A LUZ MUSICAL DE CLARA REDIG
Desde quando ouvi pela primeira vez a minha mãe com aquela vozinha ameninada solfejando acalantos para me ninar, que a voz feminina persegue deliciosamente a minha existência. Isso reforçado pelo fascínio do meu pai pela Sylvinha Teles, Clara Nunes, Maysa e Eliseth Cardoso, até eu menino virar adolescente vidrado na voz de Elis, de Joyce, Bethânia, Gal, Amelinha, Fátima Guedes, Elba e tantas outras que embalaram meu coração. Exatamente foi por essas e muito mais que naveguei vozes desde Maria Callas, Kiri Te Kanawa, passando por Flora Purim, Rita Lee e Joan Baez, até Diana Pequeno, Adriana Calcanhoto e muitas outras tantas mais. Traduzindo: a voz feminina embala meu coração.
Essa sensação prazerosa bateu forte quando um dia,por meio da comunidade internética Cardiem, capitaneada pelo amigo escritor e compositor, Felipe Cerquize, tive a oportunidade de conhecer o trabalho de Clara Redig. Conhece? Se já teve oportunidade de ouvir, parabéns, você é mais um daqueles agraciados com o privilégio da vida. Ah, mas se não conhece, precisa urgentemente conhecer.
Pois bem, em primeiro, quero dizer que a cantora e arquiteta Maria Clara de Salles Redig de Campos, ou simplesmente Clara Redig, estudou teoria musical e solfejo no Conservatório Brasileiro de Música, cantou até os 16 anos no Coral da sua escola e ingressou na Faculdade Nacional de Arquitetura em 1964. Ainda, mais tarde, estudou violão, canto lírico, canto técnico e cantoterapia.
Ela integrou o grupo Cantores de Chuveiro que, entre outras atividades, realizou o espetáculo “100 anos de MPB”, escrito e apresentado por Ricardo Cravo Albin.
Na sua discografia, inicialmente, vem o álbum Clara Redig, lançado em 1998, com um repertório montado sobre a obra de Antonio Maria, Chico Buarque, Toquinho & Vinicius, Francis Hime e Geraldo Carneiro, Dori Caymmi, Joana, entre outros, com destaque para Lua Branca de Chiquinha Gonzaga.
Em seguida, o Encontro Feminino, de 2001, um encontro musical daqueles que transitaram deliciosamente pela alma feminina, perseguindo, assim, a sua estrada com autonomia por composições de Ira & George Gershwin, Chico Buarque, Pixinguinha, Violeta Parra, Ivan Lins & Vitor Martins, Caetano Veloso, Francis Hime & Ruy Guerra.
Por fim, Luz - Clara Redig canta Francis Hime, de 2005, com arranjos, direção musical e regência de Nelson Ângelo para um repertório reunindo todos os parceiros do compositor, como Chico Buarque, Vinicius de Morais, Edu Lobo, Nelson Angelo, Ruy Guerra e Olivia Hime.
Ouvi os três álbuns de Clara duma só vez. E ouvi de novo. Repeti e quis outra vez mais. E de novo, mais uma vez, outra, e ela ali: firme e linda. Até meu encantamento de selecioná-la entre as preferidas da minha audição.
Por isso digo e avalizo com aplausos efusivos o talento e a arte de Clara Redig por se tratar verdadeiramente de uma artista maravilhosa.
E, além de talentosa, ela também é generosa e acessível. Ao ponto de chegar e conceder esta entrevista exclusiva pra gente.
Com vocês, Clara Redig.
LAM - Clara, vamos começar pelo de sempre: quando foi e como se deu seu encontro com a música?
Acho que ouvindo o belíssimo órgão do colégio de freiras onde estudei desde os 6 anos. Fui convidada logo a participar do coral. A música sacra me tocava de tal forma que, às vezes, inventava dores de cabeça ou enjôos para sair da sala de aula e ir para a enfermaria. De lá, ia seguindo aquele som lindo de órgão tocando na capela vazia. Me escondia atrás de um banco e ficava me emocionando com a “audição” do ensaio de alguma freira. Até hoje, o som desse instrumento me toca muitíssimo.
Imagem: ela desenhada pelo pai, 1948.
LAM - Quais as influências da infância e adolescência que demarcaram seu posicionamento pela música e que se firmaram na formação da artista?
