Gente, pelo que tenho divulgado aqui, acredito que dê para deixar uma pontinha de possibilidade de sacar que tenho me dedicado a realizar pesquisas. E olhe que desde que me entendo por gente que pesquiso música, principalmente a brasileira. Isso não quer dizer que não tenha me dedicado à pesquisa musical ampla, claro que não, desde que passei estudando mais que brevemente na adolescência pelo Conservatório de Música de Pernambuco, que me dediquei às músicas de raiz – xote, baião, repente, coco, caboclinhos, maracatu, armorial -, como também a erudita, o jazz, o rock progressivo, sem falar de ter vivido o apogeu da Bossa-Nova, Jovem Guarda e Tropicália.
Não lembro como nem quando comecei a procurar por sons, vozes, tons, sotaques, timbres, notas, acordes, ginga, suingue e o escambau.
Como eu nasci curioso, acho que essa curiosidade me levou desde menino pra isso. E não será de estranhar porque nasci já doidinho com o ouvido colado no rádio que não era na época tão monótono assim, nem tocando só os mesmos o tempo todo.
Não, repito, não era o rádio só panelinha e jabaculê, pois eu ouvia desde menino nas emissoras Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Caetano Veloso e, como era inquieto, pegava também as que tocavam Villa-Lobos, Lupicinio Rodrigues, Noel Rosa, sambas e batuques.
Depois veio a televisão e com ela a monotonia piorou: só tinha um ou outro canal. Triste isso. Mas, pelo menos, passava aqueles festivais de músicas e outros especiais com gente talentosa, uma vitrine. Mas isso era pouco pra mim.
Foi quando no começo da adolescência comecei a invadir lojas de discos atrás de novidades. E olhe que tenho a coragem de levar uma coisa que nunca ouvi só para ter o prazer da pesquisa. Não me arrependo disso, normalmente acerto na escolha. Ou não, sem culpas nem arrependimento.
Quisera eu ter dinheiro para sair comprando as novidades que explodem por aí Brasil afora e que se encontram fora das emissoras de radio e tevê, dos palcos, dos eixos e circuitos.
Pois bem, nesses mais de 30 anos dedicado à pesquisa musical, eis que nos últimos 5 ou 8 anos, tive uma surpresa ímpar. Foi isso mesmo, uma daquelas surpresas que me fez vasculhar lojas aqui em Maceió de forma insistente, mas como as boas coisas de Alagoas você pode encontrar em qualquer outro lugar, menos em Maceió, quase perdi a esperança, não fosse a sorte de ouvir certa música numa emissora de rádio. Como é? Isso mesmo. O que eu procurava, enfim, estava tocando numa emissora de rádio. Pasmem. Claro que só podia ser rádio pública das que são educativas, evidentemente. Hoje não perco mais meu tempo ouvindo as baboseiras das rádios comerciais. Mas vamos lá.
Retomando a conversa, foi assim: ouvi uma música. Curioso, saí perguntando por aí até que descobri tempo depois o nome da música: Internet Coco. De quem é? Mácleim. Como é? Isso mesmo: Mácleim. Na hora fui logo pros nomes daqueles cantores que surgiram nas décadas de 70 que usavam nome e cantavam em inglês. Mas a música era ótima e não necessitava que eu procurasse saber a razão do nome do rapaz.
Doutra feita, estava eu bebericando quando ouvi a dama da música alagoana, Leureny Barbosa, cantando uma lindíssima canção. Confesso: uma das músicas mais lindas que já ouvi na vida! E saí querendo saber o nome da música: Atriz. De quem é? Mácleim. De novo? Demorou.
Tempo vai, tempo vem e me deparo com outra simplesmente arretada. Não pude me conter e demonstrei minha enorme satisfação em ouvir aquela música. Nome: Das Dores. Autor? Mácleim.
