sexta-feira, março 08, 2013

SANTANNA, O CANTADOR





CANTADOR

Letra & música de Luiz Alberto Machado

A vida passa em cada passo do caminho
Vou passarinho professando a minha fé
Vou bem cedinho pela estrada que se espalma
O Nordeste em minha alma
Nos catombos do trupe
Vou Severino percorrer légua tirana
Com toda aventura humana
No solado do meu pé.

Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.

Vou com meu canto em cada canto lado a lado
Vou com cuidado afinando o meu gogó
Sem ter espanto, todo só de luz armado
Tino aceso e aprumado
Evitando um quiprocó.
Vou confiante, entre o céu e a terra, a ponte
No destino do horizonte
Vou bater até no sol.

Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.

Digo bem alto e minha crença toma abrigo
Sem ter asilo na redoma do mundão
Sigo o sermão no rumo a rota do estradeiro
Assuntando o paradeiro
Na melhor entonação.
Passo nos peitos a ficar comendo orvalho
Se cantar é o meu trabalho
Deus me dê toda canção.

Sou cantador
E carrego no canto
Minha vida no manto
Que reveste o valor
Pra onde eu for
Eu me valha do encanto
Pra chegar em qualquer canto
Com a verdade do amor.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.



Por acaso, alguém já ouviu Santanna? Não estou aqui me referindo ao eminente guitarrista mexicano Carlos Santana, não, estou falando de Santanna, o Cantador, um pisciano bissexto de Juazeiro do Padre Cícero, que lançou seu sétimo disco, o "Xote Pé-de-Serra". Este eu já conheço e, por sinal, de longas datas.

Este cantador já está na estrada desde antes de 1984, quando neste ano foi contemplado com a iluminação musical de Luiz Gonzaga, passando a integrar eventualmente os "Vaqueiros do Gonzagão".

Adotado pelo Rei do Baião, este seu filho postiço, com cara de ameríndio misturado com japonês, deixou muita gente boquiaberta com seu talento e vozeirão, a ponto de eu mesmo encontrar um bocado de gente reclamando: - ôxe, parece mais que eu tô bêbo! Nunca que eu pudesse imaginar que até japonês pudesse imitar Luiz Gonzaga, meu!

Mas imitar mesmo, não, mas que o timbre de sua voz bem que se assemelha com o grande menestrel nordestino que cantou todas as belezas, fortalezas e fraquezas do homem nordestino, parece. Mas Santanna tem personalidade, prova disso foi o abençoamento dado por Elomar ao seu trabalho. E depois, ninguém menos que o grande vate Zé Marcolino, que inclusive é primo dele.

Pois bem, este cantador em 92 lançou seu primeiro disco, o "Gonzagão, meu professor", com grande parte das composições feitas por João Silva, o último parceiro do Gonzagão. Depois não parou mais: "Bom que chega dói", em 93; "Homem-Passarinho", em 95; "Nordestrilhas", em 96; "Nordestinamente Cantador", em 97; e "D"estar" em 2000, desfilando gente da melhor estirpe da música nordestina, como Acioly Neto, Maciel Melo, Petrucio Amorim, Gonzaguinha, Jorge de Altinho, Onildo Almeida, Eliezer Setton e a Bia Marinho, a filha do ilustre Lourival Batista, além de revelar uma nova safra das boas como Zé Ripe, Nanado Alves, Ilmar Cavacalnti, Anchieta Davi e um montão de gente nova.

E como Santanna é gente muito boa, sangue dos bons mesmo, daqueles compromissados pelo dever de realizar trabalhos muito sérios e importantes, trazendo consigo a ânsia de aprender para transmitir a outrem, sustentando aquele dom nordestino de sempre recordar, dotado de imaginação profunda, profética até e procedendo com muita dignidade, angariou amizades e conseguiu que Osmar Zan e Edson Lima viessem junto, com aquele abraço de solidariedade.

O seu canto é como a água cristalina: dá gosto recolher na cuia da mão no afã de saciar a sede e ainda acende na gente a alegria e o prazer de viver.

A sua estrada foi lenta e laboriosa, como a de todo sujeito honesto. O seu poder magnético imanta o coração. E com isso, até Robertinho de Recife, o grande navegador de mares múltiplos nos tons da sua guitarra, ficou tocado e resolveu produzir o seu disco: "Xote pé-de-serra". E como tudo que é tocado por Robertinho de Recife vira ouro, redime, assim, o trabalho sério deste cantador que agora já pode ser tocado e conhecido mais amplamente, afagando a satisfação de ouvintes mil. Eu que torço pela sua afirmação, estou aqui aplaudindo de pé e convidando a todos para que possam conhecer de perto Santanna, o Cantador.