Bem, aí tem uma história curiosa: na infância, embora ninguém na família tivesse relação direta com a música, meu pai nos colocava (sou a 3ª de 8 irmãos) sobre seus pés para ensinar a dançar quando mal começávamos a andar. Tudo ao som das músicas americanas das décadas de 30, 40 e 50 ou de alguma valsa. Era excelente dançarino.
Além disso, tive uma influência subliminar: minha avó, com quem convivi até os meus 30 anos, por timidez e recato (imagine!) nunca cantava a não ser para nos embalar, mas tinha, segundo eu soube há pouco tempo, uma voz lindíssima, além de ser exímia pianista. Pena que eu não soube antes.
Na adolescência? Sou uma privilegiada: dançava nas festas ao som de Cole Porter, Gershwin, etc... e “convivia”, no dia-a-dia, com a Bossa Nova, novinha em folha. Era 1958, eu tinha 14 anos e comecei a estudar violão em Petrópolis onde passava as férias, e onde passavam férias ainda: Vinicius de Moraes, Francis Hime, Ico e Oscar Castro Neves (que moravam lá) e tantos outros.
Pode ser mais enriquecedor do que “nascer para o mundo musical” ao lado desses talentos? Além do mais, era muito divertido.
Foto: ela com familiares.
LAM - Como é que entra essa história de Arquitetura?
Meu pai era arquiteto: Olavo Redig de Campos Desde muito cedo, adorava ir às obras com ele, além do “esporte” de todos os seus filhos de vê-lo desenhar na prancheta. Acabei fazendo Faculdade de Arquitetura e trabalhando com ele.
Há uns 15 anos atrás, fui a uma exposição sobre o grande arquiteto Frank Lloyd Wright no MoMA de Nova York. Ele era grande amante de música e vi a transcrição de uma frase do poeta alemão Goethe: “Arquitetura é Música congelada”. Aquilo me deixou satisfeita, pois sempre fiquei curiosa em saber porque temos tantos músicos-arquitetos ou quase-arquitetos como, só para citar alguns gênios, Chico Buarque e Tom Jobim.
Descobri que não era só no Brasil que acontecia esta coincidência.
Foto: ela arquiteta com o pai e outros profissionais.
LAM - Você desde menina logo foi levada pro Conservatório e começou, desde cedo, a colocar a voz no mundo e manifestando a sua felicidade de fazer sua hoje tratada "doce tarefa", isso com muitos shows e participando do grupo Cantores de Chuveiro, entre outras atividades. Fala pra gente dessa sua experiência, que contribuição trouxe para a consolidação da personalidade da cantora?
Foto: ela, menina com 6 anos, entrando pro conservatório.
O Conservatório era duro. Muita teoria, muito exercício, mas era muito, muito bom. Mas a verdade é que já era uma “doce tarefa” para mim. Eu era tão pequena, mas tudo que aprendi, me vale até hoje. Às vezes penso que não me lembro de nada, mas volta tudo: é como andar de bicicleta...
Os shows individuais, além da imensa alegria de cantar, me trouxeram a experiência de montar um roteiro a partir de um repertório. Eu não sabia porque alguns shows (mesmo de grandes artistas) não me agradavam tanto quanto outros. Então, descobri, ao montar os meus roteiros: não queria uma “seqüência de músicas” mas, sim, um roteiro de verdade, seguindo uma ordem onde uma música tem que vir depois de outra e antes daquela... Todas interligadas. E... tem que “fazer sentido”.
Com os Cantores do Chuveiro experimentei a delícia de contribuir, participar, dividir deliciosamente, com os cantores e com o público, esta “doce tarefa”. O comentário de espectador que mais me emocionou, foi: você “entrega seu canto” para nós da platéia e ainda “participa do canto do colega, cantando junto com ele, mesmo em silêncio”.
Os instrumentistas que tocam comigo sabem que esta tarefa só é possível quando estamos todos juntos, formando um grupo coeso e contente em estar fazendo aquele trabalho. Esta é a minha personalidade, como cantora e como pessoa.
Foto: com Cantores de Chuveiro, em 2007.
LAM - Você tem a sua primeira apresentação em 1995, no "Canta mais". Como foi daí chegar no primeiro cd de 1998?
O “Canta Mais” foi uma experiência linda, a três, que deu coragem para começar a carreira. Depois veio Momentos, a dois, que muito me emocionou e, finalmente, Encontros, sozinha e muito bem acompanhada por 4 talentosos instrumentistas.