Não foi diferente quando ouvi pela primeira vez a música Outubro ou nada. De quem? Mácleim. Peraí! Ou eu estou endoidando brabo, ou esse tal de Mácleim é um compositor da porra!!! Felizmente deu a segunda opção porque fiquei encangado onde havia show do cara para assistir. Mas desconfio ter os parafusos do quengo afrouxados mais depois de conhecer Mácleim pessoalmente. Um rapaz vindo do interior alagoano, da cidade de Murici, viajado como a praga. De cara, um cabra bom, sorridente, articulado e com ar de quem não tá aí nem pra quem pintou a zebra ou morreu afogado no aquário. Músico excelente. Compositor, invejável. Sabe das coisas o rapaz. E não me deixa mentir o Aquiles MPB-4 que já escreveu resenha elogiosa sobre o rapaz em coluna de jornal. Prova que o cabra é bom mesmo. Mas melhor que eu falar dele, é evidentemente deixar ele falar, né não? Então, com você, Mácleim.
LAM - Mácleim, primeiro vamos para a pergunta de praxe: como e quando se deu seu encontro com a arte?
Agora, com o distanciamento cronológico, percebo que desde criança eu já me sentia atraído pela música. Já gostava de ouvir os discos do meu pai e montava baterias, com as panelas da minha mãe, para acompanhar as músicas do rádio. Enquanto meus coleguinhas só queriam brincar de cavalhada, futebol e etc., eu sempre propunha conjuntos musicais, palco e essas coisas relativas à música. Gostava também de ir à feira para ouvir os emboladores de coco e os violeiros repentistas. Lembro que gastava todo o meu trocadinho comprando instrumentos musicais artesanais, ao invés de carros de lata, petecas e outros brinquedos vendidos na feira. Costumo dizer que não fui eu quem escolheu a música como profissão e expressão. Não se escolhe uma expressão artística como profissão. Ela é que nos escolhe.
LAM - Quais as influências da infância e da adolescência que marcaram a personalidade do artista?
Bem, não há como negar que somos influenciados em vários momentos e por determinados artistas. Portanto, foram várias as minhas inspirações. Eu cresci ouvindo o serviço de autofalantes de Murici. Em cada esquina tinha um autofalante tocando musica brasileira. Nelson Gonçalves, Luis Gonzaga, Dolores Duran, Caetano Veloso, Ataulfo Alves e os sambistas tradicionais. Além, claro, de Jacinto Silva e Jackson do Pandeiro, que faziam um samba diferente, mais sincopado, com uma divisão bem característica. Tudo me atraia como um imã. Embora eu seja de uma geração onde a música internacional, principalmente a americana e o rock inglês, dominou a cena brasileira e fez a cabeça de muitos, nunca prestei muita atenção nos Beatles, nem nos ícones do rock mundial. Sempre gostei mais da música brasileira. Talvez, porque intuitivamente já soubesse que se trata de uma das melhores músicas produzidas no planeta. Disso restou minha tentativa permanente em desenvolver minhas particularidades e assumir minhas limitações. Assim, faço e farei a música que me identificará como artista e propositor, onde as influências estão amalgamadas num liquidificador que produz o que me é palatável.
LAM - Você na música passou pelo Conservatório Villa Lobos, por vários estúdios no Rio de Janeiro, show na Europa, ganhou festivais e participou, entre outros, do Projeto Pixinguinha. Fala a respeito dessas experiências na formação e identidade do artista.
Basicamente, e o básico é tudo, a partir dos festivais, passando pela academia, à experiência em estúdios, os shows internacionais e o Projeto Pixinguinha, tudo isso me deu a percepção de que fazer música, ser um propositor, poderia ser o que mais me distanciaria da mediocridade. Continuo pensando assim. Sem dúvida, os festivais dos anos 70 e 80 foram primordiais para a formatação do que hoje se costuma chamar de MPB. Nos festivais foram forjadas carreiras que ainda hoje são referências do que de melhor se produz na música brasileira. Participei de vários festivais e, aqui, no aquário, por duas vezes, tive canções escolhidas como melhor música e melhor arranjo. Embora seja uma questão por demais subjetiva, não há como negar que é uma sensação bacana ter seu trabalho avaliado e aprovado. No entanto, para mim, importante mesmo sempre foi participar, trocar informações e aprender num ambiente totalmente musical.