Por isso, trago para vocês uma entrevista exclusivíssima realizada com ele. Com vocês, Santanna, o Cantador:



MT& C - Santanna, primeiro a pergunta de praxe: como foi que se deu a descoberta pela arte, pela música?

Normalmente intuitiva pela percepção da vocação.

MT&C - Você teve uma convivência estreita com o nosso querido mestre, Luiz Gonzaga. Fala como foi essa convivência e de que forma ela contribuiu para o seu plano de vôo.

Eu vim perceber com mais clareza a grandeza e a genialidade do Rei, a partir dessa minha convivência com ele. Acho que a minha percepção de um Nordeste enquanto Nação começou aí. A admiração que eu nutria por ele se transformou em grande amizade e o resto você já sabe. A contribuição para meu plano foi total, devido a codificação do estilo, que emana do povo nordestino e quando vem da verdade cultural do povo já se diz que é universal. Quanto mais regional, mais universal.

MT&C - O seu primeiro disco trouxe uma homenagem ao mestre Lua, Rei do Baião, reunindo parcerias dele com o João Silva. Como se deu o desenvolvimento desse trabalho, o estreitamento com João e o resultado desta homenagem?

Eu tive o privilégio de poder desfrutar dessas presenças, bem como também de homenagear nosso maior astro brasileiro, mas, ficou nisso mesmo, não havendo uma segunda edição com o João Silva.

MT&C - Em seguida você saiu gravando seus discos trazendo vários nomes de reconhecimento e, inclusive, novos nomes. Dentre os que você trabalhou, registro o Acioly Neto com quem você fez parcerias. Como foi essa experiência com o Acioly Neto?

Accioly Neto foi, como costumo dizer, o meu irmão mais novo, que nasceu primeiro do que eu em outra barriga. Estivemos juntos na construção de cinco músicas.

MT&C - Também houve um fato marcante na sua carreira: Robertinho de Recife. Como seu deu essa experiência?

Raimundo Fagner mostrou a Robertinho o meu segundo LP, cuja música Lembrança de um Beijo era de interesse de Fagner para regravação e a partir daí já nasceu a vontade de Robertinho em produzir um disco comigo o que veio a acontecer sete anos depois. Foi uma experiência muito positiva.

MT&C - Você transita pelo universo heterogêneo da música Nordestina. E esse trânsito, se podemos parametrizar, vai desde Hermeto Pascoal, passando pelo Luiz Gonzaga, até, digamos, o novíssimo nome do Zé Ripe. De que forma essa heterogeneidade contribui para a sua proposta artística?

Eu acho que devemos ser eternos aprendizes, para podermos evoluir com mais consciência do somos e do que queremos.

MT&C - Você é assumidamente um cantador. E cantador a partir da cultura popular nordestina. Como se dá a receptividade dessa reunião poesia e música ao delinear sua proposta?

Democraticamente e intuitivamente, afinal, tudo provém do pensamento. Você tem que acreditar no seu jeito de fazer as propostas. Quando a coisa é verdadeira as pessoas notam e sentem. A verdade será sempre moderna e bem aceita, mesmo que doa.

MT&C - Como você vê a música nordestina hoje? O que você destaca de representativo no que se apresenta como música nordestina no presente?

Depende do que podemos chamar de música nordestina. Por exemplo, a bossa nova foi criada por João Gilberto, que é nordestino de Juazeiro - BA (ali já foi Pernambuco). Faz pensar que toda a música brasileira é nordestina, pois, o Brasil começou no Nordeste. A música nordestina é quem comanda hoje no Brasil, em termos de qualidade e compromisso. Vivam Djavan, Alceu, Caetano, Gil, Betânia, Chico Buarque (tem sangue), Dominguinhos, Lenine, Hermeto e outros.

MT&C - Como você vê a sua proposta de cantador inserido na cultura popular nordestina frente ao universo atual da música brasileira?

Tem tido uma aceitação enorme, principalmente nos recitais introduzidos em permeio as músicas decantadas, ou seja, poemas recitados incidentalmente. É bem diferente do que já foi feito, porque, eu trago mais os repentes, na maioria improvisados pelos poetas crus do Nordeste.

MT&C - Quais os projetos que Santanna, o Cantador traz como futuras realizações?

Os projetos vão surgindo com o tempo. É bom sonhar. Por enquanto estamos projetando o nosso novo CD e possivelmente um DVD. É só aguardar.

É isso aí. Para conhecer melhor Santanna, o Cantador,é só acessar a página www.santannacantador.com.br.

PS: Entrevista realizada em 08 de janeiro de 2004 e publicada no Usina de Letras.

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