Eu gravava os ensaios num gravador de repórter de baixíssima qualidade. Um dia, levei pra aula de canto, meio desesperada com o que ouvi de minha voz. Minha professora, Lulu Joppert, me disse que aquela gravação não correspondia à realidade e sugeriu que eu fizesse uma gravação de qualidade para que tivesse um registro fiel de minha voz. Fomos para o estúdio do genial músico José Lourenço e gravamos. Ficou muito bom, nós três gostamos e iniciou-se, assim, um trabalho que eles dois têm feito com alunos da Lulu. O meu, se transformou no cd independente Clara Redig, que mandei prensar, divulguei e distribuí eu mesma.
Foto: Ela no Teatro Arena, 1996.
LAM - O seu primeiro cd, apesar de contar com apenas 7 faixas, traz um universo musical desde Chiquinha Gonzaga, passando por Antonio Maria - gratíssima satisfação! -, passando pelo Vinicius, Toquinho, Chico Buarque, Dori Caymmi, Francis Hime, Geraldo Carneiro e Joana, entre outros. Uma senhora seleção. Fala, então, como se deu a realização deste trabalho, como se processou a escolha do repertório e o que levou você a trabalhar com tais compositores?
Ah! O que seria de mim, cantora, intérprete, se não fossem os compositores! São os meus primeiros parceiros. A escolha de um repertório, para mim, tem um princípio básico, fundamental: tenho que cantar a música (nem que seja no banheiro) e sentir que ela sai do mais profundo do meu ser. Parece ridículo? Talvez; mas é assim. Muitas vezes ouço um intérprete cantando algo, acho lindo, vou cantar... hum... não me disse nada, não me tocou. Aí, não canto.
Agora, neste momento, me emociono como escolhi “Canção da Volta”: a filha de Antonio Maria me disse que tinha uma canção de seu pai que era “a minha cara”, cantei e imediatamente fiquei escrava da alegria de interpretá-la.
Francis me emociona sempre. Juntou-se a Geraldinho, grande poeta, e fizeram a música “Clara” para Clara Nunes quando ela faleceu. Pronto: ao escolher o que gravar, porque não “Luz, uma luz que se acendeu... a estrela de Clara não vai se apagar”? Chiquinha, bem, a Lua Branca de minha mais tenra infância, linda, melodiosa, quase uma cantiga de ninar.
Vinicius, o poeta do amor, juntou-se a Toquinho que é um amor de músico: uma delicia de “sambinha”, como ele diria.
Chico... gênio! Estará sempre na minha “Vitrine”!
As palavras de Nelson Motta completam com perfeição a linda melodia de Oscar Castro Neves para dizer “De Onde Vens?”
E Joanna: ouvi estes “Descaminhos” e me encontrei direto com ela e sua bela melodia.
Foto: Clara com Rita, filha de Antonio Maria, em 1962
LAM - Depois você chega com "Encontro feminino", com uma seleção magistral só de primeiro time que traz Gershwin, Violeta Parra, Pinxinguinha, Chico, Caetano, Ivan Lins, Francis, entre outros. Como foi chegar a este resultado e de que forma se deu a recepção de crítica e público?
Quis fazer um disco com músicas compostas por homens para serem cantadas por mulheres. Claro que, tudo começou com Chico que é um craque também nisso: compõe no feminino com imensa compreensão. A descrição que “Teresinha” faz de seu terceiro homem me emociona sempre.
Gershwin é imbatível e eu tinha que falar com The Man I Love.
Pixinguinha, bem, era um desafio que consegui vencer nos shows: cantar “Rosa” inteira, decorada, afinada ainda por cima.
O querido Ruy Guerra brilha com a linda poesia de “Pouco me Importa”! A melodia de Francis é magistral.
Chaplin com seu recado de “Smile” não se dirigia somente às mulheres, mas achei que elas deviam ouvir.
Ivan com Vitor Martins dão um super recado com “Começar de Novo”.
E o nosso Caetano, com “Esse Cara” que consome o coração da moça?
Acabei colocando composição de mulher, “Gracias a la Vida”, porque queria terminar o CD agradecendo, também, por ser mulher.
As pessoas adoram este CD e a imprensa foi muito generosa em elogios, quando fiz o lançamento num “Mistura Fina” repleto.
Foto: Clara com Geraldo Carneiro.
LAM - O que levou você a realizar o cd "Luz" e como se deu com tudo que envolve este seu trabalho?
Este cd tem uma linda história.