Trabalhar em alguns dos maiores estúdios do Rio de Janeiro foi uma grande escola, uma oportunidade maravilhosa que a vida me deu de estar em contato com grandes nomes da música brasileira, e aprender vendo-os atuar no lapidar dos seus trabalhos. Além disso, aprendi também a desmitificá-los. Vi o lado humano de qualquer pessoa, que na maioria das vezes as luzes e efeitos dos palcos camuflam sob a aura necessária ao estabelecimento da catarse entre artista e platéia.
Na academia (cursei também música, na UFAL) logo descobri que não era minha praia. Música é uma das expressões de arte que possibilita interação, partilha, agregação. Portanto, todas às vezes que terceirizo minha proposta musical, com músicos e arranjadores afins, agrego valores à música que faço. Daí, quando quero um arranjo de cordas ou metais, convido alguém que estudou e está habilitado para isso. Se preciso escrever uma partitura, chamo alguém que estudou e sabe escrever, assim, enriqueço o que proponho. Portanto, quando a ficha caiu, relaxei quanto à formação teórica que em determinado momento busquei na academia.
Já a experiência internacional é fundamental para deixar de olhar apenas para o umbigo, sair da redoma e poder voltar arejado, bafejado de novas possibilidades. É sempre um processo enriquecedor para qualquer artista. Além disso, na Europa, por exemplo, tenho a oportunidade de tocar com músicos de outras nacionalidades e através da música manter um diálogo fértil, onde ambos os lados usufruem de sugestões e conhecimentos musicais e interpessoais.
O Projeto Pixinguinha, entre outras coisas, me proporcionou a percepção de que todas às vezes que tenho meu trabalho avaliado fora da minha aldeia, e o Projeto Pixinguinha “era” perfeito para isso, é sempre por um público descompromissado com algumas amarras pretéritas, sintonizado apenas na música que nos conecta, sem pré-julgamentos e satisfações a dar nem a mim nem a ninguém. Portanto, nesses momentos, eu também tenho a verdade em minhas mãos através do que o público me revela. Resulta sempre num exercício de humildade, onde avalio e, às vezes, até repenso o que estou propondo.
LAM - Primeiro você lançou o Panambiverá, pelo selo francês Bongo Records. Como se deu a iniciativa de realizar este primeiro projeto e quais os resultados desta experiência?
O Panambiverá foi gravado em 1996, aqui no Brasil. Produzido pelo Zé da Flauta, com arranjos do maestro Eduardo Morelembaum. Foi um disco produzido de forma independente, com recursos próprios, embora, eu, à época, fosse o primeiro artista alagoano a ter um projeto aprovado pela Lei Rouanet. Obviamente, não consegui captar nem um centavo. Igual está acontecendo agora com o Esses Poetas. Mas fui adiante, vendi tudo que eu tinha e fiz o disco como eu queria. Para encurtar a história, após bater de porta em porta nas grandes gravadoras da época, às vezes sem sequer a decência de uma resposta, o disco foi parar no selo Bongo Records, em Bordeaux, na França. Quando eu já estava quase desistindo, jogando a toalha e resolvendo me dedicar definitivamente à produção de TV - meu trampo à época -, surgiu uma proposta de lançamento do disco e turnê pela Europa. Assim, o Panambiverá foi lançado no velho continente em 1998, o que resultou em uma turnê de 29 shows e 45 dias por diversos países.
LAM - Depois você lançou o festejadíssimo Internet Coco, pelo selo suíço Soluar. Conta pra gente como foi fazer e realizar este trabalho?
