de atenção. Hoje, o artista ou seu divulgador escreve um informe e distribue simultâneo para o mundo inteiro. É ou não é um milagre tecnológico?
LAM - A seu ver, em termos gerais qual o papel da internet no desenvolvimento da Literatura, do Teatro, do Cinema, da televisão?
Está virando tudo de pernas pro ar. Revolucionando a própria lingua, adicionando novos termos, mesclando com outros idiomas. E, principalmente, tem esse lado de obrigar todo mundo a escrever, a se comunicar com a palavra escrita. Alguns grupos de teatro já veiculam suas peças pela internet, acesse o site do Oficina e as peças estão lá. Se você quiser, pode fazer sua própria estação de TV particular, já existe tecnologia disponível para isto, eu ainda não aprendi a fazer, mas conheço gente, tenho amigos que sabem fazer e fazem. Cinema? Basta sentir a diferença entre montar na moviola e editar em um Mac, mesmo um PC. Barateou os custos de produção para o cinema, câmera na mão e ideia na cabeça jamais foi um conceito tão atual. Muita gente foge do celulóide e filma em digital, e com qualidade de imagem. E o próximo passo é o filme 3 D, já aí nas paradas, reação da grande industria pra preservar sua comida cultural enlatada. E isto é apenas o começo, vai ser um salto como para o cinema falado e o tecnicolor. Crescendo em progressão geométrica. Somos as últimas gerações do assim chamado homo sapiens. Estamos nos primórdios de uma nova humanidade, o homem tecnológico. Uma distancia tão grande quanto o sapiens do Neanderthal. E isso já é contemporâneo, perigas ver e verás.
LAM - Quais os projetos que Mano Melo tem por perspectiva de realizar?
Estou com um livro no prelo, Poemas do Amor Eterno. Deve estar saindo qualquer dia desses. Pela primeira vez tenho um patrocinador, a Oboé Financeira, casa bancária de Fortaleza, na figura de um grande brasileiro chamado Newton Freitas, o grande incentivador das artes nordestinas, cearenses em particular. A Oboé está viabilizando este livro, que é uma nova fase, diferente de tudo que publiquei até agora, estou muito feliz com o resultado. Quero lançar que nem como o Lavrador de Palavras, com uma peça - show nos teatros, talvez em companhia de alguma amiga atriz que ainda não escolhi. E assim, vida que segue. Enquanto o destino me conceder, continuarei escrevendo e interpretando, pois essa é minha razão de ser no mundo, escrever e interpretar. Abração para todos vocês.
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