Em 1997 completei um ciclo de estudos da obra de Francis Hime e fiz um show só com composições dele, que intitulei Luz, por começar com “Clara” (Luz, uma luz que se acendeu... ). O palco no escuro e fiz um canhão de luz surgir lentamente sobre mim.
Ocorre que Nelson Ângelo, grande músico, compositor e instrumentista foi assistir, imaginando que eu fosse cantar uma parceria quase inédita dele com Francis, intitulada “Luz”, que eu não conhecia. Ao final ele me falou sobre ela e fiquei curiosa.
Em 2001, no final do show “Encontro Feminino”, Dôdo Ferreira (baixista e arranjador do show) saiu comigo do palco do Mistura dizendo que eu devia gravar um cd só Francis porque as canções dele me saíam do fundo da alma e que as cantava melhor do que qualquer outra.
Começamos a escolher o repertório e me ocorreu, claro, “Luz”. Liguei pro Nelson: nem ele tinha a letra, nem Francis tinha a partitura. Achei a gravação do Francis num LP da década de 70, acho, e Nelsinho começou a fazer o arranjo, a meu pedido. Neste momento, sofri um acidente e, ainda no hospital, ele me disse: Como, você vai desistir? Não; agora mesmo é que vai poder se dedicar, em seu repouso – deixa que vou trabalhando por aqui.
E... salvou minha vida!!! Gravou a base e me mandou um CD com 2 faixas: uma só instrumental e outra com voz guia. Na cama, ouvia aquela complicadíssima melodia, com letra tão refinada, e ia suportando as dores na perna e a paralização forçada, cantando ao som daquele deslumbrante arranjo. Senti-me privilegiada. E chorava de alegria e emoção.
Ao final da gravação desta faixa, Dôdo me telefonou, junto com Tommaso (piano) e Ricardo Costa (bateria) e, por estarem tão encantados com o arranjo de Luz, se recusaram a fazer os demais; era o genial Nelson Ângelo que eu tinha que contratar. Assim foi feito e nós dois, Nelsinho e eu, começamos a escolher repertório, procurar os tons, tudo por telefone!!!
Meu repouso, da cadeira de rodas até as muletas, passando por andador, acabou durando quase 5 meses e só então pude subir 2 andares (de muletas) para gravar no Estúdio escolhido por ele.
Foi o período mais duro e o mais gratificante de minha vida.
Quando o máster foi entregue a Francis ele ligou para mim e para o Nelsinho, dizendo que os arranjos eram lindos, originalíssimos e feitos especificamente para mim, para minha voz. Que minha interpretação estava linda, com voz suave e precisa e que estávamos de parabéns. Valeu tudo!
Foto: Clara com Francis Hime.
LAM - Você trabalha o seu repertório sempre com autores consagrados, gente do primeiro time. Então, como você vê a música brasileira hoje? O que você destaca atualmente na música brasileira? Existem novos nomes? Ou a música brasileira está em processo de transição valendo-se apenas da grande marca poética da MPB desde sempre?
Foto: Clara com Dona Ivone Lara.
Gostaria de conhecer melhor compositores como, por exemplo, você e o Felipe para poder comentar. Só posso adiantar Edu Krieger, Mário Seve, por exemplo, que tenho acompanhado mais de perto. Simplesmente geniais.
Tenho escutado muitos trabalhos. Mas seria desonesto de minha parte se fizesse comentários sobre compositores que não conheço bem.
Se levei 9 anos pesquisando um único compositor, peço um tempo para esta resposta. Ela vem em breve, prometo.
Foto: Nelson Angelo
LAM - Quais as suas perspectivas e projetos?
Cantar. Cantar muito. Reapresentar meu show “Sonho Meu” (só com clássicos do samba) acontecido no Teatro Arena – Rio, quando contei com a presença de D.Ivone Lara, e sua especialíssima e espontânea participação no palco comigo. Gravar um tributo a Antonio Maria. Gravar Rão Kiao, músico indo-portugues. E muito mais...
Foto: Clara no Hipódromo Up em 1997
Para melhor conhecer o talento e a arte de Clara Redig é só acessar o sítio da cantora, onde o visitante conhecerá melhor a sua biografia, a sua discografia, seus shows, vídeos e contato. Não deixe de ver também a página dela no MySpace e no MT&C.
Entrevista realizada em 07 de fevereiro de 2009. Fonte das informações: sítio da cantora, perfil dela no MySpace e Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira.