Acredito que cada disco cumpre uma função. A importância se estabelece desde a concepção, o propósito em realizar, indo até aos resultados que permeiam cada etapa desta nada fácil construção. Portanto, cada disco é importante pela materialização de uma idéia, pela existência de algo palpável e repleto de informações a cada audição e manejo. Às vezes vai além de tudo isso. Foi o que aconteceu com o Panambiverá. Além de ele me proporcionar a primeira turnê européia, gerou também a gravação do Internet Coco e o contrato com a Soluar. O Internet Coco foi gravado nas horas vagas da turnê de 98, em Gèneve. Foi bacana porque os músicos, aqui do aquário, que haviam viajado comigo, gravaram toda a base do Internet Coco. No fim da turnê, após os shows no Festival de Montreaux, eles voltaram para o Brasil e eu fiquei finalizando o disco e fazendo uma temporada no Latitude Brasil, em Gèneve. Acabei ficando bastante tempo e tendo a oportunidade de concluí-lo com calma. Aproveitei e convidei vários músicos, de diversas nacionalidades, para participarem do Internet Coco. Isso acabou dando um caráter bem globalizado a esse trabalho. O disco foi lançado em 2001, apenas na Europa, e fizemos mais uma turnê super bem-sucedida.
LAM - Veio então o Ao Vivo e Aos Outros, pelo selo Batuta. Como é que está a recepção deste seu trabalho e fala a respeito deste selo.
No encarte do Ao Vivo e Aos Outros tem um texto onde eu digo que o que me motivou a gravar ao vivo não foi o modismo que esse tipo de proposta representava à época. Na verdade, foi certa ousadia e a vontade de registrar (mesmo sem as condições técnicas desejáveis) a estética sonora do show Depois do Carnaval, que estávamos fazendo à época. Daí, eu e o Felix Baigon, co-produtor do disco, fizemos um planejamento até onde era possível e gravamos um disco sincero, verdadeiro e totalmente transparente. Costumo dizer que é um disco cheio de “defeitos especiais”, mas que tem a pegada de um som realmente ao vivo, com as nuances que só o feedback e a interação de cada pessoa presente aos shows poderia nos dar. Como eu disse, cada disco cumpre uma função. O Ao Vivo e Aos Outros me levou até a turnê de 2006, pelo Projeto Pixinguinha.
Quanto ao selo Batuta, ele nasceu da necessidade de ter uma marca, um selo, mesmo que totalmente independente e pobrezinho, porém, capaz de respaldar o disco. Por experiência eu sabia que fica ainda mais difícil, para qualquer artista, ao levar o trabalho para uma emissora qualquer, quando o programador pergunta: foi lançado por qual selo? Se você não tem o que responder, alguns sequer se dão ao trabalho de ouvir.
Lembro-me também que, à época, percebi que assim como eu, que estava com um trabalho pronto e sem saco para sair batendo de porta em porta, outros artistas alagoanos como o Carlos Moura, Ricardo Mota, Basílio Sé, Lene e a Dulce Miranda, também tinham trabalhos prontos para serem lançados. Daí, propus o inverso: ao invés do selo lançar os artistas, que tal os artistas lançarem o selo? Generosamente, todos toparam e assim nasceu o Batuta, respaldado pela qualidade do trabalho e pela carreira desses talentosos artistas e, claro, nascia com um catálogo digno de respeito.
LAM - Você tem um projeto que está se vestindo já há algum tempo, que é o Esses Poetas. E nesse projeto tem poemas de alagoanos, participações especiais e meio mundo de coisa interessante. Fala pra gente o que você pode adiantar de detalhes deste seu projeto.