CLARA REDIG: MENINO GRANDE – Primeiro fui surpreendido pela voz e o talento de Clara Redig no seu cd inaugural de 1998, cantando músicas de autores do primeiro time da música brasileira. Depois, o “Encontro Feminino” e, em seguida, o “Luz”, cantando músicas de Francis Hime. Agora ela chega com o cd “Antonio Maria Menino Grande”, apresentado pelo poeta e compositor Geraldo Carneiro, arranjado e dirigido por Nelson Angelo, reunindo o repertório musical de Antonio Maria e de seus parceiros Luis Bonfá, Fernando Lobo, Vinicius de Moraes, Ismael Netto, Pernambuco e Zé da Zilda, com a antológica “Manhã de Carnaval” e outros grandes sucessos como “Ninguém me ama”, “Canção da Volta” e a lindíssima “Menino Grande”, entre outras de merecido destaque.
Mais uma vez a delicadeza de sua voz e a leitura personalíssima de sua interpretação confirmam o talento e a grandeza dessa cantora na revalorização do que há de melhor e provando quão imenso é o universo da música brasileira de respeito, recolocando no cenário musical da atualidade a riqueza da música daquele que foi o cronista, o compositor e um dos mais importantes homens do rádio e da televisão brasileira das décadas 1950/60.
Clara Redig não só consolida seu nome entre as grandes cantoras brasileiras, como, também, oportuniza reviver a grandiosidade do universo musical de Antonio Maria.
“Se Antonio Maria fosse mandado para cobrir a posse do papa, voltaria cardeal” (Carlos Heitor Cony)
ANTONIO MARIA – O cronista, poeta, jornalista, radialista, compositor de jingles, além de compor frevos, sambas, valsas e canções, Antonio Maria Araujo de Morais (1921- 1964), era pernambucano de Recife.
Começou muito jovem apresentando programas musicais na Rádio Clube de Pernambuco, se mudando em 1940, para a Rádio Ipanema, no Rio de Janeiro, para ser locutor esportivo, passando a conviver com os pernambucanos Fernando Lobo e Abelardo Barbosa, o Chacrinha. Nesse período passou fome, foi humilhado e preso, retornando ao Recife para se casar e aprumar a direção para Fortaleza, passando a trabalhar na Rádio Clube Ceará, em 1944. Um ano depois, já era diretor das Emissoras Associadas, na Bahia, convivendo com Jorge Amado, Dorival Caymmi e Di Cavalcanti.
Em 1947, tornou-se diretor artístico na Rádio Tupi, no Rio de Janeiro, para, em 1951, tornar-se primeiro diretor de produção da TV Tupi, ao ser convocado por Assis Chateaubriand. Além disso, passou a ser cronista de O Jornal, onde assinou até 1955 as colunas “A noite grande” e “O Jornal de Antonio Maria”, mudando em 1959 para O Globo e, posteriormente, para o Última Hora. Foi, então, contratado pela rádio Mayrink Veiga.
Na TV Rio, fez com Ary Barroso o programa “Rio, eu gosto de você”, além de trabalhar na Radio Nacional, na revista Manchete e no Diário Carioca. Nesse período assinou shows e atuava no palco, estreitando amizade com Vinicius de Morais, Aracy de Almeida e Carlos Heitor Cony.
Foi parceiro musical de Vinicius de Moraes, Fernando Lobo, Moacyr Silva, Ismael Neto, Luís Bonfá, Pernambuco, Zé da Zilda e Reynaldo Dias Leme, sendo interpretado por vozes como a de Nora Ney, Aracy de Almeida, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Nat King Cole, Lúcio Alves, Doris Monteiro, Trio de Ouro, Maysa, Jamelão, Ângela Maria, Agostinho dos Santos, Dircinha Batista, Heleninha Costa, Mary Gonçalves, Os Cariocas, Bill Farr, Jorge Goulart, Hebe Camargo, Isaura Garcia, Violeta Cavalcanti, Emilinha Borba, Leny Eversong, Nelson Ferraz, Afrânio Rodrigues, Libertad Lamarque, Chiquinho do Acordeom, Neusa Maria, Ellen de Lima, Silvinha Teles, Dick Farney, Os Pequenos Cantores da Guanabara, Maria Bethânia, Carolina Cardoso de Menezes, Caetano Veloso, Fagner, Marisa Gata Mansa, Luiz Bandeira e Claudionor Germano.
Cardiopata desde a infância, bom de garfo e de copo, carregado de desafetos por brigas por causa de mulher, foi ele o compositor que colocou o samba-canção entre o xaxado e o bolero da década de 50, e que, segundo Joaquim Ferreira dos Santos, foi quem preparou o terreno para a bossa-nova. Ele faleceu de um enfarte do miocárdio no dia 15 de outubro de 1964, em Copacabana, no Rio de Janeiro.
Os seus livros publicados são “O Jornal de Antonio Maria” (Ed. Saga, 1968), “Com vocês, Antonio Maria” (Ed. Paz e Terra, 1994), “Crônicas” (Paz e Terra, 1996), “Benditas sejam as moças: As crônicas de Antonio Maria” (Civilização Brasileira, 2002), “O diário de Antonio Maria” (Civilização Brasileira, 2002) e “Seja feliz e faça os outros felizes: Crônicas de humor de Antonio Maria” (Civilização Brasileira, 2005). Sobre ele, o livro “Antonio Maria: noites de Copacabana”, de Joaquim Ferreira dos Santos, além de “Brasileiro, profissão: esperança”, musical de Clara Nunes e Paulo Gracindo com textos de Paulo Pontes e direção de Bibi Ferreira, e “A noite é uma criança”, musical de Marcos França.
Boêmio, torcedor do Sport Clube do Recife, mulherengo e espirituoso, é autor de frases lapidares, a exemplo de "Aqueles que dizem que mulher de amigo meu pra mim é homem estão enganados; porque mulher de amigo meu é mulher mesmo”. Também é atribuído a ela que "No Brasil, a gente só fala mal de quem não conhece. Conhecendo, fica amigo", bem como "A única vantagem de viver com uma mulher é a mulher mesmo. Aponte outra!", como também a "O suicídio só seria solução se a gente não morresse. Mas geralmente, quem se suicida, morre", além de "Só há uma vantagem na solidão: poder ir ao banheiro com a porta aberta".
Muitos relatos são contados sobre Antonio Maria, como o de uma vez, num avião, vendo uma linda mulher lendo um livro de Carlos Heitor Cony, ele se aproximou se autodenominando como o autor da obra. A conversa evoluiu e, no final da viagem, os dois acabaram num motel. Dias depois, ao contar o episódio ao amigo, o próprio Cony perguntou: "E a farra foi boa?" Antônio Maria respondeu: "Foi uma porcaria, Cony, você broxou". Outro fato dá conta de que Antônio Maria costumava ir do Rio a São Paulo, em companhia de Vinícius de Moraes, na maior farra. Certa vez ao chegarem ao apartamento deles, notaram um princípio de incêndio. Da portaria, Antônio Maria telefonou: "Olha, desçam logo, mas não avisem a ninguém, porque senão vocês vão ter de dar preferência aos velhos e às crianças".
CLARA REDIG – A cantora e arquiteta Maria Clara de Salles Redig de Campos, ou simplesmente Clara Redig, estudou teoria musical e solfejo no Conservatório Brasileiro de Música, cantou até os 16 anos no Coral da sua escola e ingressou na Faculdade Nacional de Arquitetura em 1964. Ainda, mais tarde, estudou violão, canto lírico, canto técnico e cantoterapia. Integrou o grupo Cantores de Chuveiro que, entre outras atividades, realizou o espetáculo “100 anos de MPB”, escrito e apresentado por Ricardo Cravo Albin. Na sua discografia encontramos o álbum “Clara Redig”, lançado em 1998, com um repertório montado sobre a obra de Antonio Maria, Chico Buarque, Toquinho & Vinicius, Francis Hime e Geraldo Carneiro, Dori Caymmi, Joana, entre outros, com destaque para Lua Branca de Chiquinha Gonzaga. Em seguida, o “Encontro Feminino”, de 2001, com composições de Ira & George Gershwin, Chico Buarque, Pixinguinha, Violeta Parra, Ivan Lins & Vitor Martins, Caetano Veloso, Francis Hime & Ruy Guerra. Depois “Luz - Clara Redig canta Francis Hime”, de 2005, com arranjos, direção musical e regência de Nelson Ângelo para um repertório reunindo todos os parceiros do compositor, como Chico Buarque, Vinicius de Morais, Edu Lobo, Nelson Angelo, Ruy Guerra e Olivia Hime. Foi quando ela lançou esse álbum com canções do Francis Hime que ela me concedeu uma entrevista. Agora ela lança “Antonio Maria Menino Grande”, reunindo os maiores sucessos e as parcerias de Antonio Maria.