Pois é, esse urdimento tem bastante tempo mesmo. Para ser exato, desde a primeira poesia musicada por mim, Caminhante Caminhando Tanto Passo Até Que Cansa, do Otávio Cabral, já percorri mais de oito calendários. Às vezes me desespero pela impossibilidade de finalizá-lo, tamanhas são as barreiras financeiras. Aí, nesses momentos, reflito e me acalmo, pois sei que este é um projeto, um disco atemporal. A começar pela própria sonoridade acústica dos arranjos, e, principalmente, pelo conteúdo poético e estético de alguns dos poetas mais significativos da poesia alagoana. Só na etapa de composição (musicar os poemas) passei seis anos laborando. Entendo que a poesia é uma obra acabada em si mesma. Portanto, interferir em poemas de poetas como Jorge de Lima, Ledo Ivo, Jorge Cooper, só para citar alguns dos ícones da poesia alagoana, além dos demais que estão no Esses Poetas e, generosamente, autorizaram e avalizaram minha ousadia, não foi um exercício qualquer. Foi preciso imersão, dedicação e, sobretudo, estar imbuído da responsabilidade necessária a essa tarefa nada fácil.
Na verdade, não considero o Esses Poetas mais um disco meu. Ele já ultrapassou essa resumida latitude. A começar pelo espectro da poesia alagoana contida neste projeto e pela participação de colaboradores importantíssimos como o Pedro Cabral, que criou sua versão plástica para os poemas. O Enio Lins, através das caricaturas dos poetas. O Brandão que escreveu e cifrou todas as músicas para o encarte. O Fernando Neves, com o projeto gráfico. A Djanira Macêdo, produtora executiva e anjo da guarda e, finalmente, pela honra que tenho em partilhar esse trabalho musicalmente com convidados mais que especiais. Enumerá-los resultaria em uma lista extensa e, como toda lista, passível de algum esquecimento. Porém, acho pertinente colocar por que só alguns artistas da cena local estão dividindo algumas canções comigo e outros, também queridos e importantes, não estão. Primeiro, porque são apenas 13 faixas e, obviamente, não caberia todo mundo. Tive que estabelecer um critério: convidei aqueles que em algum momento prestaram atenção ao que eu fazia e, generosamente, gravaram minhas canções. Assim, Clara Barreiros, Junior Almeida, Leureny Barbosa e a Wilma Araujo agregam inestimável valor ao Esses Poetas. Aliás, seria maravilhoso se eu pudesse ter tido a participação do Carlos Moura e da Irina Costa que, por motivos alheios à minha vontade, não puderam gravar durante a fase de gravação do Esses Poetas. Além, é claro, do Djavan que, apesar de não se enquadrar no critério citado, ao ser convidado gentilmente prometeu que participaria. Se isso realmente acontecer, voltarei a estúdio e quem sabe dessa vez o trabalho ficará completo com a participação da Irina, do Carlos Moura e do Djavan.
LAM - Você já teve uma convivência com gente da melhor estirpe da Música Brasileira, como Hermeto Pascoal, Djavan, Antonio Adolfo e muitos outros. Fala pra gente da experiência com esses artistas para o seu trabalho e, especialmente, como se deu aquela sua estada com Hermeto Pascoal e DuoFel nos palcos do Brasil?
Gerenciei durante alguns anos o Estúdio Verde, no Rio de Janeiro. Era e ainda é um dos melhores estúdios de ensaio do Rio. Lá, tive a oportunidade de presenciar ensaios dos grandes nomes da música nacional e alguns internacionais, tipo Pat Metheny. Vê-los atuando com músicos do primeiro time, criando, lapidando suas músicas geniais, foi uma grande escola para mim. E tudo começou quando eu trabalhava com o mestre Antonio Adolfo. Aliás, o Antonio foi e é como um pai para mim. O Antonio Adolfo é uma daquelas sólidas amizades que só a música é capaz de proporcionar. Devo muito ao Antonio pelo o que me ensinou sobre a vida e crescimento pessoal, sobretudo, os caminhos musicais que hoje trilho. Ele me proporcionou também a felicidade de, pela primeira vez, ver meu nome na ficha técnica de um disco como produtor. Foi no disco dele, Conexões, produzido para o mercado japonês.
Bem, o lance do Hermeto e DuoFel aconteceu dentro de um projeto do governo de Alagoas, na gestão do Ronaldo Lessa. Aliás, gostaria de abrir um parêntese aqui, para fazer uma observação, já que citei o governo do Ronaldo Lessa. Ele foi sensível e respeitou à produção cultural de Alagoas. Incentivou e de fato tentou contribuir com ações proativas. Principalmente, se fizermos uma comparação com governos anteriores ao seu e, mais ainda, com o atual governo Téo Vilela. Este - e seu inoperante secretário de Cultura - um zero a esquerda, uma nulidade, um empecilho a mais, um retrocesso absoluto.
Mas, voltando ao tema: foi realmente muito bom em alguns momentos estar no palco com o DuoFel, com os quais tenho uma relação de amizade, sem falar que o Fernandinho também é alagoano e muito, muito gente-fina. Aliás, um dos melhores momentos do Esses Poetas é a participação dele, tocando divinamente com zigzum e tudo mais... Já o Hermeto dispensa comentários. Foi uma dessas raríssimas oportunidades que um simples mortal como eu tem de atuar ao lado de um gênio contemporâneo. O Hermeto pode ser avaliado dessa forma, pela sua indiscutível genialidade musical. Foi uma oportunidade maravilhosa, principalmente se levarmos em consideração que os grandes gênios da humanidade não habitam mais este planeta.
LAM - Você além de um cara ligado à música, também é um sujeito antenado, jornalista e radialista, escrevendo e publicando seus textos, artigos e crônicas. Fala a respeito dessa manifestação jornalística e do seu trabalho de radialista.
Olha, tudo começou quando eu recebi um convite para escrever semanalmente no jornal Extra. Daí, passei dois anos escrevendo toda semana sobre os mais diversos temas, porém, priorizando sempre a nossa cena cultural. Na maioria das vezes minha abordagem era crítica, pois eu procurava, e ainda faço isso, mostrar outros pontos de vista do fato abordado, visto que absolutamente nada é unilateral. Com isso, para muitas pessoas, deixei de ser o artista bonzinho, conveniente, conivente e acrítico. Deixei de ser um bobo da corte e por isso várias portas se fecharam. Mas, como citei, nada é unilateral. Em contrapartida recebi muitas manifestações de apoio às minhas ponderações, principalmente de pessoas que não tinham como se manifestar publicamente. Sabe, engraçado: nessa época eu era cumprimentado na rua por leitores do Extra. Percebi que estava me tornando conhecido pelo o que eu escrevia e não pela minha música. Achava isso muito louco e, ao mesmo tempo, ratifiquei o quanto pode ser poderosa uma mídia consolidada. Por isso, sei exatamente o quanto pode ser nociva a postura da atual editoria do Caderno B, do jornal Gazeta de Alagoas, por exemplo. Mas, esse é um longo assunto... (risos)
Como radialista, estou na função de programador musical da Rádio Educativa FM. Escolhi essa função, quando fiz o concurso público, porque além de extremamente prazerosa, ela me proporciona a possibilidade de propor uma estética musical para uma grande parcela da população. A direção da Rádio Educativa nos deu carta-branca. Assim conseguimos contemplar, dentro da nossa programação, toda a diversidade da música brasileira. Porém, sempre a partir de critérios pré-estabelecidos, onde o conteúdo estético e cultural é determinante. Além disso, posso fazer pelos meus colegas o que eu gostaria que fosse uma prática comum nas demais emissoras. Ou seja: tocar, difundir seus trabalhos a partir de uma ótica não-comercial.
LAM - Vamos falar de Alagoas? A sua música tem o gosto da terra, das belezas, gentes e das grandezas alagoanas. Como você vê Alagoas para produzi-la no seu trabalho?
Olha, não é a primeira vez que alguém enxerga esses matizes no meu trabalho. E, para ser sincero, sempre me surpreendo com isso. O fato é que eu nunca tentei reproduzir Alagoas na minha música. Talvez, lá, bem no comecinho, eu tenha tido um discurso mais voltado para esse universo de mar, sertão e ritmos regionais. Porém, isso foi há muito tempo e, obviamente, por eu estar limitado a esse universo. Depois que sai e fui para o mundo, retomo esse universo em pitadas, no que me é inerente, e só. Com exceção da inquestionável beleza natural, não consigo ver Alagoas com ufanismo nem o bairrismo que, invariavelmente, embaçam a realidade. Pelo contrario. Sem qualquer maniqueísmo, um Estado se traduz pela estrutura social do seu povo. E, sinceramente, Alagoas tem essa estrutura esgarçada, corrompida, dilapidada pela incompetência estatal (portanto, das elites política e econômica) em gerar desenvolvimento.
Que tipo de discurso eu traria para minha música se de fato eu fosse olhar para Alagoas? Como olhar para o Estado de Alagoas e não ver sua vergonhosa e cruel precariedade em todos os índices do desenvolvimento humano? Como olhar para os gestores e instituições deste Estado, em todos os níveis, e não ver uma oligarquia retrograda e provinciana, que mantém Alagoas sob o atraso de uma economia primaria, onde o poder do homem cordial prevalece em todas as relações sociais e de trabalho? Como olhar para esse povo e não vê-lo sob o jugo do analfabetismo, da ignorância e fisiologismo, capazes de reconduzir, por exemplo, um Fernando Collor à vida pública? Portanto, não vejo como poderei olhar para Alagoas e enxergar poesia. Não, enquanto o cognitivo tiver um lampejo de lucidez em mim.
LAM - Você tem sido um artista produtivo que constantemente se encontra trabalhando e se expressando não só nos palcos do Brasil, como de Alagoas. Que avaliação você faz da receptividade do seu trabalho artístico no Brasil e, evidentemente, nos meios artísticos, órgãos públicos de cultura, instituições de fomento artístico local, imprensa e sociedade alagoana em geral?
Tai uma pergunta ao mesmo tempo fácil e difícil de responder. Devo respondê-la pelo que observo da minha posição na cena musical e não do ponto de vista dos diversos segmentos citados por você. Até porque, desconheço o que pensam sobre o meu trabalho. A não ser pontualmente, como feedback de um show, por exemplo. O fato é que apesar de atuante sou um artista desconhecido pelo público alagoano. Houve um tempo em que eu carregava essa culpa de ser um desconhecido no meu próprio aquário. Depois, descobri que os artistas locais, de diversos segmentos, assim como eu, cumprem os rudimentos básicos na divulgação dos seus trabalhos e, ainda assim, padecem do mesmo mal. Portanto, o desinteresse do alagoano pela sua própria cultura e seus atores, passa, antes de mais nada, pela questão da alto-estima surrupiada a cada novo escândalo político. Passa pela carência cultural e educacional e, sobretudo, pelo descaso da maioria dos veículos de comunicação. Além, é claro, da incompetência das instituições que, por obrigação, deveriam fomentar as diversas expressões e atividades culturais.
Com relação ao Brasil, tudo é ainda mais pontual e circunstancial. O público que me prestigia é o que comparece às apresentações que faço. Na grande maioria não por um prévio conhecimento do meu trabalho. Porém, o resultado é sempre muito positivo. Nunca aconteceu de acabar um show e ficar aquela impressão de falta de sintonia entre nós e o público. Não nos palcos onde atuei, fora de Alagoas.
LAM - Você participa de um projeto denominado COMUSA. Fala a respeito dessa iniciativa, como você tem acompanhado a manifestação da categoria e quais as suas expectativas e perspectivas do músico alagoano?
Bem, COMUSA é a sigla de uma tentativa pioneira em criarmos uma cooperativa de música em Alagoas. Sinceramente, não sei onde isso vai dar. Sinceramente, também, torço para que dê certo e que os princípios que fundamentam o cooperativismo possam prevalecer, sobrepondo-se aos interesses individuais. Temos diversidade musical e isso é, sob vários aspectos, extremamente positivo. Além, é claro, de ser uma das características da música alagoana. Trazer essa diversidade para dentro do cooperativismo não deve ser mesmo uma tarefa fácil. Em uma das reuniões da COMUSA ficou bem evidente o quanto a maioria dos futuros cooperados ainda está longe do pensar coletivo. Mas, enfim, o cooperativismo tem regras e quem não se adequar não é obrigado a permanecer. Vejo muitos pontos positivos nessa iniciativa. Proponho-me a ajudar no seu fortalecimento e, obviamente, torço para que realmente vingue. Talvez essa seja a última luz no fim do túnel, em termos de perspectiva, para o músico alagoano.
LAM - Agora vamos falar de Brasil: como o cidadão Mácleim está vendo o Brasil de então? Tem esperanças deste país se transformar um lugar melhor, ou está perdido de vez porque não tem mais jeito mesmo?
Pois bem, o Brasil, como não poderia deixar de ser, está inserido no contexto de uma crise maior. A crise do capitalismo. E agora, com a globalização de fato, não é mais como antigamente onde as crises eram setorizadas e localizadas geograficamente. Isso pode ser totalmente desalentador, pois não temos mais nenhum modelo ao qual possamos recorrer. O resultado é o esgarçamento do tecido social, que nos põe diante de uma total inversão de valores e nos arrasta, em todas as classes sociais, a uma existência tão sombria que nem Dante Alighieri poderia imaginar. No Brasil, todos os segmentos sociais estão em crise. Religião, política, economia, educação, cultura, saúde, segurança, e por aí vai. Se ainda não chegamos, estamos bem próximos do fundo do poço. Sempre a partir da perspectiva cruel do capitalismo. Instituições como o Congresso Nacional, por exemplo, que deveriam reagir, balizar e propor soluções, encontram-se atoladas na lama fétida da corrupção e falta de ética. Perderam completamente a credibilidade e o respeito, proporcionando ridículos espetáculos onde a impunidade e permissividade corrupta são a tônica, com infinita capacidade de renovação de repertório, dia após dia. É deprimente quando a política, o fazer político, tão inerente ao exercício da cidadania, chega à degradação desmoralizante que chegou em nosso país, em todos os níveis.
Porém, sendo objetivo e tentando responder sua pergunta, minha esperança reside apenas no fato de habitarmos um planeta que gira em torno do próprio eixo, e, por sua vez, gira em torno do sol. Portanto, tudo aqui é cíclico. Todos os dias o sol nasce, as marés acontecem e o sol torna a se por. No entanto, sempre de forma diferente, se renovando. A palavra crise vem do grego krises e significa mudança. O problema é que não sabemos quanto tempo temos que esperar.
LAM - Por fim, quais os projetos que o Mácleim tem por perspectiva de realizar?
Bem, já faz algum tempo que coloco como profissão, nas fichas dos hotéis em que me hospedo, o termo propositor e não mais compositor. Faço isso porque a ficha caiu e compreendi que não dava mais para me achar um compositor, sem antes olhar para trás. E, quando olhei, percebi que os mestres já haviam feito tudo. Daí, descobri-me como um simples propositor. E não seria nem isso se não houvesse projetos. E ainda bem que projeto é o que não falta. Portanto, só para citar os mais imediatos, tem a conclusão, lançamento e pé na estrada do Esses Poetas. Tem também a gravação do próximo disco, que será o MaNoDuo. Na verdade, trata-se do registro, talvez em vídeo também, de uma formação que deu super certo em apresentações que eu e o Norberto Vinhas fizemos por algumas capitais do país e aqui no aquário também. Em paralelo, comecei a musicar algumas obras de artistas plásticos alagoanos. A idéia é transformar em disco o resultado desse trabalho, como fiz com os poetas. E, finalmente, com certeza, a retomada da minha história na Europa, no próximo ano, pois já tem um tempo que não faço nada por lá.
Entrevista concedida em 18 de agosto de 2009. Para conhecer melhor o trabalho do Mácleim acesse o site do artista e o MySpace.